SINOPSE DO CASE INTERDISCIPLINAR: CONTRATOS CÍVEIS E COMERCIAIS E PROCESSO DE CONHECIMENTO.[1]

 

Anderson Silva Pereira[2]

Márcia Christina Reis Perfetti²

Christian Barros Pinto ³

 José Humberto de Oliveira [3]

 

 

 

INTRODUÇÃO

O caso em questão apresenta uma relação contratual bilateral de financiamento, na qual A.B.A. tem o direito subjetivo de receber o carro (alienado a financeira) e o dever jurídico de pagar as prestações junto à financeira. E a FINANCEIRA JURUSAUTOS S/A. figura no pólo ativo (direito subjetivo) enquanto credora das parcelas do financiamento estabelecidas no contrato, e no pólo passivo (dever jurídico) enquanto devedora de quitar o carro junto à concessionária e entregar a A.B.A.

 

1)                    DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS RELEVANTES:

1.1                A.B.A.:

 Pessoa que compra um veículo novo em uma concessionária local através da financeira JURUSAUTOS S/A., comprovando renda como pequeno empresário.   Este após pagar três parcelas requereu revisão contratual alegando a existência de cláusulas abusivas no contrato, bem como juros acima de 12% ao ano, baseando seu pedido na onerosidade excessiva. Ademais A.B.A. pede o benefício da assistência judiciária gratuita.

1.2 FINANCEIRA JURUSAUTOS S/A.:

Empresa que financiou a compra de um veículo novo para A.B.A., mediante apresentação de documentos pessoais e comprovante de renda como pequeno empresário. Após três meses do estabelecimento da relação jurídica, essa foi acionada pela postulação do contratante em busca de revisão contratual.

2)                    DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS:

2.1 COBRANÇA EM JUÍZO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:

A financeira JURUSAUTOS S/A poderá judicialmente requerer a apreensão do automóvel alienado em posse de A.B.A., visto que esse não cumpriu com suas obrigações (pagar o financiamento). Ademais, poderá o juiz condenar A.B.A. de ofício ou a requerimento da financeira, configurando-o como litigante de má-fé, para evitar que o poder judiciário seja acionado apenas para protelar impedindo a efetivação do direito da outra parte.

2.2 REVISÃO CONTRATUAL:

O contrato de financiamento, sujeito as leis brasileiras, deve respeitar o limite máximo estabelecido na legislação. Destarte, visto que, a financeira JURUSAUTOS S/A ultrapassou os limites nesse contrato estabelecido com A.B.A., deve ser feita a revisão contratual, pois esta relação jurídica apresenta dois fatos repugnados pelo ordenamento jurídico pátrio, são estes: onerosidade excessiva e enriquecimento sem causa.

2.3 INSTRUMENTO PARA DIMINUIR O VALOR DAS PARCELAS NO CURSO DO PROCESSO:

O instrumento adequado a permitir que seja diminuído o valor das parcelas do financiamento enquanto durar o processo, para que não seja prejudicada a sua subsistência, é a tutela antecipada.

2.4 ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA:

A Assistência judiciária gratuita é um benefício garantido constitucionalmente pelo art. 5º, LXXIV e que tem sua regulamentação pela lei 1.060/50, esta estabelece os requisitos, os momentos e a forma para realizar o pedido além de que prevê também os meios de defesa para que o réu impeça que seja concedido o benefício.

3)                     DESCRIÇÃO DOS ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO:

3.1 COBRANÇA EM JUÍZO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:

A financeira JURUSAUTOS S/A pode cobrar em juízo a restituição do veículo alienado, mediante mandado de busca e apreensão, conforme o disposto no art. 3º, Decreto-Lei 911/69, visto que, A.B.A. não conseguiu cumprir a obrigação de trato sucessivo (pagar as parcelas do financiamento). Poderá também o juiz condenar A.B.A. por litigância de má-fé, conforme o descrito no art. 18, CPC. Em que pese decisão nesse sentido, há a jurisprudência do tribunal do RS (TARGS - 4ª Câmara Cível - APC nº. 194003612 - Rel. ARI DARCI WACHHOLZ) na qual o voto do relator consiste, em dizer que, o processo não pode se tornar instrumento contra a justiça, onde o autor apenas usa-o para protelar, com manobras burocráticas e maliciosas, a efetivação do direito subjetivo da parte.

 Art. 3º, Decreto-lei 911/69 “O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.”   

Art. 18, CPC. “O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.”

 3.2 REVISÃO CONTRATUAL:

A situação imposta à A.B.A. pelo contrato estabelecido com a financeira, denota fatos importantes que o direito repugna, são eles, onerosidade excessiva e enriquecimento sem causa, conforme o disposto nos Arts. 478, 884, CC, respectivamente. É bem verdade, que o dispositivo que trata sobre onerosidade excessiva, ressalta a importância da imprevisibilidade (teoria da imprevisão), mas uma corrente doutrinária defendida ferrenhamente pelo renomado jurista Álvaro Villaça Azevedo, em seu texto “ONEROSIDADE EXCESSIVA E TEORIA DA IMPREVISÃO 0NO CÓDIGO CIVIL DE 2002)”, demonstra que a palavra “imprevisível” do art. 478, CC foi colocada erroneamente pelo legislador, pois ela torna difícil a aplicação do dispositivo em tempos de inflação ou deflação. Ademais, é importante ressaltar que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor em seu art. 51, IV diz que são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam, incompatível com a boa-fé ou a equidade.

 Percebido o fenômeno da lesão, faz-se latente a necessidade de restabelecimento da igualdade entre os contratantes, para tanto o legislador ressaltou esta possibilidade sem que o contrato se resolva (revisão contratual), esta se encontra disposta no art. 479, CC, e é a melhor solução para lide.

Art. 478, CC. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

  Art. 479, CC. “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.”

Art. 884, CC. “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

Art. 51, CDC. “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

  IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;”

3.3 INSTRUMENTO PARA DIMINUIR O VALOR DAS PARCELAS NO CURSO DO PROCESSO:

O instrumento adequado para reduzir o valor das parcelas durante o curso do processo é a tutela antecipada, que está disposta no art. 273, CPC e é baseada nos princípios fumus boni iuris e periculum in mora. Ademais esse instrumento é respaldado pelo dispositivo constitucional art. 5º, XXXV.

Os requisitos para que seja postulado e concedido esse instrumento a A.B.A. estão descritos nas disposições do art. 273, I, II, CPC, e são eles: 1) A existência de prova inequívoca, capaz de formar um juízo de verossimilhança; 2) Haver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu; 3) Não pode haver perigo de irreversibilidade do procedimento antecipado.

Com relação aos momentos em que pode ser concedida a tutela antecipada, anota o jurista Humberto Theodoro Junior:

O que realmente quis o art. 273 do CPC foi deixar a matéria sob um regime procedimental mais livre e flexível, de sorte que não há um momento certo e preclusivo para postulação e deferimento da antecipação da tutela. Poderá tal ocorrer no despacho da inicial, mas poderá também se dar ulteriormente, conforme o desenvolvimento da marcha processual e a superveniência de condições que justifiquem a providência antecipatória [..] Mesmo após a sentença e na pendência do recurso será cabível a antecipação de tutela, caso em que medida será endereçada ao tribunal, cabendo ao relator deferi-la, se presentes os pressupostos [..] Da mesma forma, se o juiz de primeiro grau a indeferir, a parte poderá manejar o agravo de instrumento e, de plano, terá condições de obter liminar junto ao relator, se puder demonstrar a urgência de medida e a configuração de todos os seus pressupostos legais.

Destarte, é possível que em qualquer momento do processo possa ser concedida a tutela antecipada, desde que preenchido os requisitos estabelecidos pelo Código de Processo Civil.

Art. 5º, CF “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

Art. 273, CPC “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

 I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”

3.4 ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA:

A assistência judiciária gratuita é um benefício garantido pelo Estado para os que não tiverem recursos para custear gastos processuais e honorários advocatícios. Para que A.B.A. consiga a prestação desse benefício é requisito que ele apresente de forma escrita em sua petição inicial (no início do processo) ou petição (no curso do processo, no qual a petição será apensada aos autos da causa principal) a afirmação que não tem condições de pagar as custas do processo e os honorários  de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família, conforme o disposto nos arts. 4º e 6º, Lei 1.060/50. A afirmação de A.B.A. é pautada na presunção juris tantum (presunção relativa), ou seja, até que se prove o contrário A.B.A. é hipossuficiente.

Para que a financeira JURUSAUTOS S/A. possa impedir a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita solicitado por A.B.A. é necessário que ela através da impugnação à gratuidade da Justiça, conforme o disposto no art.7º, Lei 1.060/50, argumente fundamentadamente através de provas cabais capazes de comprovar que A.B.A. não é hipossuficiente. Ademais, pode baseado no art. 5º, LXXIV, CF alegar que a onerosidade excessiva contratual não constitui condição necessária para que A.B.A. seja beneficiário da justiça gratuita, pois não comprova a insuficiência de recursos.

 

Art. 4º, Lei 1.060/50. “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.”

Art. 6º, Lei 1.060/50. “O pedido, quando formulado no curso da ação, não a suspenderá, podendo o juiz, em face das provas, conceder ou denegar de plano o benefício de assistência. A petição, neste caso, será autuada em separado, apensando-se os respectivos autos aos da causa principal, depois de resolvido o incidente.”

Art. 7º, Lei 1.060/50. “A parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão.”

Art. 5º, CF. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”

4)                    DESCRIÇÃO DOS VALORES E CRITÉRIOS DAS DECISÕES:

4.1 COBRANÇA EM JUÍZO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:

Esta decisão está contida de valores puramente dogmáticos e que representam uma solução para lide de forma puramente normativista baseada estritamente no texto da lei.  

4.2 REVISÃO CONTRATUAL:

Esta resolutiva da lide apresenta valores em parte legalista, mas sua principal fonte baseia-se em uma visão para além do texto da lei, a qual objetiva principalmente a efetivação da justiça no caso concreto e não apenas aplicação da letra da lei.

4.3 INSTRUMENTO PARA DIMINUIR O VALOR DAS PARCELAS NO CURSO DO PROCESSO:

A tutela antecipada enquanto meio para diminuir o valor das parcelas durante o curso do processo, é baseada no princípio da inafastabilidade do controle judiciário e apresenta valores de uma tutela jurisdicional eficaz e efetiva frente a morosidade em que se encontra o judiciário.

4.4 ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA:

A assistência judiciária gratuita apresenta princípios e valores que buscam concretizar a cidadania e o acesso ao judiciário aos hipossuficientes. Essa também tem como princípio, a presunção relativa (juris tantum) de veracidade das alegações feitas pelo hipossuficiente.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Decreto-lei nº 911, de 1º de Outubro de 1969. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0911.htm > Acesso em: 24 ago 2010.

BRASIL. Código de processo Civil. Vade Mecum Saraiva. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Onerosidade Excessiva e Teoria da Imprevisão (No Código Civil de 2002). Disponível em: < http://www.jbdata.com.br/mat-villaca1.htm > Acesso em: 25 ago 2010.

MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 15. Ed. Forense

BRASIL. Código Civil. Vade Mecum Saraiva. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Vade Mecum Saraiva. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

BRASIL. Constituição Federal. Vade Mecum Saraiva. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; DE ALMEIDA, Flávio Renato Correia; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil V.1. 8. Ed. Revista dos Tribunais, 2006.

BRASIL. Lei nº 1.060, de 5 de Fevereiro de 1950. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L1060.htm > Acesso em: 26 ago 2010.