CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER: Responsabilidade Administrativa pelo atraso na entrega da obra Marine Mota de Melo e Felipe do Vale Nunes RESUMO O presente artigo tem por escopo apresentar uma breve analise sobre a natureza jurídica do Contrato de Locação em Shopping Centers. E discutir os efeitos do contrato realizado entre o empreendedor e o lojista quando há o atraso na entrega da obra trazendo algumas resoluções encontradas pelo Ordenamento Jurídico brasileiro e pelo Poder Judiciário. Palavras-chave: Contrato de Locação; Shopping Center; Atraso na entrega; Res Sperata; Responsabilidade. 1 INTRODUÇÃO O Shopping Center chegou ao Brasil em 1966, com a inauguração do Shopping Iguatemi na cidade de São Paulo. Contudo esse empreendimento já existia desde a década de 50, nos Estados Unidos. Esse novo empreendimento fez com surgisse uma nova relação contratual no nosso país, trazendo algumas particularidades aos seus sujeitos. Rodrigo Barcelos (2009) diferencia o Shopping Center com as galerias de lojas. A galeria de lojas se diferencia por ser explorada pela própria sociedade empresária que proprietária do estabelecimento, havendo uma concentração no exercício da atividade. O autor considera “que o que diferencia o shopping dos demais centros comerciais é, com exposto, a fórmula de integração empresarial adotada, é de grande utilidade para a qualificação da operação econômica global denominada shopping center a teoria da empresa [...]”. Essa teoria é escolhida em virtude do empreendedor e do lojista se constituírem como empresários. O empreendedor antes de firmar o contrato com lojista deve elaborar Normais Gerais, Regulamento Interno e o Estatuto da Associação de Lojista. No momento que o lojista deseja ingressar no empreendimento será realizado o Contrato de Locação. Nesse contrato encontraremos algumas cláusulas atípicas dos demais contratos de locação. A res sperata, é outro contrato comumente firmado que visa ao lojista o pagamento de determinada quantia, como forma de garantir sua loja integrada no empreendimento. Há uma grande divergência doutrinária quanto essa prestação poder ser restituída em caso em que o empreendedor não cumpra a sua obrigação de entregar o estabelecimento no prazo previsto, ou caso não venha a entregar. (BARCELOS, 2009). Destarte, iremos abortar nesse trabalho científico as principais noções que o contrato de locação em Shopping Center apresenta, como os efeitos do contrato em caso de atraso na entrega do estabelecimento, abordando a possibilidade ou não de restituição da res sperata nesse caso. 2 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER O contrato de locação de Shopping Center é regido pela Lei nº 8.245/91, a Lei de Inquilinato. Esse tratado é considerado precário, havendo assim maior abertura das partes concordarem as suas próprias regras. Contudo essa liberdade deve seguir algumas regras para sua validade, sendo elas dos seguintes contratos: Contrato de Locação, Escritura Declaratória de Normas Gerais, Regimento Interno do Shopping e da Associação de Lojistas. O primeiro contrato realizado pelas partes é da Locação e outros pactos, nele é regido o uso do estabelecimento mediante remuneração, devendo conter o valor do aluguel, a contribuição obrigatória do lojista com o Shopping, autorização do empreendedor em caso de sublocação e etc. A Escritura Declaratória de Normas Gerais tem como objeto a elaboração de normas entre as partes no que tange o funcionamento todo o empreendimento. O Regimento Interno tem como normas a respeito do funcionamento do Shopping, sendo sua elaboração facultativa, pois a maioria dos Shopping Center possui essas regras na Escritura Declaratória de Normas Gerais. A inscrição na Associação de Lojistas é compulsória, sendo obrigado a todo lojista para que possa realizar atividade empresarial naquele empreendimento e ao empreendedor. Neste último, caberá aos lojistas também a atividade de marketing e ao empreendedor figurar diretrizes para o desenvolvimento do empreendimento. ( CARVALHO, 2008). Tem-se como característica desse tipo contratual: a bilateralidade, tendo o empreendedor e o lojista obrigações; oneroso, caráter econômico na relação; comutativo, sendo a realização do pagamento de forma prestacional; consensual, não necessitando haver a entrega do estabelecimento para que o contrato se torne perfeito; não solene, por ser feito seguindo a forma interna do empreendimento; e por fim, é intuito personae, pois o lojista (sendo empresário ou sociedade empresaria) não pode transferir a atividade empresarial para outrem ou modifica-la sem autorização da outra parte, o empreendedor. O contrato de Shopping Center assim como os demais tipos de contrato tem como característica o acordo de vontade das partes, contendo assim, um caráter subjetivo na finalidade do contrato. Tendo o lojista e o empreendedor como objetivo uma atividade comum. O objeto dessa relação contratual é a loja, o estabelecimento cedido pelo empreendedor para exploração do lojista, de forma que “os lojistas têm uma relação horizontal com cada um dos demais e uma relação vertical com o empreendedor”. (BARCELOS, 2009, p. 115). Rodrigo Barcelos (2009) considera o contrato de Shopping Center como estudo interempresarial, considerando que tanto o empreendedor como o lojista empresários, que se vinculam em uma atividade empresarial. Comparando o contrato de Shopping Center com os demais contratos de locação e prestação de serviços, percebemos que o empreendedor além de ceder o local para uso e prestar serviço, tem atribuições patrimoniais, ou seja, o empreendedor concede seu estabelecimento para outros empresários explorarem, realizando produção de riqueza, que reverter-se em aumento no faturamento do lojista, e consequentemente ao empreendedor, com o aumento de sua remuneração. O Shopping Center pode ser dividido de duas formas: a administração empresaria e a de condomínio. A primeira consiste na administração realizada por investidores quotistas, que administram, realizam marketing, e alugam lojas para que a segunda atividade seja realizada que a venda em varejo ou atacado. O faturamento tem-se pelo percentual em cima do faturamento mensal da loja, respeitando o valor mínimo. Nesse quesito, as lojas âncoras se beneficiam por ter um percentual mais baixo que as demais lojas. A segunda forma de administração os “proprietários alugam ou desenvolvem seus próprios negócios e exercem a administração sob a forma de condomínio, mantendo as mesmas características físicas e ambientais que tipificam os Shopping Centers”. (MOACYR, 1997). A competência dos sujeitos dessa relação é bem definida. Ao empreendedor ficará sujeito a todas atividades administrativas, como manutenção de equipamentos e campanhas publicitárias. Ainda caberá ao empreendedor formação de diretrizes que visam aumentar a competição entre os lojistas, desenvolvendo a produção do empreendimento. Na fase inicial, o empreendedor irá escolher o local de instalação do empreendimento, fazendo um estudo da viabilidade da instalação no local, assim como elaborando um tenant mix, que nada mais é que o planejamento da distribuição das lojas, escolhendo os ramos que terá maior procura naquela região. Ao empreendedor responsabilizará a elaboração de documentos, como o Regimento Interno, Normas Gerais, Contrato de Locação e Estatuto da Associação de Lojistas. Ao lojista será responsabilizado pelo pagamento do aluguel e submissão das normas definidas no contrato, trabalhando de forma harmônica com todo o empreendimento, assim como seguir diretrizes de desenvolvimento realizadas pelo proprietário e pagar taxas para despesas coletivas que visam manutenção, segurança, ar condicionado, empregados e etc. (CARVALHO, 2008, p. 41-45). Outra figura que poderá aparecer nessa relação contratual é a administradora. A ela ficará as responsabilidade administrativas, como atividades que almejam a conservação e manutenção do empreendimento, podendo cobrar alugueis, fiscalizar as lojas e etc. A administradora representará o empreendedor na realização dessas atividades por meio de uma procuração. (AWAD, 2010, p. 677). O aluguel consiste em uma responsabilidade do lojista. No contrato, o empreendedor e o lojista fixaram: o aluguel percentual, que é aquele percentual estabelecido em cima do faturamento bruto mensal da loja; e o aluguel mínimo, que nada mais é que o valor mínimo que o lojista deve pagar, ou seja, caso o percentual em cima do faturamento venha a ser menor que o valor mínimo, deverá o lojista remunerar o empreendedor pelo aluguel mínimo. Essa remuneração deve levar em conta o ramo de atuação daquele setor, assim como respeitar o Princípio do Equilíbrio Econômico no estabelecimento do valor mínimo e no percentual, de forma que não venha ter uma onerosidade excessiva no contrato. (BARCELOS, 2009, p. 120-122). Quanto ao prazo do contrato, temos costumeiramente de longo prazo, sendo de 5 (cinco) anos em geral. Depois de ultrapassado o prazo de contrato, o lojista terá direito à Ação Renovatória, com base na Lei de Locação. A Ação Renovatória nada mais é que um meio judicial que pretende dar continuidade à relação contratual. (BARCELOS, 2009, p.118). 3 EFEITOS DO CONTRATO QUANTO AO PRAZO DE ENTREGA A maioria dos contratos de Shopping Centers são firmados com os lojistas ainda na fase de construção. E para garantir a reserva de seu espaço para participar do empreendimento, o lojista paga um montante ao empreendedor, garantia essa chamada pela doutrina de “luvas”, mas a lei baniu o termo, e hoje é revestida sob o título de res sperata. E, além da garantia, o pagamento da res sperata retribui os estudos técnicos realizados pelo empreendedor, que envolve pesquisa de mercado, projetos, entre outras atividades que são realizadas na fase pré-operacional. “Representa a ‘res sperata’ nos contratos preliminares de shopping uma promessa de entregar não somente o espaço comercial definido, mas aquela estrutura que foi planejada” (AWAD, 2010, p. 688). A res sperata em outras palavras, trata de uma remuneração atual ou futura que representa uma parcela do pagamento do uso futuro de imóvel, servindo para a fase de implantação, e enquanto existir o Shopping Center. Consiste num “elemento compositor da relação contratual, desde o momento de sua reserva, quando ainda em construção, até o momento em que o Shopping Center desapareça ou a loja se desligue, deixando de manter estabelecimentos no complexo criado” (MARTINS, 2000). O pagamento da res sperata “gera um contrato independente, diferente do contrato de locação realizado posteriormente pelo empreendedor e lojista, pois trata-se de contrato aleatório, tendo como objeto coisa futura, portanto, presente está o risco do negócio, assumido pelo adquirente” (PEREIRA, 2008). Dessa forma, o contrato possui características de um negócio jurídico contratual, não podendo ser confundido com o contrato que vigorará após a conclusão da obra. A primeira e mais importante responsabilidade do empreendedor é a entrega do Shopping no prazo assumido “com a estrutura física prometida (...) sendo obrigação inicial do empreendedor o funcionamento da empresa de conjunto por ele projetada e prometida aos lojistas” (BARCELOS, 2009, p. 136). Por se tratar de coisa futura, o artigo 458 do CC-02, dispõe que o alienante terá direito de receber integralmente o que lhe foi prometido se a coisa não vier a existir, sem culpa dele. Quando o lojista paga a res sperata ao empreendedor, a título de direito de reserva da localização, espera uma contraprestação, qual seja, a sua localização no shopping e a promoção realizada pelo empreendedor que deverá entregar o no prazo acertado (PEREIRA, 2008). Ao tratar do tema, no âmbito do julgamento do Recurso Especial nº 152.497/SP, onde um lojista ajuizou uma ação em face do empreendedor, porque o mesmo adiou a data de inauguração do Shopping três vezes, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar assim se manifestou: “O futuro lojista presta recursos, e a contraprestação do empreendedor é a entrega do local, nas condições convencionadas. Se a contraprestação não se dá no modo contratado, há o inadimplemento, total ou parcial. (...) Portanto, se o empreendedor não cumpre com a promessa não há como deixar de considerar a regra do art. 1092 do CC, que trata do inadimplemento, quer para determinar o rompimento de toda a relação, quer apenas para afastar cláusulas ou obrigações diretamente atingidas com a falta da prestação convencionada. O uso da exceptio non adimpleti contractus ou da non rite adimpleti contractus era perfeitamente cabível.” A própria Lei nº 8.245/91, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos, reconhece em seu art. 54, caput: "Nas relações entre lojistas e empreendedores de Shopping Center, prevalecerão às condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”. O descumprimento de tais obrigações gerais, bem como daquelas assumidas em cada contrato particular, dá causa à resolução do contrato por inadimplemento do empreendedor (art. 457 do Código Civil), com a restituição dos valores pagos pelo lojista e a indenização por perdas e danos. (BARCELOS, 2009, p. 136). Como o relatado pelo Desembargador Fernando Wolff Bodziak, “os valores pagos adiantadamente a título de "res sperata", em construção de shopping centers, devem ser restituídos em caso de resolução contratual operada em razão de descumprimento causado pela empreendedora do estabelecimento.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº. 354.391-3). CONSIDERAÇÕES FINAIS Este empreendimento, o shopping Center, é muito questionado pela ausência de legislação específica que o regulamente. Prevalecendo o acordo entre as partes, mas sempre nos limites da lei. Quando um empresário resolve fazer parte de um estabelecimento de outro empresário, direitos e deveres são formados quando o Shopping Center ainda se encontra na fase pré-operacional. Nesta fase tendo como objeto ainda coisa futura, antes mesmo de gerar um contrato de locação, o empresário lojista paga a res sperata com o objetivo de reservar seu espaço no empreendimento, possuindo já características de negócio jurídico contratual. O lojista ao pagar a res sperata espera do empreendedor como contraprestação a entrega do empreendimento na data fixada no contrato. Havendo inadimplemento por parte do empreendedor dá causa à resolução do contrato com a restituição dos valores pagos pelo lojista e indenização por perdas e danos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVVAD, Pedro Elias. Direito Imobiliário. São Paulo: Renovar, 2010. BARCELOS, Rodrigo. O contrato de Shopping Center. São Paulo: Atlas, 2009. BRASIL. 11ª Câmara Cível de Ponta Grossa. Apelação Cível nº 354.391-3 – Paraná, Relator Fernando Wolff Bodziak, publicado no Diário de Justiça em 25.04.2007. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2012. BRASIL. Superior Tribunal Federal (Quarta Turma). Recurso Extraordinário nº 152.497 – São Paulo, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, publicado no Diário de Justiça em 30.09.2002. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STJ/IT/RESP_152497_SP_15.08.2002.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2012. CARVALHO, Samantha Barros. Shopping Center: O Contrato de Locação firmado entre o Empreendedor e Lojista. Monografia (Graduação em Direito) Curso de Direito, UNDB. 115f. São Luís: 2008. MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Natureza Jurídica das Locações Comerciais dos “Shoppings Centers”. Brasil: Boletim Jurídico, 14 set. 2001. Disponível em: . Acesso em: 11 mai 2012. MOACYR, Gustavo Bueno. Shopping Center: Atualidade Brasileira da Tendência Mundial. 1997. Disponível em: . Acesso em: 11 mai. 2012. PEREIRA, Guilherme Aquino Reusing. Aspectos Jurídicos entre o Empreendedor e o Lojista de Shopping Center. 2008. 96f. Monografia – Universidade Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.