RESUMO: Em decorrência das atividades desenvolvidas pelos advogados serem reguladas pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem doa Advogados do Brasil - OAB, não merece guarida o entendimento de ser aplicado às relações entre os causídicos e seus clientes o Código de Defesa do Consumidor - CDC. Essa também é a inteligência expressa por nossas Cortes. Conquanto vertentes contrárias tentem aflorar, devido a prestação de serviço em comento ser regida por norma especial afasta a aplicação de outra com caráter geral, além do que, não pode ser sopesada como fornecida no mercado de consumo. PALAVRAS-CHAVE: Contratação de serviços advocatícios. Estatuto da Advocacia e da OAB. Código de Ética e Disciplina da OAB. 1. Introdução Em 04 de julho de 1994 foi sancionada a Lei nº 8.906 . Dispondo sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, dita lei rege a atividade dos profissionais atuantes na advocacia. Tem-se igualmente o Código de Ética e Disciplina da OAB como norteador da conduta do advogado. Desse modo, a utilização do Código de Defesa do Consumidor como parâmetro normativo a disciplinar as avenças financeiras e de contraprestação entre os advogados e seus clientes se revela franca ofensa ao princípio de que prevalece a lei especial em detrimento da geral quando não exista a revogação de quaisquer delas. Mesmo plenamente suficiente a asseveração retro para extirpar pretensões sobre a possibilidade de interpretação do relacionamento cliente/causídico com fulcro na legislação consumerista, não pode ser relegada ao esquecimento a questão de não ser de consumo tal relacionamento. Somando as duas razões a matéria aqui tratada ganha incontestável embasamento. 2. Relação de consumo Para que seja configurada uma relação de consumo por óbvio, basicamente são necessárias as figuras de um fornecedor e o consumidor. Nesse certame tem-se o apregoado na Lei 8.078/90 que assim conceitua: (…) Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, LEI 8.078/90, art. 2º a 3º). O texto legal transcrito é praticamente autoexplicativo, porém, para que seja realizada uma análise mais acurada cuja conclusão tenha um liame com o tema proposto, o foco deve ser voltado ao parágrafo 2º, especificamente ao art. 3º, realçando a expressão “atividade fornecida no mercado de consumo”. O trabalho advocatício não pode ser conceituado como “serviço” nos padrões definidos pela Lei 8.078/90, vez que, não é fornecido no mercado de consumo. Ante as vedações e comprometimentos infligidos aos advogados pelo Estatuto da Advocacia e da OAB e ratificados pelo Código de Ética e Disciplina, tem-se patente incompatibilidade do exercício profissional do causídico com qualquer atividade de consumo. Nesse diapasão e meramente com intenção exemplificativa, a leitura do art. 31 e do rol das infrações disciplinares constante no art. 34, ambos referentes ao mencionado estatuto, evidenciam que aquele deve ocorrer de forma independente, sem locupletamento, distante da intervenção de terceiros ou de agenciador de causas e menos ainda havendo captação de clientes ou demandas. Tais orientações ilustram que realmente a contratação firmada pelo advogado com seu cliente não deve ser considerada como relação de consumo. O profissional da advocacia não é fornecedor de serviço equiparado ao conceito disposto pelo Código de Defesa do Consumidor. A proibição de mercantilização da advocacia (art. 5º Código de ética e Disciplina da OAB) é a prova maior disso. Acresce a esta menção o impedimento a angariação de clientela por qualquer meio e particularmente pela publicidade contendo condições comerciais com requintes de alicia. Valioso considerar que o exercício da advocacia é um serviço com caráter público cuja função social incorporada por essa atividade jurídica tem relevância extrema para a sociedade. Desta feita, inadmissível tratá-lo como mera prática comercial e como tal impor a regulamentação pela lei consumerista sustentando uma inexistente relação de consumo. 2. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor Segundo exposto alhures sendo a atividade da advocacia regida por normatização especial afasta a interferência do Código de Defesa do Consumidor. Somando-se a esta circunstância, o fato de a prestação de serviços pelo advogado não se enquadrar como oferta no mercado de consumo também ilide qualquer possibilidade de aplicação da lei consumerista em relação à mesma. O braço do sistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor não alcança o relacionamento oriundo da contratação dos serviços advocatícios, dado o Estatuto da Advocacia e da OAB juntamente com o Código de Ética e Disciplina da OAB já o fazerem. Assim, ratifica-se a impossibilidade da aplicação daquele para resolução de pendências envolvendo contratos de prestação de atividade advocatícia. Conquanto potenciais ou efetivos clientes leigos no assunto imaginem que o Procon seria o órgão adequado para registrarem seus descontentamentos referentes ao patrono constituído, importante frisar que, na esfera administrativa, para isso existem os Conselhos e Tribunais vinculados a OAB. Todavia, sem qualquer prejuízo à propositura da ação compatível perante o judiciário, porém, com consulta e citação da legislação adequada e não o Código de Defesa do Consumidor, registre-se. 3. Manifestação dos Tribunais É notório que reiterados julgamentos no mesmo sentido pacificam entendimentos. Concernente ao assunto em apreço infere-se das transcrições abaixo que a tese aqui firmada tem o amparo de nossas Cortes. EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. PRESCRIÇÃO. REGRA GERAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATADOS. RESTITUIÇÃO NÃO DEVIDA. DANO MORAL. QUANTIFICAÇÃO. As normas do Código de Defesa não são aplicáveis na relação entre advogados e seus clientes. Aplica-se a regra geral de dez anos prevista no caput do art. 205 do Código Civil para o ajuizamento da ação indenizatória baseada na prestação defeituosa de serviços advocatícios. A quantificação do dano moral deve se dar com prudente arbítrio, para que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, tampouco atribuição em valor irrisório. Não há como condenar a parte a suportar os gastos com a contratação de advogado particular pela parte contrária. (Apelação Cível 1.0112.11.004622-7/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/02/2014, publicação da súmula em 10/02/2014). EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos contratos de prestação de serviços advocatícios, pois a prestação destes serviços está sob a égide de legislação própria, qual seja, o Estatuto da OAB (Lei n° 8 906/94) - precedentes do C. STJ - cláusula de eleição de foro entabulada livremente entre as partes validade matéria passível de convenção entre as partes inteligência do art. 111 do CPC reforma da r. decisão agravada. Agravo de Instrumento – nº 0058662-06.2013.8.26.0000. RECURSO DO EXCIPIENTE PROVIDO. Relator: Berenice Marcondes César. Comarca Jacupiranga. Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 28/05/2013. Outros números: 586620620138260000. Os julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ - já pacificaram a inaplicabilidade da lei consumerista as demandas envolvendo a contratação e consequente cumprimento do contrato pelos advogados. As decisões a seguir são reveladoras e corroboram com o expendido. ADVOGADO: NÃO APLICA O CDC - "PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO PROPOSTA POR DETENTOR DE TÍTULO EXECUTIVO. ADMISSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O detentor de título executivo extrajudicial tem interesse para cobrá-lo pela via ordinária, o que enseja até situação menos gravosa para o devedor, pois dispensada a penhora, além de sua defesa poder ser exercida com maior amplitude. Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n° 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/ § 1° e 34/III e IV, da Lei n° 8.906/94) - evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Recurso não conhecido." (REsp 532377/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 21.08.2003, DJ 13.10.2003 p. 373) PROCESSUAL - AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - NÃO APLICAÇÃO - CLÁUSULA ABUSIVA - PACTA SUNT SERVANDA. - Não incide o CDC nos contratos de prestação de serviços advocatícios. 6 Portanto, não se pode considerar, simplesmente, abusiva a cláusula contratual que prevê honorários advocatícios em percentual superior ao usual. Prevalece a regra do pacta sunt servanda. (REsp 757.867/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 21.09.2006, DJ 09.10.2006 p. 291) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. FORO DE ELEIÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA. EFEITO SUSPENSIVO. DECISÃO DEFINITIVA DO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1 - As relações contratuais entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94, a elas não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. (REsp. 539077/MS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 26/04/2005, DJ 30/05/2005 p. 383; REsp 914105/GO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 22/09/2008). 2 - O Superior Tribunal de Justiça entende que a exceção de competência suspende o curso do processo até a decisão definitiva na origem, subsistindo, somente, o efeito devolutivo ao recurso especial. 3 - Recurso Especial não conhecido. (REsp 1134889/PE, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 08/04/2010) Civil e consumidor. Recurso especial. Ação reparatória. Contrato de prestação de serviços advocatícios. Inexecução contratual. Prazo prescricional. A ação para reparação de danos relativos à inexecução de contrato de prestação de serviços advocatícios se sujeita ao prazo prescricional previsto no art. 177 do CC16 (art. 205 do CC02), e não aquele previsto no art. 27 do CDC. Recurso especial não conhecido. (REsp 633.174/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/12/2004, DJ 21/03/2005, p. 375). O próprio Tribunal de Ética e Disciplina da OAB já manifestou: INSATISFAÇÃO DE CONVENIADO DEDUZIDA PERANTE ÓRGÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – POSIÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL EM FAVOR DA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO NOS SERVIÇOS PRESTADOS POR ADVOGADOS – INCOMPETÊNCIA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – DIRIMÊNCIA PELO PODER JUDICIÁRIO AO ARBÍTRIO DO INTERESSADO. A pretensão do conveniado, que apresentou queixa perante o órgão de defesa do consumidor de Cruz Alta/RS, pode ser dirimida no Judiciário, a seu critério e com os riscos da demanda. À OAB, pelos órgãos competentes, cabe tão só apurar infrações éticas e estatutárias, pelo que se recomenda a remessa às Turmas Disciplinares para instauração do competente procedimento disciplinar, asseguradas ao advogado e à sociedade de advogados as garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Precedentes: processos nºs E-1.787/98, E-2.151/00 e E-2.415/01. Demais providências a serem tomadas como consta do voto. 467ª Sessão de 17 de junho de 2004 - Ementa nº 2 - Proc. E-2.962/04 - v.u., em 17/06/2004, do parecer e ementa do Rel. Dr. BENEDITO ÉDISON TRAMA – Revs. Drs. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF, FÁBIO KALIL VILELA LEITE e LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVÓLIO – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE. In: http://www2.oabsp.org.br/asp/tribunal_etica/pop_ementasano.asp?ano=2004. Importante esclarecer que, conquanto exortações contrárias ao exposto possam surgir, no mundo jurídico são a leis e posicionamentos dos Tribunais que ditam as regras. Partindo dessa premissa, inconcebível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em face ao relacionamento contratual existente entre clientes e advogados. 4. Considerações Finais Enfim, é importante ressaltar que independente de configurar ou não uma relação consumerista aquela estabelecida entre clientes e advogados, é dever destes últimos atuar com respeito e dedicação fazendo de seu mister um típico representante da ética profissional. Entretanto, não é adequado desvirtuar conceitos em busca de direitos, ou seja, ante as linhas traçadas neste estudo verifica-se que não existe relação de consumo entre advogado e cliente. Não se pode ignorar o Estatuto da Advocacia e da OAB conjuntamente com o Código de Ética e Disciplina no momento de resolver pendências atinentes a contratação, pois a interferência do Código de Defesa do Consumidor se restringe justamente as situações de relação de consumo. A incompatibilidade das normatizações aqui citadas é de fácil compreensão. Portanto, há que ser entendido que o Procon não é uma extensão do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB ou do Conselho Federal e que demandas com o fim de interpretação ou execução de contratos de serviços advocatícios, devem ser apresentadas ao judiciário com a fundamentação calçada em disposições pertinentes ao caso não cabendo o amparo na lei consumerista.