CONTRABANDO E DESCAMINHO: Aplicação do princípio da insignificância a luz do STJ e STF[1]

MICHAEL OTSUKA SOUSA DA SILVA[2]

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO 2 BREVE DISSECAÇÃO SOBRE O CONCEITO DE CRIME 3. CRIME DE CONTRABANDO e CRIME DE DESCAMINHO 4 PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 4.1 ENTENDIMENTO DO STJ 4.2 ENTENDIMENTO DO STF 5 CONCLUSÃO

RESUMO

O presente artigo traz em seu bojo pinceladas doutrinárias sobre os crimes de contrabando e descaminho sob a égide do conceito analítico que se emprega ao crime. Ademais remonta o entendimento jurisprudencial (STJ e STF) do princípio da insignificância a fim de estabelecer um crivo consistente que sinalize pelo (in)afastamento da tipicidade quando verificado no caso concreto a superveniência da insignificância ao fato pretensamente criminoso.

Palavras-chave: Contrabando. Descaminho. Princípio da Insignificância (STF e STJ)

1 INTRODUÇÃO

            Assistindo aos noticiários televisivos, lendo jornais e revistas, seja impressos ou veiculados na internet, verificamos inúmeros casos de pessoas que são detidas e acabam sofrendo o jugo da penalização pela prática dos tipos elencados no CP brasileiro cuja titulação recebem de contrabando e descaminho.

            Grande parte das matérias veiculadas mostra pessoas que parecem, aprioristicamente, bastante simples e que apenas recorrem a determinadas condutas pela imposição das condições sociais e econômicas em que se encontram, como é o caso corriqueiro de desempregados que, por seu turno, acabam tornando-se atravessadores de mercadorias pelas fronteiras do país, tudo isso sob um olhar nitidamente altruísta.

            Obvio que a primeira reação de quem quer que esteja praticado uma conduta notoriamente ilícita é dizer-se inocente e fazer caras e bocas de vítima, parece ser esta uma reação normal e intuitiva, o que não poderia ser diferente, conquanto sabe-se, no geral, que as conseqüências de uma detenção (prisão) pelo poder público acaba ressoando como uma imagem negativa aos olhos da sociedade o que acarreta prejuízos sociais inestimáveis, chamados num todo de marginalização.

            Pois bem, o operador do direito não deve ater-se a tão poucas informações, seja as veiculadas pela mídia, seja aquelas decorrentes dos trejeitos do individuo detido, para aplicar a lei e fazer subsistir o direito pertinente ao caso. Assim é que o trabalho desenvolvido neste espaço tem por objetivo tornar claro aos leitores quais são as condutas que o CP tenta evitar, e em última instância punir, ao determinar o contrabando e descaminho no seu corpo.

            No mais, destacamos a superveniência do princípio da insignificância como pedra de toque a mão do operador do direito, cujo sentido persiste em afastar ou não afastar a tipicidade do fato, ou seja, em desvendar a substancia do tipo no caso que porventura se apresente ao jurista. E esta insignificância que emerge no trabalho tem por referência a jurisprudência pátria. Deste modo, são emergidos os entendimentos dos tribunais superiores do país, portanto identificamos a utilização jurisprudencial do princípio trazendo à tona os elementos caracterizadores do princípio que devem ser levados em conta quando carecer a causa da convocação do princípio para melhor iluminar o caso posto.

O procedimento de execução do presente artigo dar-se-á de maneira bem simples, através da leitura de doutrina e literatura jurídica sobre os crimes e princípio apontados, descrevendo entendimentos e fazendo comparação à questão da utilização do princípio da insignificância no caso dos crimes em tela.

2 BREVE DISSECAÇÃO SOBRE O CONCEITO DE CRIME

            Desde os tempos mais remotos o ser humano tem o anseio pela justiça. Quando a sociedade era a mais rústica possível e os homens eram movidos por desejos e intuições, muito maiores que o senso da razão, já se percebia uma tendência à justiça, obviamente que o sentido impregnado a esta peculiaridade humana veio saltando de nível com o correr dos tempos.

Num primeiro momento, o que se percebia era a justiça com as próprias mãos (instinto de sobrevivência, lei da selva); logo após adveio a justiça divina, cujas reprimendas pautavam-se em pretensas iras dos deuses; em seguida, quando já houve uma maior organização social, surgiu a justiça pública e as punições a título de exemplo ou correções aos desvios reprováveis pela coletividade (ainda sobejava uma influência religiosa muito forte – na figura do soberano); com a queda do modelo político feudal-absolutista e aparecimento da crítica racional com o destaque para aparição dos direitos do homem, as severas punições cederam espaço para punições mais racionais que respeitassem condições mínimas de dignidade (sobremodo por patrocínio do Marquês de Beccaria); daí, dando seguimento, originou-se a ideia de um direito penal com finalidade de defesa social, onde não mais fosse o foco a punição e sim a prevenção; por fim, atribuiu-se um caráter mais científico-positivista para o direito penal no qual o rigor cientifico e o crime como objeto de análise despontaram inseridos num contexto social bastante complexo, portanto as condutas deveriam sofrer um crivo mais  especializado a fim de fomentar um direito mais condizente com a realidade[3].

O crime, como lei previamente estabelecida que comportasse condutas não aceitas, sobreveio a partir da era das luzes, principalmente pelo manifesto até mesmo iracundo do Marquês de Beccaria. Toda conduta comportada pelo tipo penal (lei) era passível de punição, todavia este conceito raso tornou-se insuficiente diante da crítica social, pois continuou se voltando para um plano muito formal que não levava em conta a reprovação social; daí desenrolou-se por Claus Roxin uma teoria mais substanciosa sobre o crime, onde a mera subsunção da conduta à lei deixou de representar o conceito de crime, portanto devendo haver para além disso uma verificação da relevância social da conduta e sua lesão ao bem jurídico imprescindível para a convivência; com o movimento científico então superpôs-se aos citados conceitos de crime (formal e material) uma modalidade analítica donde ao operador do direito criminal fosse preciso quebrar o conceito de crime em três pedaços (cf. teoria tripartite do conceito analítico) para verificar se de fato a conduta praticada corresponde a crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade – em miúdos, além da existência de reprovação social representada pelo instituto da lei e o abalo a bens jurídicos corolários da boa e harmoniosa convivência, a proibição da conduta por todo o ordenamento (sem a presença das excludentes de antijuridicidade) e, por fim, a intenção de cometer uma conduta criminosa suscitada pela culpabilidade (potencial consciência da ilicitude, dolosa ou culposamente). Na falta de qualquer destes pilares, componentes estruturais do conceito de crime, há um desabamento do sentido de punir[4].

Passemos assim à aná-lise dos crimes de contrabando e descaminho.

3 CRIME DE CONTRABANDO E CRIME DE DESCAMINHO 

            No Brasil existe uma miríade de crimes previamente suscitados em lei (assim como contravenções), mas a coluna cervical do sistema penal no país é, sem dúvida, o Código Penal – CP -, até porque as informações teóricas que abrem alas para a compreensão desse mundo especial dentro do ordenamento jurídico se encontram estampadas ali. Além destas informações propedêuticas exaradas naquilo que se denomina didaticamente de “parte geral” existe uma exposição minuciosa de condutas criminosas que se voltam a proteger bens juridicamente relevantes para a mantença da ordem social, tais como: crimes contra o patrimônio, contra a vida, contra administração da justiça, contra a administração pública, contra a incolumidade física etc. Enfim, algumas condutas que são perniciosas para o convívio em sociedade também constituem o compêndio legal, tronco do sistema penal – designada “parte especial”.

            Os crimes, substratos para a realização deste trabalho acadêmico, estão preceituados no art. 334 do CP- cujo teor é o seguinte:

Contrabando ou Descaminho

         Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

            A priori, é preciso mencionar que aqui o bem jurídico tutelado é a administração pública, não à toa está o crime inserido no “TÍTULO XI - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, Capítulo II Dos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração Pública”. Assim, diferentemente do Capítulo I cujos crimes são praticados contra a administração por funcionários, neste caso os crimes são praticados por indivíduos que não exerçam função pública. Há para aqueles funcionários públicos que concorram para este crime uma penalização específica que extraímos do artigo 318 do CP, como segue:

Facilitação de contrabando ou descaminho

Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):

Pois bem, dando continuidade ao artigo iremos fazer uma verificação analítica dos crimes em comento, levando em conta as lições do Código Penal comentado do ilustre doutrinador Guilherme de Sousa Nucci.

Sobre o núcleo do tipo, ou o verbo que consiste na ação ou omissão passível de punição porque designa uma conduta não aceita pela coletividade e que prejudica o bom andamento da vida em sociedade, por meio do prejuízo causado à administração pública nós temos: com relação ao contrabando – a) importar (trazer alguma coisa de fora do território nacional para dentro de suas fronteiras, b) exportar (levar do território nacional para fora dele, alguma coisa), sendo o objeto algo proibido de fazer este trânsito; no que tange ao descaminho – têm-se o verbo iludir, ou seja, frustrar ou enganar, onde o objeto desse engano é o pagamento de imposto ou direito devido pelo fato da entrada ou saída de mercadoria (cumprindo salientar que há quem denomine de contrabando impróprio)[5].

Assim sendo, o contrabando bifurca-se didaticamente em próprio e imprópio, sendo que o primeiro consiste na simples entrada ou saída do território nacional de produto proibido e a segunda das espécies corresponde ao engano quanto ao pagamento de alguma obrigação devida para a administração pública, substituídas na letra do tipo penal por imposto ou direito.

A expressão “imposto ou direito” parece vagar por uma infinidade de possibilidades, o que esvazia, por opinião da dupla que aqui vos escreve, a fragmentariedade necessária para a realização do vetor principiológico da mínima intervenção estatal. Sobretudo, porque direito deixa espaço para muita subjetividade, por isso deve ser entendido da maneira mais estrita, fazendo um complemento à ideia de imposto, ora neste vocábulo encontramos uma objetividade mais tranquila já que há um sentido jurídico consolidado no CTN artigo 16 – “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Portanto, segundo NUCCI (p.1050, 2007) é o imposto uma prestação monetária compulsória devida ao Estado por força de lei, e este “direito” que ali se menciona são pagamentos necessários para exportação e importação, mencionando para tanto, a título exemplificativo, tarifa de armazenagem e taxa para liberação da guia de importação. Cumpre dizer, a derradeira, que o tipo penal consiste numa norma penal em branco, isto é, para que o tipo seja completo é preciso esclarecimento por outra norma (interna ou externa) de um elemento não esclarecido no texto penal.

Por mercadoria, o citado autor que empresta dados à pesquisa, entende que seja qualquer coisa móvel passível e comercialização. Por exemplo, trazer uma mera pedra encontrada na rua não se encaixa à tipicidade, mas se por acaso for uma pedra preciosa, cujo a comercialização pode perfeitamente acontecer já se amolda ao tipo, no mais os bens imóveis não podem ser objeto de entrada ou saída por consequência lógica da sua natureza, são impossíveis de serem transportados[6].

Com relação ao elemento subjetivo, ou seja o ânimo de praticar o crime por parte do agente ou a potencial consciência de cometimento da ilicitude apenas paira sobre o dolo, que é vontade livre e consciente de praticar aquela ação ou omissão ventilada pelo tipo na expressão dos verbos. É preciso, portanto, o ‘querer fazer’ comércio com aquele objeto cuja entrada seja proibida ou mesmo ludibriar a administração para não recolher o “direito” ou o imposto devido pela entrada ou saída[7].

Ademais, fazemos a classificação do crime para deixar mais transparente os elementos de operação do direito penal no que diz respeito ao trato com estes crimes: é um crime comum (qualquer pessoa pode praticá-lo, diferentemente da facilitação do artigo 318, pra rememorar); resultado formal (não carece de resultado naturalístico para se consumar nas três formas – duas próprias e uma imprópria), sendo que na modalidade imprópria pode haver uma exaurimento quando o Estado deixa de arrecadar; forma livre, porquanto não exista um meio vinculado para a prática pelo agente; comissivo no que diz respeito a importar e exportar pois requer uma ação, com relação a iludir o pagamento poderá tanto ser comissivo ou omissivo  a depender do caso concreto; unissubjetivo ora apenas uma única pessoa praticando a conduta é necessária para que o crime aconteça;   unissibissistente, se praticado apenas em apenas um ato, ou plurissubissistente, se houver a pratica de vários atos para a realização da prática delituosa, isso a ser verificado no caso concreto; e se for plurissubissistente e comissivo admitirá tentativa devido o iter crimininis que é a possibilidade de fracionar a conduta em várias etapas[8].

No mais, havendo lei específica que regulamente a exportação ou importação, como no caso da lei de drogas, em função da especialidade, critério de resolução do conflito aparente de normas, que menciona o fato de havendo lei geral esta deve ser superada por uma lei especial que também esteja em vigência. Assim por ter um objeto mais específico que é a entrada e saída de produtos tóxicos (uma mercadoria em especial), a lei de drogas deverá ser aplicada em detrimento do contrabando ou descaminho[9].

Ainda conforme § 3º do artigo 334 do CP temos um aumento de pena, donde retira do texto o seguinte: A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo. Deste modo, quem usa do espeço físico aéreo para transpor fronteira pelo espaço aéreo há de sofrer com o aumento da pena, incidindo tal causa de aumento, segundo lições de NUCCI (p.1054), apenas quando o voo tratar-se de voo clandestino, pois os vos regulares passam por zona alfandegária.

 

4 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

            A utilização das leis pelo aplicador do direito é inevitável hodiernamente, como fruto de uma evolução jurídica que prima pela segurança no que tange à aplicação de sanções sabidamente publicas e preestabelecidas em decorrência de um contrato social apto a regular a convivência pacífica em sociedade. Essa é uma tradição concorrente com o modelo jurídico brasileiro, oriunda da Europa Ocidental.

            No entanto, não é apenas a exclusiva utilização das leis que garante uma segurança jurídica, porque ao contrário do que possa parecer determinante ao convívio social, as leis - normas reguladoras, de observância e obediência geral (pelo menos em tese) – flutuam no espaço e tempo, e interagem com a complexa realidade socioeconômica, portanto, a frieza da letra legal é também determinada pelo meio, o qual oferece-a vida e torna-a calorosa e eficaz.

            Sem delongas, as leis por si só estão longe de oferecer o direito na sua completude, a estanque pureza normativa insinua um engessamento utópico das relações humanas, estas tendem a se modificar e apresentar peculiaridades não previstas e que por consequência fogem à expressão legal aqui e acolá. Desta feita, o direito é constituído de tantos outros instrumentos a serem levados em consideração pelos operadores quando da aplicação no caso concreto, como é o caso dos princípios, costumes, doutrina e jurisprudência, ou seja, as variadas fontes de direito.

            No presente artigo, cumpre salientar a fonte principio-lógica componente da aplicação jurídica, eis que os princípios são vetores de otimização do direito e servem para indicar um norte ao operador para além da lei. São os princípios os responsáveis pelas lições preliminares acerca de uma ciência, portanto correspondem a essência do direito e deles se desbordam as leis. A inobservância aos princípios esvaziam os conteúdos das leis porque essa incongruência traz malefícios para o funcionamento do sistema que se propõe a ser seguro e lógico-racional.

            O princípio da insignificância ou bagatela é imprescindível para o funcionamento do direito penal na vida prática, pois este princípio informa o aplicador sobre a tipicidade material de determinado caso. Perceba, a mera subsunção dos fatos à lei não deve ocorrer de maneira superficial devendo haver por parte do operador uma investigação mais profunda sobre as circunstancias de dado acontecimento. Esta mera subsunção de um fato à lei consiste na tipicidade formal.

            O sentido de tipicidade material que o princípio emprega é bem complexo, de bastante subjetividade segundo Rogerio Greco (p. 69, 2005) e para isso “teremos, outrossim, de lidar com o conceito de razoabilidade para podermos chegar à conclusão de que aquele bem atacado é insignificante ou não”. Ademais não é o valor pecuniário do bem em si, mas a relevância que a lesão traz para o convívio, tanto o é que não se pensa em aplicar o princípio quando haja violência e grave ameaça.

            Insta dizer que o princípio da insignificância esclarece a função do direito penal de punir apenas fatos que tenham relevante valor, não se atem a punir bagatelas, levanta-se quando há uma reprovação social considerável acerca daquela conduta.

            Sobre a aplicação do princípio no território pátrio, já existem julgados que mencionam esta fonte para afastar ou não a incidência de tipicidade material, tentaremos expor alguns entendimentos, sobretudo com relação ao STJ e STF que são os tribunais superiores do país, fazendo um apanhado específico com relação aos crimes contra administração pública contrabando e descaminho.

4.1 ENTENDIMENTO DO STJ

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. DEBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR A R$ 10.000,00. NÃO INCIDÊNCIA DO PIS E COFINS NO CÁLCULO DOS TRIBUTOS ELIDIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI N. 10.522/02. RECURSO DESPROVIDO.

1. Consoante julgados do STJ e do STF, aplicável, na prática de descaminho ou de contrabando, o princípio da insignificância quando o valor do tributo suprimido é inferior a R$ 10.000,00.

(...)

(STJ, Resp 1202274, Rel. Min. Laurita Vaz, p. 10/10/11)

Com relação ao princípio da  insignificância e sua incidência nos crimes de contrabando e descaminho o STJ vêm entendo que há aplicação do citado mandamento para ambos os casos desde que haja uma observância ao critério do valor do tributo que tenha sido deixado de arrecadar não inferior a R$ 10.000.

Há um crítica com relação a esse critério pois somente será valido quando tratar-se de descaminho, pois ali há uma possibilidade de aferir a quantia de imposto, de outra forma, no que tange ao contrabando, não se pode falar de imposto ou direito, mas tão só da entrada de mercadoria proibida o que não dá ensejo à cobrança de imposto portanto impossibilitando a aferição do valor supracitado, por sua vez, afastando a aplicação do citado princípio, porque não se pode aferir o que vem a ser bagatela na hipótese de subsunção a este crime, havendo para tanto uma insegurança da aplicação da lei penal.

O critério de valor terá sua justificação trazida mais adiante quando da exposição de julgados do STF sobre aplicação do princípio da insignificância

4.2 ENTENDIMENTO DO STF

         “EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. 3. Incidência do princípio da insignificância penal, segundo o qual para que haja a incidência da norma incriminadora não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo. Necessário que esse fato empírico se contraponha, em substância, à conduta normativamente tipificada. É preciso que o agente passivo experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não, como no caso, a supressão de um tributo cujo reduzido valor pecuniário nem sequer justifica a obrigatória cobrança judicial. 4. Entendimento diverso implicaria a desnecessária mobilização de u'a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida. 6. Jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Suprema Corte: RE 550.761, da relatoria do ministro Menezes Direito (Primeira Turma); RE 536.486, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); e HC 92.438, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa (Segunda Turma). 7. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória”. (STF HC 100177, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-03 PP-00575)

            Como se retira da leitura do julgado do Min. Carlos Ayres Britto é perceptível a aplicação do princípio da insignificância no que diz respeito à analise do crime de descaminho, ora para que se abra um processo fiscal apto a reaver tributos às fazendas é imperiosos que se valha do critério pecuniário, ou seja, aquele valor devido deve ser de no mínimo dez mil reais (R$ 10.000), para que se mova a maquina estatal a fim de recolhê-lo pela via judicial ou administrativa. Assim sendo, um valor inferior a este não ensejaria preocupação do poder público, sendo tipo por irrelevante para a seara fiscal-financeira, se assim o é para este ramo jurídico porque haveria de ser relevante penalmente, há, portanto uma lógica em não levar adiante um processo penal que se volte para tão ínfimo bem jurídico, já confirmado como tal pelo próprio Estado.

 PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009) 2. O princípio da insignificância não se aplica quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ 6/8/2010. 3. In casu, encontra-se em curso na Justiça Federal quatro processos-crime em desfavor da paciente, sendo certo que a mesma é reincidente, posto condenada em outra ação penal por fatos análogos. 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fiscal. 7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada. (STF, HC100367, Rel. Min. Luiz Fux, p. 08/09/11)

            No que tange ao crime de contrabando o entendimento do STF é no sentido de negar aplicação do princípio da insignificância, porque o bem prejudicado com o contrabando não é estritamente fiscal, portanto o critério de considerar irrelevante o bem cuja entrada persiste em não arrecadação pelo Estado de valor igual ou superior a dez mil reais (R$ 10.000) perde validade nas circunstancias em que se consubstancie o crime de contrabando, ora a entrada de mercadoria proibida não se amolda ao desinteresse do estado em arrecadar, estando sim relacionada ao interesse do Estado de proibir certas condutas que firam valores não pecuniários, portanto a lesão ao bem jurídico não deixa de acontecer porque o bem internado em território nacional consista em sonegação de tributo, mas sim, acaba por acontecer uma lesão que exponha a risco a sociedade, como no caso do julgado acima, risco à saúde por ocorrência do contrabando de cigarros.

5 CONCLUSÃO

             Ao fim da jornada de pesquisas e leituras chegamos ao fim do trabalho com alguns esclarecimentos sobre o crime de contrabando e descaminho, bem como a aplicação do princípio da insignificância nos tribunais superiores do país – STJ e STF.

            Ficou claro que apesar de os crimes de contrabando e descaminho pertencerem ao mesmo artigo na topografia do Código Penal (art. 334), tratam-se de tipos distintos, ambos dizem respeito à entrada e saída de mercadorias do território de modo sorrateiro, sendo que a primeira delas se dá porque trata-se de mercadoria proibida pelo ordenamento e a segunda porque há uma entrada de mercadoria que ainda lícita não recolhe o imposto ou valor devido pela entrada ou saída.

            Por fim, trouxemos a tona uma exposição e alguns julgados dos STJ e STF sobre aplicação do princípio da insignificância - destrinchado sucintamente -, no que concerne aos tipos penais de contrabando e descaminho, verificando-se que o STJ, segundo certo ponto de vista entende que haja aplicação do princípio da insignificância a ambos os crimes desde que o valor de prejuízo ao Estado que a entrada ou saída do bem traz seja igual ou superior a dez mil reais; ora o STF também imprime o mesmo critério para aplicação do dito princípio, mas não concebe com relação ao crime de contrabando.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

BRASIL. Código Tributário Nacional. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. V.04. São Paulo: Saraiva, 2003.

EIS, André Wagner Melgaço. O princípio da insignificância e o descaminho na jurisprudência do STJJus Navigandi, Teresina, ano 11n. 12236 nov. 2006 . <http://jus.com.br/revista/texto/9125>. Acesso em: 19 mar. 2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2005.

JESUS. Damásio Evangelista. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vs. 3 e 4. São Paulo: Saraiva, 2000.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7ª ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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RIBEIRO. Karla Daniele Moraes. Aplicação do princípio da insignificância. http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10823&revista_caderno=3 < Acesso em 19 de março de 2023, as 18:00 >

SILVA, César Dário Mariano da. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Volume I. Bauru: Editora EDIPRO, 2000.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Penal III, cujo empenho se dá para obtenção da segunda nota referente ao primeiro semestre do ano de 2013.

[2] Aluno do Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] SILVA. Manual de Direito Penal, p. 21-26.

[4] http://institutoejam.com.br/artigos/crime-conceito-formal-legal-material-e-analitico/. Crime – Conceito Formal, Legal, Material e Analítico. Acesso em <23/04/2013, 9:36h>

[5] NUCCI. Código Penal Comentado, p. 1049

[6] ibidem

[7] ibidem

[8] NUCCI. Código Penal Comentado. p. 1050 – 1051.

[9] NUCCI. Código Penal Comentado. p. 1052.