CONTRA A POLÍTICA INDOLENTE! UM SINGELO TRIBUTO AO PARTIDEIRO BEZERRA DA SILVA
OU: NÃO DISPAREM SOBRE O UTOPISTA!

"Na política, com o sistema que tem no Brasil, não existe espaço para gente bem-intencionada. Não se consegue mudar porra nenhuma. Se alguém muda uma coisinha, mexe com os interesses de uma porrada de gente".
(MV Bill, rapper, em entrevista à revista Playboy, em 2006)

Começamos a escrever para o público em 2002, em Morro do Chapéu. Ao longo desses oito anos, procuramos melhorar a cada dia o nosso texto, voltado para as causas sociais.

E nesses oito anos, o nosso sonho, a nossa utopia de lutar por um outro mundo possível, continua. Acreditamos que há muitas causas sociais pelas quais precisamos continuar lutando. E algumas delas foram apontadas pelo sociólogo, jornalista e escritor Gilberto Felisberto Vasconcellos, no seu texto da Caros Amigos de abril: "1. Que na mídia seja garantido espaço livre e gratuito para discutir a soberania nacional e o imperialismo; 2. Reforma agrária em todos os latifúndios produtivos e improdutivos; 3. Taxação das fortunas bem ou mal adquiridas; 4. O direito da criança ao leite do seio da mãe e proibição de Coca-Cola para a mulher gestante; 4. Eliminar os planos privados de saúde e fechar os Mc Donalds; 5. Acabar com o caráter publicitário dos programas eleitorais para que os eleitores não sejam consumidores nem os candidatos empresários; 6. Automóveis submetidos a um rigoroso critério ecológico: extinguir os Pajeros e 4 por 4; 7. Abrir as cadeias para os detentos com pequenos delitos; 8. Revestimento acústico obrigatório em todas as Igrejas crentes e Pentecostais. Cada beato multado pela tonalidade de sua voz; 9. Bibliotecas com livros de socialismo e marxismo em todas as fábricas e sindicatos; 10. Democracia para os trabalhadores e não para os executivos das multinacionais; 11. Vestibular com testes de gramática e geografia para os candidatos a reitores das universidades; 12. Fomentar aliança política entre os favelados e os sem-terra em homenagem ao educador Darcy Ribeiro; 13. Restringir o consumo de música pop e popular para crianças, adolescentes e velhos; 14. Proibição de telenovelas e programas de auditório nas televisões".

Por esse ano de 2002, também passamos a ouvir com mais atenção as músicas do grande partideiro indigesto Bezerra da Silva, pernambucano de Recife. Em outro texto da Caros Amigos de abril, agora do Pedro Alexandre Sanches, lemos que o Bezerra aprendeu desde cedo que a favela é um problema social e também que a favela nunca foi reduto de marginais. Publicamos no nosso pasquim independente O PENSADOR, ato 111, de setembro de 2006, aquela que talvez seja a música mais detestada por políticos oportunistas que só sobem o morro em tempo de eleição: "Candidato Caô Caô", de 1988, de Walter Meninão e Pedro Butina: "Ele subiu o morro sem gravata/ Dizendo que gostava da raça/ Foi lá na tendinha e bebeu cachaça e até bagulho fumou/ Foi no meu barracão, e lá usou lata de goiabada como prato/ Eu logo percebi: é mais um candidato às próximas eleições/ Fez questão de beber água da chuva/ Foi lá na macumba e pediu ajuda/ Bateu a cabeça no gongá, "deu azar"... A entidade que estava incorporada disse: esse político é safado/ Cuidado na hora de votar/ Meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer/ Hoje ele pede seu voto/ Amanhã manda a polícia lhe bater/ Nesse País que se divide/ Em quem tem e quem não tem/ Sempre o sacrifício cai no braço operário/ Eu olho para um lado/ Eu olho para o outro/ Eu vejo desemprego/ Vejo quem manda no jogo/ E você vem, vem/ Pede mais de mim/ Diz que tudo mudou/ E que agora vai ter fim/ Mas eu sei quem você é/ E ainda confio em mim/ Sei que o jogo é sujo/ Mas eu não desisto assim/ Você me deve/ Hoje ele pede de você/ Amanhã ele vai te fuder/ Hoje ele pede de você/ Amanhã ó!"

Bezerra cantava sobre o seu cotidiano, sobre o habitat dele e de seus amigos compositores: a favela. O conflito ali estacionado foi sempre a questão de honra, crucial para eles. E por ser porta-voz e porta-bandeira desse microcosmo que o senso comum preconceituoso e autocondescendente associa somente a tráfico e violência, Bezerra teve de amargar o rótulo de "sambandido". Em "Desabafo", de 1996, de Juarez da Boca do Mato, Bezerra cutuca a "elite selvagem marginal": "Seu doutor só combate o morro/ não combate o asfalto também/ como transportar escopeta, fuzil, AR-15?, o morro não tem/ navio não sobe morro, doutor/ aeroporto no morro não tem". Mesmo antes dessa, em 1985, com "Vítimas da Sociedade", ele já tinha ido direto ao ponto: "Se há um assalto a banco/ como não podem prender o poderoso-chefão/ aí os jornais vêm logo dizendo/ que aqui no morro só mora ladrão/ se vocês estão a fim de prender o ladrão/ podem voltar pelo mesmo caminho/ o ladrão está escondido lá embaixo/ atrás da gravata e do colarinho".

O nosso texto, o nosso discurso, é basicamente denunciatório. Por opção nossa, continuamos distantes de grupos políticos e conchavos, porque assim nos sentimos mais livres para criticar a todos, indistintamente. Sem concessões. Questionamos também os discursos tradicionais em favor da família, dos costumes e da religião. A quem interessa esses discursos? O que estamos fazendo, com a nossa escrita, é o mesmo que todo pensador faz. O pensamento vai sendo aperfeiçoado, vai assumindo a forma de um continuum. A nossa praxis não nos permite ter uma atitude pessimista e muito menos, reacionária. A nossa maior virtude, de nós, os utopistas, é que hoje sabemos melhor aquilo que não queremos e também aquilo que queremos. Quem quiser conferir se o nosso discurso vem sendo coerente ou não ao longo desses anos, é só ler os exemplares do nosso pasquim, publicados de 2002 até 2007, e os nossos textos, a partir de 2008, publicados em jornais, blogs e sites.

O passado está constantemente sendo repetido aqui no futuro, mas poucos vêem, porque para ver, é preciso ter olhos, e poucos têm. Hoje, quando olhamos para o nosso título de eleitor, começamos a entender melhor o siginificado de "zona eleitoral". Como disse o filósofo francês Jean-Paul Sartre em 1973: "As eleições são armadilhas para os tolos". No nosso País, infelizmente, a cultura tem vida curta e a ignorância permanece. Isso é proposital. É uma coisa orquestrada pelos grupos que se revezam no poder desde a época dos nossos tataravôs! E o pior é que não só os analfabetos são ludibriados por essa laia: tem muita gente estudada por aí que troca sem remorso o voto por uma promessa de emprego ou um jogo de time de futebol. Bertolt Brecht chama esse tipo de gente de analfabeto político.

Mas, apesar de tudo e de todos, continuamos acreditando e lutando por uma revolução cultural nesse País, porque povo culto é mais difícil de ser manipulado. Enfim, continuamos escrevendo, como um apelo para que as pessoas acordem para essa realidade cruel e desumana que nos cerca. Estamos sendo enganados, violentados e mortos todos os dias! Escrevemos para que os jovens das futuras gerações que chegarem a nos ler achem difícil acreditar no que realmente aconteceu... Por exemplo: nesses dias de hoje não é difícil, para muitos dessa geração, acreditar no que aconteceu naqueles sombrios anos de chumbo (1964 a 1984)? Pois, pois...

(Márcio Melo, um cara que ainda escreve por UTOPIA, PAIXÃO E RESISTÊNCIA!
Ói nóis aqui traveiz! Esse é só o 26º texto desse ano.)