Conto de paranóia

             O relógio marca meia noite e trinta exatamente, distraído em seus pensamentos, Eric Jones nem percebeu o tempo passar desde que imergiu no seu mundo virtual para mais uma noite de pesquisas intermináveis sobre a natureza humana. Filósofo, sociólogo, e tantos outros “ólogos” autodidatas que perturbavam seu sono e o transformavam em escravo do conhecimento, buscando incessantemente aplacar sua vontade de conhecer mais e mais, sempre pesquisando, pesquisando...

            Eric já não era mais um jovem, tinha trinta e cinco anos, mas aparentava bem mais devido ao bigode e a barba que lhe envelheciam o rosto, bem como, uma calvície precoce que em seus cabelos curtos lhe conferiam um olhar terno, mas extremamente sóbrio.

            Sua atenção estava voltada nos últimos meses para a reta final de seu diagnóstico, ou melhor autodiagnóstico, no qual descobriu ser portador de uma síndrome de espectro autista chamada de Asperger, o que veio a lhe esclarecer muitos mistérios que rondavam sua infância e seu modo, digamos talvez, bem, um pouco excêntrico de viver.

            Jones, como alguns o chamavam sempre foi, a despeito de suas esquisitices, como por exemplo esquecer ao menos um item do que lhe era pedido para trazer do mercado, um cidadão comum, honesto, correto e muito ético, alguém que passaria despercebido na multidão sem problemas, mas tudo mudou a partir do momento em que escreveu um artigo para uma revista jurídica de circulação internacional.

            O artigo de Eric continha divagações sobre o cotidiano de seu país, tais como o relato de movimentos populares nas ruas, depredações de estabelecimentos comerciais em larga escala, vandalismo e caos urbano, além da orquestração de tudo isto por parte de agentes invisíveis interessados em todo esse contexto sócio-econômico para levar, sobremaneira, a devida vantagem.    

            E sem desconfiar ele passou, após enviar os seus escritos, a figurar em uma lista de indivíduos perigosos para o Regime Global de Controle Social da População, ou como é mais conhecido por seus próprios sócios, Portadores da Luz, uma antiga seita de satanistas que diverge em muito do estereótipo que a mídia costuma representar como fanáticos religiosos ignorantes e bestiais. Estes “Portadores da Luz”, pelo contrário, são extremamente intelectualizados e agem infiltrados nos mais altos escalões de poder no mundo todo.

            Frequentemente trocam informações sobre a forma de conduzir a economia, política e padrões globais de comportamento através da manipulação da mídia mundial, que, aliás está em suas mãos, como uma ferramenta hábil na mão de um artesão experiente, influenciando uma massa de ignóbeis, exatamente como descrito em um livro de Huxley ou de Orwell.

            Mas então o que de tão medonho assim um simples professor poderia oferecer para contrapor tal ordem onipotente em nosso planeta?

            E de súbito João assustado, acorda na madrugada quente de verão, completamente molhado de suor e se pergunta:

            - Por que esse sonho estranho está se repetindo tanto ultimamente? Será algum filme que ele viu e acabou esquecendo? Que loucura é essa que se repete noite após noite?

            Bem, como o sono é maior que o susto ele volta a dormir e ignorar esta paranóia de teorias de conspiração, afinal, isto não deve existir de verdade, pelo menos é o que a tal da mídia diz!