Natal.


Estava quase tudo pronto para o Natal no Sanatório São Francisco de Paula, de Campos do Jordão. O local era amplo, com três andares, todo branco e com muitas janelas de vidro. Os jardins eram enormes e bem cuidados. Tudo era grande aos nossos olhos de crianças; tudo tinha dimensões oceânicas.

Algumas freiras ainda corriam para todos os lados, num alucinante vai-e-vem, para os últimos preparativos para a festa. Diferente dos outros dias do ano, quando no ambiente reinava um silêncio absoluto, o dia 24 de dezembro lembrava mais um mercado municipal, num burburinho frenético para as providências finais para o Natal.

Era o final da década de cinqüenta e o Brasil sofria com uma epidemia de tuberculose. O sanatório acolhia centenas de meninos acometidos pela doença, vindo de todos os lugares do país e muitos, como eu, vindo da cidade de São Paulo. Em casa, a doença primeiro vitimou o meu pai e depois a mim. Ele, um português de Vila Nova de Gaia, forte, alto, voluntário por São Paulo na Revolução de 32 e com uma disposição invejável para o trabalho se viu impotente diante da enfermidade. Ele também se internou num sanatório para adultos, o São Cristovão, na mesma cidade, e lá ficou por quase dois anos até o restabelecimento.

Apesar dos dois sanatórios ficarem na mesma cidade e de uma pequena distância que os separava um do outro, o meu pai só me visitou após a sua doença ser debelada. A visita ocorreu naquele 24 de dezembro. Ele não perdeu o amor à família; apenas se afastou, resignado, para evitar a mínima chance de um novo contágio, num esforço incrível da razão vencendo o coração.

Para nós, as crianças do sanatório, o ponto alto do Natal era a entrega dos presentes. Entretanto para mim, naquele natal, o presente maior foi a visita do meu pai. Foi um Natal feliz e inesquecível, onde tive o aconchego do seu abraço após quase dois anos sem vê-lo. Isso marcou minha vida para sempre, de forma profunda e indelével, como um presente que é desembrulhado até hoje. A vida é realmente feita de sonhos, mas é concretizada no amor.

A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando menino, no Natal. A felicidade pode estar nas pequenas coisas e não vem pronta; você é quem faz, constrói, esculpi. Hoje, percebo que o episódio é a prova irrefutável que só se aprende a ser filho depois que somos pais e só se aprende a ser pais depois que somos avós, porque não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual, mas seres espirituais vivendo experiências humanas.

Agradeço a generosidade de Deus por ter me proporcionado aquele Natal. Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas refletir sobre a tristeza; é não ter medo dos próprios sentimentos; é falar de si mesmo. Ser feliz não é ter um Natal perfeito, mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância e a confiança nos Natais que virão. É deixar de ser vítima dos problemas e atravessar os desertos dentro de si para encontrar o oásis na alma, porque a vida continua sendo um espetáculo imperdível.


Antonio Carlos Rodrigues dos Santos
Conto premiado no concurso "Um Conto de Natal" (Jornal O Vale ? dez/2009).