Conta-se que aqui perto, numa cidade vizinha, havia um prefeito. Não muito bom, mas era político!

Conta-se que ele tinha uma "rusga" antiga com o padre da cidade. Bom padre, por sinal. Aliás, os padres são figuras desse naipe.

Conta-se que ninguém mais lembrava a causa, o motivo, a origem do desentendimento dos dois. Mas tinha a ver com coisas mal feitas por um e criticadas pelo outro.

Conta-se, também que apesar de padre e prefeito serem inimigos, ambos desempenhavam muito bem suas funções específicas.

Conta-se, apenas que o representante dos eleitores e o representantes de Deus viviam às turras, cada um aprontando algo que causava mais irritação no outro que ficava esperando sua vez de dar o troco, criticando o que havia criticado. E as ferpas eram de lascar faísca.

Conta-se que foi então que o caso se deu:

Conta-se que na cidade sempre andavam, soltos, vários animais: cavalos, éguas, burros... potrinhos costumavam ser vistos passeando nas praças, ao lado de suas éguas mães. Burricos e jegues trocavam coices no meio da rua, sem que ninguém tomasse providências. Alguns até diziam que eram funcionários da prefeitura, pois pastava as gramas dos canteiros das ruas.

Conta-se que mais de uma vez algum motorista tivera que frear, bruscamente, para não atropelar um potro desatento. Sem contar outros tanto que eram atropelados.

Conta-se que não foram poucas brigas entre motorista mais apressado e algum dono dalgum potrilho andarilho, atropelado emorto em meio à rua.

Conta-se que foi por causa dum desses episódios de morte, dum burrico, que o episódio em questão ocorreu.

Conta-se que apareceu morto, no meio da praça, em frente à Igreja, ali perto daquele monte de ciprestes de várias procedências, deste lado da rua, um burrico. Nova ainda, cerca de ano e meio, como se podia ver pelos dentes do animal.

Conta-se que apareceu morto numa Segunda-feira. Na terça, à tarde, ainda estava lá. Na quarta, de manhã, já era insuportável o cheiro do burro morto. Burro não, um burrico qualquer, daqueles tantos que haviam e trafegavam, soltos pelas ruas da cidade.

Conta-se que à hora do desjejum o padre, sem poder se refastelar e reabastecer da noite mal dormida devido ao mal cheiro, já irritado pelo descaso com o falecido burrico, ligou para a prefeitura.

Conta-se que quem atendeu foi a secretária. Mas ela, carola antiga, reconheceu a voz, irada, do padre que não pedia, mas irritadamente exigia falar com o prefeito.

Conta-se que ela, nem engatou assunto de igreja. Passou a ligação para o patrão, o prefeito.

Conta-se que o diálogo foi acalorado. Saia fumaça do fio do telefone. Naquele dia, não estivessem separados teriam se atracado: padre e prefeito, numa briga entre o poder temporal e espiritual.

- Já é Quarta-feira....

- Não acredito que você ligou pra cá só prá me informar que dia é hoje, como se eu não soubesse ...

- Não me daria ao trabalho. Muito embora a tua ignorância me permitisse te ensinar até os dias da semana...

- Você me ensinar? Você não ensina nem teus paroquianos, com teus sermões...

Conta-se que o clima entre ambos estava nesse pé. Mas ninguém sabe contar como eles se deram conta de que estavam discutindo, sem resolver o problema da ligação.

- Então fala: o que te moveu a me dar o desprazer de ter que ouvir tua voz...

- Tem um burro morto, na praça da igreja. Está lá desde segunda feira e o pessoal da prefeitura ainda não veio retirar a carniça de lá. Você poderia ter a fineza de mandar que os lixeiros façam o que precisa ser feito, limpando a praça...

- Ora, padre. Não é função da prefeitura dar assistência amoribundos ou defuntos. Quem entende de extrema-unção e deve confortar os parentes dos falecidos é a Igreja, não a prefeitura...

- Certo, prefeito. A Igreja deve confortar os parentes dos falecidos. Mas para isso deve, primeiro, avisar os parentes. E é para isso que estou ligando...

Conta-se que falando isso o padre desligou o telefone e o prefeito continuou, xingando o padre, pelos furinhos do aparelho de telefone!

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação

Filósofo, Teólogo, Historiador

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