O conceito de saúde e doença não é estado ou condições estáveis, e sim conceitos vitais, sujeitos a constante avaliação, mudança e transformação, ou seja, seria inteligente falarmos de processos de saúde e subjetividade. Ora, num passado ainda recente, a saúde era definida como "ausência de doenças", considerando exclusivamente os sinais e sintomas que ocorriam na dimensão física da pessoa. Aspecto este que pode ser constatado na fala: "Saúde é... uma pessoa saudável que não tem nenhum tipo de doença".

Já a medicina hipocrática considera que a natureza tem um papel formativo, construtivo e curativo, tendendo o corpo humano a curar-se por si próprio. Realça a importância da relação médico-doente e as suas conseqüência sobre o bem-estar deste. A este propósito Hipócrates referiu: "Alguns pacientes, embora conscientes de que o seu estado de saúde é precário recuperam-se devido simplesmente ao seu contentamento para com a humanidade do médico" (NULAND, 1988, p. 59).

Descartes concebeu o corpo humano como uma máquina, comparando um homem doente a um relógio avariado e um saudável a um relógio com bom funcionamento. Esta visão mecanicista do mundo fez o corpo humano ser conceituado como um grande engenho cujas peças se encaixam ordenadamente.

Gustavo Cunha refere que "trabalhadores e gestores de saúde possam enxergar e atuar na clínica para além dos pedaços fragmentados, sem deixar de reconhecer e utilizar o potencial desses saberes" (PASSOS, 2006). Para tanto, a estratégia de saúde da família foi implantada com o desafio de estabelecer entre a comunidade e o serviço público uma relação de compromisso e confiança mútuos. Cresce a consciência nos profissionais que integram o PSF. Eles têm um papel fundamental no incremento da autonomia das pessoas em relação à sua saúde e à saúde da comunidade, construídos mediante a valorização do saber popular, da negociação e do diálogo. Neste percurso, ganha destaque a correspondência da autonomia como uma vontade de cuidar de si, tendo esta vontade fundamento na liberdade do sujeito (NOGUEIRA, 2003). A modificação de alguns comportamentos, tais como cuidar da alimentação, controlar estresse, praticar o exercício ou atividade física regularmente, dormir um número de horas adequadas, verificar periodicamente a saúde, permitiria reduzir drasticamente a morbidade.

Assim, não se pode mais considerar a saúde de forma isolada das condições que cercam o indivíduo e a coletividade. Falar hoje em saúde sem levar em conta o modo como o homem se relaciona com o seu meio social e ambiental é voltar à época em que a doença era um fenômeno meramente biológico, desprovido de qualquer outra interferência que não fosse tão-somente o homem e seu corpo (SANTOS, 2005). Quando a equipe de saúde da família e cada um de seus componentes entram em uma casa, em um centro comunitário, percorre uma rua ou atende à população no serviço de saúde, está produzindo saúde, participando da co-produção da vida da comunidade, das pessoas. Se seu agir é solidário, sabe que, nesse encontro, ambas as partes têm poderes e saberes próprios que estão interagindo para a co-produção da saúde (ANDRADE; INOJOSA, 2004).

* Baseado no Artigo intitulado "Ouvindo os Desejos da Comunidade", de: Stela Nazareth Meneguel, Anizete Regina Scherer Petry, Arlete Fátima Fontana Steinmetz, Lisânia Maria Kaeffer, Rosane Liliane Guerra de Mello e Simone Lacroix Justo Ritter, do livro: SEMENTES DO SUS – SÉRIE TÉCNICA V.2, BRASIL, 2007.