CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E O CONTROLE DE MÉRITO (OPORTUNIDADE E CONVÊNCIA) DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO[1]

 

 

 

Maria Dulce C. Collares Moreira

Thais Tavares Teixeira[2]

Hugo Passos[3]

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1.Ato Administrativo; 2. Neoconstitucionalismo; 3.Controle Jurisdicional do Ato administrativo; 3.1 O mérito do ato administrativo discricionário; Considerações finais.

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem por finalidade abordar a questão do instituto da discricionariedade administrativa, bem como a alteração constitucional que permitiu o controle do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário. Será apresentado um estudo reflexivo sobre o tema acima delimitado, demonstrando o seu recente progresso que teve como consequência a constitucionalização desse direito.

 

Palavras-chave: Instituto. Discricionariedade. Controle. Poder Judiciário. Constitucionalização.

 

 

INTRODUÇÃO

A discricionariedade administrativa sofreu alterações em seu conceito, recebendo nova abordagem quanto a atuação da administração pública e sua submissão ao controle do poder judiciário, no qual anteriormente este ultimo não exercia influência sobre ela, pelo contrário, a discricionariedade era imune a qualquer comando jurisdicional.

Todos os três poderes, inclusive a administração pública, estão vinculados a elaboração de atos discricionários, estabelecido em lei, permitindo ao agente publico realizar juízos de valor com base na conveniência e oportunidade, uma vez que a lei não é capaz de prever e abarcar todas as situações.

Em período anterior, não era permitido a invasão de competência de um poder sobre o outro em decorrência do principio da independência constitucional. No entanto, o que antes era proibido, agora passou a ser aceito pela Constituição Federal. Tal fato não minimizou a existência de divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, ensejando um grande debate sobre o assunto, pairando a não unanimidade.

O trabalho tem por escopo retratar sobre a discricionariedade e o mérito administrativo, uma vez que o agente publico se baseia nela quando edita ato administrativo fazendo uso da conveniência e oportunidade. Valendo ressaltar que sobre o controle de mérito do ato administrativo, será realizada uma análise quanto a posição de administrador/fiscal de todos os atos públicos pelo judiciário e as limitações que o mesmo sofre.

 

1 ATO ADMINISTRATIVO

 

O Ato administrativo pode ser conceituado como todo o ato praticado pelo Estado ou por delegação de poderes públicos, no exercício das funções administrativas, segundo Mauro Mattos (2009). Para Lucia Figueiredo (2003 apud MATTOS, Op. Cit, p. 71), pode o ato administrativo ser estabelecido como a norma concreta que, emanada pelo Estado ou por quem esteja no exercício da função administrativa, possui a finalidade de criar, modificar, extinguir ou declarar relações jurídicas entre o Estado e o administrado, suscetível de ser controlada pelo Poder Judiciário.

Ainda no sentido de conceituação do ato administrativo, Hely Lopes Meirelles (2001, p. 144) ao articular ser: “toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato, adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”. Já Di Pietro (2009, apud OLIVEIRA, 2012), conceitua brevemente como sendo a “declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob o regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo poder judiciário”.

De acordo com Fábio Silvestre (2002), Para a formação do ato administrativo, é necessário a presença de cinco elementos de forma harmônica; sendo que, na falta de um deles o ato não produzirá efeitos validamente. O primeiro deles é a competência administrativa, sendo esta, o poder que é atribuído ao agente da Administração para desempenhar uma função específica, competência esta que é resultante e delimitada de lei. O segundo elemento é a finalidade, que consiste no atendimento ao interesse público. A forma é o terceiro item, consistindo no revestimento com qual o ato administrativo se exterioriza; a inexistência de uma forma induz na inexistência do próprio ato administrativo. O quarto consiste no motivo, equivalendo aos pressupostos de fato e de direito que autorizam a prática do ato. Por último temos o objeto, que corresponde ao efeito jurídico almejado pelo ato administrativo: adquirir, resguardar, transferir, modificar, declarar ou extinguir direitos.

Um ato administrativo pode ser classificado como vinculado ou discricionário. Os vinculados são aqueles que possuem seus requisitos e condições estabelecidos em lei, sem nenhuma faculdade por parte do responsável do ato (MATTOS, Op. cit). Assim, vem a ser uma manifestação do poder vinculado da Administração Pública, que preceitua que o administrador deve obedecer ao enunciado legal, não possuindo liberdade de decisão. Então, ato administrativo vinculado, é todo aquele estabelecido em lei quanto aos seus requisitos, cabendo ao administrador respeitar os termos previstos. Segundo Fábio Silvestre (Op. cit.), são exemplos de atos administrativos vinculados, as licenças concedidas pelo Poder Público para o exercício de determinada profissão ou a construção de um prédio.

Quanto aos atos discricionários, são aqueles em que a Administração pratica com liberdade, escolhendo seu conteúdo, seu destinatário, sua oportunidade e sua forma de realização (MEIRELLES, Op. cit). Esse conceito, será trabalhado no decorrer do artigo, já que apresenta polêmica quanto a interferência do Poder Judiciário ou não. Como exemplo de ato discricionário, Silvestre (Op. cit.) elenca as permissões para particulares na utilização de bens públicos ou as autorizações, como o porte de arma.

No mesmo sentido de diferenciação entre os atos administrativos vinculados e discricionários, Alexandre Mazza (2012), ao ilustrar que os primeiros são aqueles praticados pela Administração sem alguma margem de liberdade, já que a lei define antecipadamente todos os aspectos da conduta, ressaltando ainda que estes não podem ser revogados, pelo fato de não possuírem mérito, que é o juízo de conveniência e oportunidade. Quanto aos atos discricionários Mazza pontua serem os praticados pela Administração, no qual o agente público dispõe de certa liberdade, decidindo no caso concreto, a melhor maneira. Acrescenta ainda que estes são caracterizados pela existência do juízo de conveniência e oportunidade no mérito, podendo ser revogados.

Sintetizando, os atos vinculados são aqueles que estão restritos à lei, não comportando análises por parte do administrador, ou seja, já está predeterminado na lei. Quanto aos discricionários, estes concedem uma liberdade na execução dos atos, há uma margem de liberdade ao administrador para preencher o conteúdo do ato, no entanto, sempre levando em consideração os critérios de mérito, quais sejam, a conveniência e a oportunidade, conforme será visto adiante.

 

2 NEOCONSTITUCIONALISMO

 

O Direito brasileiro nos últimos tempos, sofreu profundas mudanças quanto a um novo paradigma na prática e teoria jurídicas; isso vem sido denominado como “Neoconstitucionalismo”. Segundo Daniel Sarmento (2013, p. 9) essas mudanças envolvem alguns fenômenos que podem ser sintetizados em:

 

(a) Reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.; (c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos e (e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.

 

 

No mesmo sentido Humberto Ávila (2009) ao expressar que as mudanças fundamentais desejadas seriam:

 

[...] princípios em vez de regras (ou mais princípios do que regras); ponderação no lugar de subsunção (ou mais ponderação do que subsunção); justiça particular em vez de justiça geral (ou mais análise individual e concreta do que geral e abstrata); Poder Judiciário em vez dos Poderes Legislativo ou Executivo (ou mais Poder Judiciário e menos Poderes Legislativo e Executivo); Constituição em substituição à lei (ou maior, ou direta, aplicação da Constituição em vez da lei).

 

 

Temos assim, uma nova forma de pensar o constitucionalismo, um novo momento, o que nos faz ponderar a partir do tema proposto, acerca da constitucionalização do Direito Administrativo.

Para Regina Nery Ferrari (2009), o Neoconstitucionalismo se caracteriza pela incorporação no texto constitucional de valores e opções políticas, de modo que a Constituição, deva ser compreendida a partir de regras e de princípios, de valores vinculados com a Ética.

O Neoconstitucionalismo aspira assim, substituir as teorias atreladas ao positivismo tradicional, que se encontram incompatíveis com a nova realidade, busca uma releitura ao princípio da separação de poderes, que impõe limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, se quer tomar por base uma visão mais favorável ao ativismo judicial. De modo que, ao invés de uma teoria focada no código e na lei formal, destacar uma centralidade na Constituição, na ubiquidade da sua influência na ordem jurídica e no papel criativo da jurisprudência (SARMENTO, Op. cit.).

Especificamente sobre a constitucionalização do Direito Administrativo, da vinculação do administrador à Constituição e não apenas à lei, Alexandre Barroso (2007, p. 30) expõe:

 

Supera-se, aqui, a ideia restrita de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário.

 

 

Barroso (Op. cit.) indica ainda que levando-se em conta o grande número de normas constitucionais voltadas para a Administração Pública e a influência dos princípios constitucionais sobre esta, há que se considerar a constitucionalização do Direito Administrativo. Embora possa o legislador eleger as ações que irá tomar, existem limites a essa discricionariedade, como veremos a seguir.

 

3 CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO

 

O tópico anterior realizou uma abordagem sucinta acerca da discricionariedade do ato administrativo, cabendo dar continuidade a questão de forma mais aprofundada. Dessa forma, pode-se afirmar que os atos discricionários são aqueles praticados pela autoridade publica, no qual utilizando de sua subjetividade, o mesmo, livremente pode decidir sobre determinado caso concreto, uma vez que ao legislador não é possível tipificar todas as condutas possíveis; ou seja, a lei não é capaz de prever e abarcar todas as situações. 

Maria Sylvia Di Pietro (apud LEITES, 2008, p. 45) leciona: “ser a discricionariedade um poder delimitado previamente pelo legislador; este, ao definir determinado ato, intencionalmente deixa um espaço para livre decisão da Administração Pública, legitimando previamente a sua opção; qualquer delas será legal”. Em consonância Mattos dispõe: “Poder Discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo [...] (2005, p.14)”

 

A discricionariedade é característica da atuação administrativa sendo, portanto, de grande utilidade, a final ela exerce, sem dúvida, uma função importante na desenvoltura do Estado, viabilizando adequação e maior eficiência da Administração Pública perante as situações concretas, isto devido à impossibilidade de o legislador prever em lei todas as situações de atuação do administrador. (NASCIMENTO, 2011, p. 3)

 

 

Ressalta-se que, embora o administrador possua liberdade ao editar o ato discricionário, ele deve observar sempre o principio da proporcionalidade e da razoabilidade, agindo com prudência e coerência, uma vez que o ato público, como o próprio nome sugere, tem como objetivo alcançar o interesse coletivo e o bem comum do seu povo.

A administração Publica e o controle realizado pelo Poder Judiciário gerou uma discussão acerca da limitação a liberdade dos atos discricionários, uma vez que houve a quebra da harmonia e a consequente “usurpação de atribuições” entre os três poderes.  A justificativa utilizada, que para alguns não foi convincente, ocasionando um dissenso doutrinário e jurisprudencial, foi de que agindo dessa maneira o interesse público seria atendido de forma mais eficiente.

Atualmente, existe parcela da doutrina que não aceita tal situação, pois “[...] haveria uma indesejada intromissão à Separação dos Poderes, sendo vedado ao Poder Judiciário a devida e constitucional fiscalização.” (MATTOS, 2005, p. 12) Entretanto, em decorrência da evolução do direito administrativo, permitindo-se uma amplitude na liberdade de escolha e decisão, ou seja, de discricionariedade administrativa, houve também uma ampliação ao alcance dessa fiscalização.

Dessa forma, sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, possibilita-se o controle judicial de todos os atos, sejam eles públicos ou privados. Contudo, em relação aos atos discricionários, o Poder Judiciário exerce um controle mais restrito:

 

Ou seja, a lei assegura à Administração certa margem de discricionariedade, de modo que se ela atua dentro desses limites, observando todos os requisitos de validade e princípios do ato que venha a editar, este mostra-se inatingível, pois o controle judicial é possível, mas o Judiciário terá obrigatoriamente de respeitar a discricionariedade dada ao administrador. (OLIVEIRA, 2012, p. 23)

 

 

Evidencia-se, portanto, que o magistrado não pode invadir o espaço do administrador, substituindo a decisão tomada por ele com base na conveniência e oportunidade, no qual o mesmo deve invalidar apenas os atos considerados ilegais, que não corresponderem aos aspectos legais; exercendo um controle de cunho extremamente jurídico.

São a Teoria do Desvio do Poder e a Teoria dos Motivos Determinantes que fixam os limites que o administrador tem que observar quando da edição de um ato, pois se este o faz de forma viciada permite a intervenção judicial no sentido de torná-lo inválido. Ressalta-se novamente que o controle realizado diz respeito a legalidade e não ao mérito administrativo, uma vez que

 

[...] o desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o Poder Judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei. Outra é a teoria dos motivos determinantes, já mencionada: quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune um funcionário pela prática de uma infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato. (DI PIETRO, 200, p. 18 apud OLIVEIRA, 2012, p. 24)

 

 

Diante deste pequeno relato sobre a fiscalização jurisdicional dos atos administrativos discricionários, que, portanto, comportam juízo de conveniência e oportunidade, prossegue-se a abordagem complementar.

 

3.1 O mérito do ato administrativo discricionário

 

Já foi mencionado, de forma rápida e sucinta, que o ato administrativo subdividi-se em duas espécies, no qual o ato discricionário é aquele que importa para o estudo do tema acima delimitado. Observou-se que é permitido ao administrador agir com base na sua conveniência e oportunidade, escolhendo a hipótese legal que melhor atue para atender ao interesse público.

Dessa forma, o mérito nada mais é do que a valoração subjetiva realizada pelo agente, e conferida por lei, na escolha de um ato, atuando ele com oportunidade, ou seja, observando o momento mais propicio para a sua prática, bem como levando em consideração a conveniência, se o ato é adequado, justo, eficaz etc.

 

Discricionários são os atos administrativos praticados pela Administração Pública conforme um dos comportamentos que a lei prescreve. Assim, cabe à Administração

Pública escolher dito comportamento. Essa escolha se faz por critérios de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito. Há conveniência sempre que o ato interessa, convém ou satisfaz ao interesse público. Há oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público. São juízos subjetivos do agente competente sobre certos fatos e que levam essa autoridade a decidir de um ou de outro modo. (GASPARINI apud MATTOS, 2005, p. 13)

 

 

A grande discussão existente diz respeito ao controle jurisdicional sobre o mérito do ato discricionário, uma vez que de forma resistente, doutrina e jurisprudência não aceitam tal intervenção.

 

Costuma-se, sem muito cuidado, dizer que o ato administrativo discricionário é insuscetível de exame pelo Judiciário. Tal afirmação não é verdadeira. O que não se admite em relação a ele é o exame por esse Poder da conveniência e da oportunidade, isto é, do mérito da decisão tomada pela Administração Pública, conforme vêm decidindo nossos Tribunais. (GASPARINI apud MATTOS, loc. cit.)

 

 

Para a professora Germana de Oliveira Moraes, o mérito é o núcleo do ato administrativo, portanto intocável e absoluto, não se ampliando o controle do judiciário sobre ele. (apud LEITES, 2008, p. 58) Como já foi mencionado em tópico anterior, não se permite ao poder judiciário rever o mérito administrativo uma vez que estaria ele substituindo a vontade do agente administrador, violando assim o Principio da Separação dos Três Poderes.

 

 

A jurisprudência brasileira, acompanhada pela doutrina tradicional, considerava que os atos discricionários não se submeteriam a controle, no pertinente a seu mérito. O caminho da evolução foi – sem dúvida – a afirmação de que ao Judiciário caberia controlar toda a atividade administrativa desde que não invadisse o mérito das decisões discricionárias. E por mérito do ato compreendiam-se as razões de conveniência e oportunidade que teriam fundamentado a decisão do administrador. (FIGUEIREDO apud MATTOS, loc. cit.)

 

 

Torna-se importante e enriquecedor para o entendimento da questão debatida a apresentação do julgado realizado pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Recurso Especial nº 169.876. A corte manteve o posicionamento pela defesa da não possibilidade de intervenção jurisdicional sobre o mérito do ato administrativo (MOTTA apud MATTOS, 2005, p. 14):

 

Administrativo. Processo Civil. Ação Civil Pública. 1. O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para proteger interesses coletivos. 2. impossibilidade de o juiz substituir a Administração Pública determinando que as obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo modo, que desfaça construções já realizadas para atender a projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano. 3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas. 4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes. 5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. 6. As atividades de realização dos fatos concretos pela Administração dependem de dotações orçamentárias próprias e do programa de prioridades estabelecidas pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente. 7. Recurso provido. (...) Entretanto, se provida a pretensão, estar-se-ia ofendendo o Princípio da Separação de Poderes, preceituado no art. 2º da Constituição Federal. Como é sabido, o Poder Público só pode fazer o que a lei manda (poder vinculado) ou autoriza (poder discricionário) [...] com relação aos atos discricionários. Nesta categoria de atos, embora o agente público, e deva ser competente para praticá-lo, tem liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. Cabe, pois, ao agente público escolher sobre a conveniência e oportunidade para prática dos atos discricionários. Nisso não pode o Poder Judiciário substituí-lo (...) o que não pode, repita-se, é determinar que o agente público pratique um ato discricionário cuja escolha de conveniência e oportunidade lhe pertence.

 

 

Diante do exposto, pode-se concluir que segundo maioria doutrinária e jurisprudencial, não cabe ao Poder Judiciário realizar o exame do mérito de um ato administrativo discricionário, visto que a lei conferiu tal exercício ao executivo. Caberia a ele apenas a análise da legalidade para a defesa da ordem jurídica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Após as considerações elencadas, constatamos que a discricionariedade administrativa caracteriza-se como a margem de liberdade dada ao administrador para eleger, segundo critérios de conveniência e oportunidade, um comportamento cabível perante o caso concreto. Percebemos tal controle ser possível levando-se em consideração o momento do neocontitucionalismo, que permite uma releitura ao princípio da separação dos poderes dando maior ênfase ao ativismo judicial, assim, estaríamos desvinculando o administrador apenas à letra da lei, apenas ao que está positivado.

Levando-se em conta a quantidade de normas constitucionais que estão voltadas à Administração Pública, percebemos a possibilidade da constitucionalização do Direito Administrativo. Embora constatada a discricionariedade do legislador, foram observados limites a essa atuação, devendo o administrador observar sempre o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, agindo com prudência e coerência.

Quanto a atuação do Judiciário, percebemos que tendo o administrador exercido a discricionariedade dentro dos limites, observando todos os requisitos de validade e princípios relacionados, deve este respeitar tal discricionariedade, não invadindo o espaço do administrador. Assim, caberia ao Poder elencado apenas se ater à análise de legalidade do ato, não entrando no campo de seu mérito.

 



[1]   Paper apresentado à disciplina Direito Administrativo I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2]    Alunas do 7º período Vespertino, do Curso de Direito da UNDB.

[3]    Professor.