CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FAMILIAS E DE SEUS FUNDAMENTOS JURIDICOS

 

INTRODUÇÃO

O conceito de família sofre diversas mudanças em virtude da evolução humana, pois novos paradigmas sociais surgem, por isso é possível se deparar e observar situações inusitadas que ainda necessitam de solução.

A Carta Magna de 1988 iniciou o processo de constitucionalização do Direito Civil que teve a finalidade de cessar a dicotomia entre direito público e direito privado, trazendo para a sociedade um novo conceito de família e consolidando a elaboração dos direitos da personalidade no âmbito do Direito de Família.

A mudança ocorreu principalmente na desbiologização da família, ou seja, acabando com a terminologia filhos ilegítimos, pois essa é um termo discriminatório, na qual levava muitos filhos havidos fora dos casamentos a grandes constrangimentos, como exemplo o de não serem reconhecidos pelo pai biológico.

Sabe-se que a família vive um incessante processo de transformação por se tratar de um fenômeno social. Mas nem ao longe é possível afirmar que se trata de uma instituição “falida” como se tenta passar em alguns discursos com os quais nos deparamos pela vida afora.

            O presente trabalho tente a expor as mudanças referente ao novo conceito de família, a constitucionalização do direito de família, aparado pelos princípios constitucionais.

1-   PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA

O novo conceito de família se deu pela inserção de princípios gerais e específicos do Direito de Família na Constituição, com vistas a atender a esses princípios incutidos no Código Civil pela Constituição Federal.

O primeiro princípio que se discute é o da dignidade da pessoa humana, que está descrito no artigo 1º, III, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do distrito federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana.

Este é o princípio máximo entendido como pressuposto base da Constituição Federal. Não pode ser somente reconhecida onde o direito a prevê, pois constitui um dado prévio, preexistente e anterior a toda experiência especulativa (SARLET, 2004, p.42).

Esse princípio é fundamental para a despatrimonialização do conceito de família, pois gera mudanças no entendimento do que vem a ser requisito para que se estabeleça um estado de filiação.

O segundo princípio é o da isonomia, ou igualdade, em especial entre homens e mulheres e entre os filhos, encontra-se disposto no artigo 5º, I da Constituição e no artigo 1.596 do Código Civil.

A isonomia é essencial, pois esse principio dá garantia aos filhos nascidos fora do casamento, na qual a Constituição os trata de forma igual, uma vez que todos os filhos tem os mesmos direitos, não importa se concebidos dentro ou fora do casamento.

            O princípio da igualdade é um principio especifico na qual os filhos está previsto no art. 227, §6º da Constituição Federal, asseverando que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

O artigo 1.584 do Código Civil dispõe:

O art. 1.584, CC: decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

Por fim, como último princípio genérico a liberdade de escolha, uma maior autonomia para constituir e extinguir as entidades familiares.

Contudo, os antigos princípios do Direito de Família foram aniquilados, surgindo outros, dentro dessa proposta de constitucionalização, remodelando esse ramo jurídico.

2-   CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E NOVO CONCEITO DE FAMILIA

        A constitucionalização do Direito de Família ocorreu porque “grande parte do Direito Civil está na Constituição, que acabou enlaçando os temas sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas relações de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do novo texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do Direito Civil à luz da nova Constituição”.

A Constituição Federal de 1988 quebrou paradigmas a respeito do Direito de Família, numa visão moderna e sem preconceitos, provocando uma verdadeira resolução com os princípios trazidos.

Falar em Direito de Família constitucionalizado implica dizer que há princípios, previstos na Carta Magna, que dão suporte a esse ramo do Direito Civil, transcendendo a legislação infraconstitucional. Contudo, advirta-se que embora se fale em princípios que amparam à temática é oportuno ressalvar que “não pretendeu o constituinte engessar a estrutura familiar contemporânea” (OLIVEIRA, 2002, p. 276).

Assim, segundo Clóvis Beviláqua (1976, p.20), o Direito de Família era composto pelo enfeixamento de relações que se originam da família como a regulamentação do casamento com seus respectivos efeitos pessoais e econômicos, a determinação do parentesco, do dever alimentar, do pátrio poder, da tutela e da curatela.

O Direito de Família deve ser analisado sob o prisma da Constituição Federal, o que traz uma nova dimensão de tratamento sobre família.

Nesse aspecto o ideal kelseniano surgiu sob um aspecto jurídico, na qual no seu sentido lógico-jurídico ou formal, a constituição seria um conjunto de normas jurídicas que somente pode ser modificado com a observância de requisitos especiais, seria, pois, uma norma fundamental servindo de alicerce lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positiva, ou material - sua segunda acepção - que equivaleria à norma positiva, balizadora para a criação de outras normas (KELSEN, 1998, p.182).

Essa noção geral da constitucionalização do Direito Civil se faz necessária à medida os princípios do Direito de Família foram elevados ao patamar constitucional.

Daí repercute uma “dimensão publicizada” da família (FACHIN, 2003, p. 76), ou seja, esta não é orientada apenas por princípios de direito privado (como a autonomia da vontade), mas primeiramente por outros valores, quais sejam, os princípios constitucionais, os quais vinculam todo o tratamento jurídico direcionado aos arranjos familiares.

O afeto de fato não está presente na Carta Magna, mais hoje em dias ele é fundamental para caracterizar a família e valorizar o principio da dignidade da pessoa humana. Pois a afetividade possui fundamentos jurídicos razão pela qual rege as relações familiares.

Os artigos 226 e 227 da Constituição Federal que trazem, entre outras coisas, a igualdade entre todos os filhos, inclusive os advindos de adoção, somente corroboram o que as relações sociais e diversas outras matérias já vêm apontando há muito tempo.

Com a “desbiologização” da paternidade, ao se perquirir o que de comum sobra nas relações entre as mais diversas entidades familiares existentes hoje, a resposta primordial deve ser o afeto.

A socioafetividade caracteriza a relação paterno-filial e seus fundamentos jurídico-constitucionais, pois a constituição dá amplo direito a esse novo modelo de família.

O modelo de família formada na Constituição é o advindo de casamento, por questões culturais e religiosas, na qual pessoas que se amam formavam famílias “felizes” construindo um lar de afeto para dá suporto aos futuros filhos.

Porém com o decorrer dos tempos o conceito de família se torna fragilizada, na qual a família que era entre pai, mãe e filhos comuns havidos no casamento, passou a ter filhos constituídos fora do casamento, na qual esses há tempos atrás sofriam preconceitos e nem eram reconhecidos pelos pais biológicos.

O direito de família, utiliza princípios trazidos pela Constituição que de forma mais fácil e cômoda, acaba por deixar vestígios de sistemas anteriores baseados em ideias contrárias ao progresso da humanidade.

Segundo Netto Lôbo (2000, p.4), a Constituição Federal traz três fundamentos que podem ser considerados essenciais para a determinação do chamado princípio da afetividade, que vêm a ser a igualdade entre todos os filhos independente da origem, consolidada no art. 227, §6º; a questão da igualdade dos filhos adotivos prevista também no art. 227, §§5º e 6º, que, segundo é cediço, baseia-se sobremaneira nos laços de afeto; e, por fim, a ampliação do conceito de família trazida pelo art. 226, §4º, o que vem corroborar, mais uma vez, com a chamada “desbiologização” do Direito de Família.

Atualmente a afetividade é o que predomina a família, não importando a origem do seio familiar, pois onde houver afetividade de fato o direito de família amparado pelas normas constitucionais protege a todos. Como se percebe, muitos tribunais já se manifestando no sentido de reconhecer a afetividade como vetor predominante no seio familiar, a ideia de família puramente biológica.

Portanto, o afeto deve estar presente na formação da família, permitindo o princípio da dignidade da pessoa humana se fazer efetivo nas relações familiares.

Os novos modelos de família tendem a tornar a instituição mais igualitária, além de consentânea com a nova realidade que se apresenta a cada dia, menos sujeita a regras e aos preconceitos e fomentadora do que de mais positivo pode haver no homem: o amor.

Desse modo é que deve ser entendido, para afastar a possibilidade de criar problemas através de um mecanismo que deveria se prestar à solução dos mesmos. Afinal, “a finalidade da lei não é imobilizar a vida, cristalizá-la, mas permanecer em contato com ela, segui-la em sua evolução e a ela se adaptar” (DIAS, 2005, p.4)

Contudo, o novo conceito de família encontra parâmetros na afetividade entre as pessoas que convivem no mesmo seio familiar, não importando se elas são do mesmo sangue.

3-    CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi exposto, percebe-se que a constitucionalização do direito de família, provocou mudanças de suma importância, pois com a inserção dos princípios essências no texto constitucional proporcionou direitos iguais a todos, sendo aplicados de forma parcial nas relações paterno-familiares.

Os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade de escolha, foram essências para que a constitucionalização do direito de família ocorresse, pois assim surgiu a figura da afetividade que por sua vez tem um peso muito mais relevante na aplicação do direito de família no caso concreto, pois onde há afeto há amor, independentemente do modelo de família que fora constituído no lar.

A afetividade vem exercendo um papel privilegiado no reconhecimento do estado de filiação. Com isso surgiu o novo conceito de família, influenciado pela cultura, religião, entre outros, necessita que seu conceito se ajuste à realidade social.

Por isso se pode dizer que a verdadeira filiação é estabelecida segundo critérios de amor e não critérios meramente jurídicos. Havendo relação biológica, é bom que haja, também, relação de carinho.

4-   REFERENCIAS

BEVILAQUA, Clóvis. Direito de Família. 7. ed. correta e aumentada de acordo com o Código Civil e legislação posterior. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

CARNEIRO, Sérgio Barradas. Os efeitos do afeto elevados a valor jurídico. Salvador, 2004. Disponível em http://www.sergiobc.com.br/artigos/livro-sbc.pdf. Acesso em 06 maio 2007.

DIAS, Maria Berenice. A ética do afeto. JusNavigandi, Teresina, ano 9, n.668, 4 maio 2005. Disponível em: http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6668. Acesso em 06 maio 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V.5: Direito de Família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

FACHIN, Luiz Edson. Paternidade e ascendência genética. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes Temas da Atualidade: DNA como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LACAN, Jacques. Os complexos familiares na formação do indivíduo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi. Teresina, ano 4, n.41, maio 2000. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527. Acesso em: 06 maio 2007.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução do Direito Civil Constitucional. 2. ed. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.