Constitucionalidade da absolvição sumária no sumário de culpa

Bernardo Torres Theodoro Selaysim e Souza 

Resumo

Este trabalho apresenta o instituto da absolvição sumária no processo penal, no procedimento do tribunal do júri, e tece uma análise acerca da constitucionalidade do instituto frente a atribuição de competência do tribunal do júri feita pela Constituição da Republica brasileira, por uma exposição doutrinária e jurisprudencial do instituto. 

Palavras chave: Absolvição sumária. Tribunal do júri. Constitucionalidade. Processo penal. Competência. 

Introdução

      A Constituição da República de 1988 determinou a competência do tribunal do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Entretanto, o instituto da absolvição sumária em fase de sumário de culpa parece usurpar essa competência, por dar ao juiz togado a capacidade de absolver o acusado, analisando matéria de mérito da lide penal, em detrimento do julgamento pelos jurados, em fase de parlatórios. O objeto do presente estudo é a análise da alegação dessa usurpação de competência, por uma comparação entre a posição de doutrinadores pátrios, bem como a orientação jurisprudencial acerca do tema. 

Constitucionalidade da absolvição sumária no sumário de culpa 

A competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida se encontra no artigo 5º da Constituição da República, em seu inciso xxxviii, d:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

Disso, entende-se que o julgamento de crimes dolosos contra a vida é exclusiva do tribunal do júri e que, sendo ela exercida por outro juízo, haveria usurpação de competência e violação à garantia do juízo-natural.

            O procedimento do tribunal do júri é bifásico, compreendendo a fase de sumário de culpa e a fase dos parlatórios, onde há julgamento pelo júri, composto por sete jurados, “pares” do pronunciado. A fase do sumário de culpa é um procedimento prévio ao tribunal do júri, iniciada pela denúncia oferecida pelo Ministério Público, em que ele pedirá a pronúncia do acusado, ato necessário para que haja o julgamento do fato pelo júri. Nessa fase há instrução plena, na qual ficará demonstrado haver ou não justa causa para o prosseguimento da ação penal de competência do júri. Caso a houver, seu corolário será a sentença de pronúncia. A decisão quanto à pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição, nesta fase, é feita pelo juiz ou tribunal competente, órgão do judiciário chamado de juízo sumariante. São quatro as possíveis decisões nessa fase: a pronúncia, a impronúncia, a desclassificação e a absolvição sumária. A pronúncia ocorre quando há, pelos elementos probatórios, justa causa para o julgamento do fato pelo júri; a impronúncia quando não a há; a desclassificação quando ficar demonstrado que o crime não é doloso ou não é contra a vida, em que será remetido para o juízo competente.

            A absolvição sumária se encontra no artigo 415 do Código de Processo Penal:

  Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

        I – provada a inexistência do fato; 

        II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; 

        III – o fato não constituir infração penal; 

        IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. 

            Diferentemente da sentença de impronúncia, a sentença de absolvição sumária faz coisa julgada, por julgar o mérito da lide penal. Por isso, argue-se que há usurpação de competência do júri, por dever o julgamento de mérito em processo de crime contra a vida ser feito pelo juri, e não por órgão do juizo. Ocorre que a sentença de mérito que absolve sumariamente declara não haver crime, pois em todas as hipóteses de absolvição sumária não se vislumbra um fato típico, ilícito, culpável, doloso e contra a vida. Se provada a inexistência do fato, não há fato que deva ser julgado pelo júri. Se provado não ser o réu autor do fato, não há autoria, portanto não há porque o júri julgá-lo por fato cuja autoria foi provada em instrução criminal não ser sua. Se o fato não constituir infração penal, fato houve, mas sequer típico tal fato é, não cabendo julgamento pelo tribunal do júri. Se demonstrada a isenção de pena ou a exclusão do crime, está também afastada a competência do júri pois essa determina-se em razão de crime doloso contra a vida, e essas causas afastam o crime em si, não havendo portanto o

Do art. 415 se observa que as hipóteses de absolvição sumária deverão estar provadas no curso do sumário de culpa. Significa dizer que, da instrução do sumário de culpa se entende, pelo conjunto probatório, não haver dúvida quanto à existência de uma causa de absolvição sumária; deve estar provado havê-la. Havendo a dúvida, deverá o juiz pronunciar ou impronunciar o acusado, observado o caso concreto. Na doutrina de Fernando Capez:

“Trata-se de uma decisão de mérito, que analisa prova e declara a inocência do acusado. Por essa razão, para que não haja ofensa ao principio da soberania dos veredictos, a absolvição sumária somente poderá ser proferida em caráter excepcional, quando a prova for indiscutível.”¹

            A competência do Júri é expressa: crimes dolosos contra a vida. As causas de absolvição sumária elencadas no art. 415 do código de processo penal são causas onde se afasta a ilicitude do fato, a culpabilidade do agente, a autoria e a própria existência do fato. Cabe dizer que não há dúvida sobre as causas de isenção de pena, exclusão do crime, não autoria ou inexistência do fato, pois deve-se entender do art. que deverão estar provadas tais situações, na instrução do sumário de culpa. Caso haja dúvida quanto qualquer desses elementos, deverá o juiz impronunciar o acusado, não absolvê-lo.

Há discussão da constitucionalidade do dispositivo da absolvição sumária, pois argue-se que pela disposição do art. 5º inciso xxxviii, d, da Constituição da República, o julgamento de crimes dolosos contra a vida seria competência exclusiva do júri. A absolvição sumária seria um dispositivo que violaria isso, na medida em que uma sentença de mérito, em processo que julga crime doloso contra a vida, redundaria em absolvição pelo juízo, e não pelo juri. Heráclito Antônio Mossin, em sua obra “Júri crimes e processo”, defende tal posição:

“O inciso XXXVIII, alínea d, do art. 50 da Carta Política da República é enfático em exortar: É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurando: a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Portanto, por expressa disposição constitucional, somente o tribunal do júri, como juízo natural ou constitucional, tem competência pra julgar no mérito matéria envolvendo os crimes dolosos contra a vida, não podendo fazê-lo o juiz de direito. Há na hipótese usurpação de competência”²

 

            Entendemos que o instituto da absolvição sumária é plenamente constitucional, pois não afasta o julgamento de crimes dolosos contra a vida do tribunal do júri. Se restar provado no sumário de culpa que o réu não concorreu para a infração, que não existiu a infração, ou que há causa excludente do crime ou isenção de pena, está provado nessa fase não haver crime doloso contra a vida que deva ser julgado pelo tribunal do júri.  Neste sentido, Antonio Scarance Fernandes:

“Quanto a absolvição sumária, há decisão de mérito, mas justificada porque os autos evidenciam conduta lícita, não existindo motivo para submeter o acusado ao constrangimento do julgamento em plenário. Deve o juiz, contudo, agir com cautela para não subtrair dos jurados a apreciação do fato criminoso.”³

            Nesse sentido, a orientação jurisprudencial:

HC 94169 / MT - MATO GROSSO 
HABEAS CORPUS
Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO
Julgamento:  07/10/2008           Órgão Julgador:  Primeira Turma

 

EMENTA Habeas corpus. Processual penal. Sentença de pronúncia. Não-ocorrência de excesso de linguagem. 1. A fase processual denominada sumário da culpa é reservada essencialmente à formação de um juízo positivo ou negativo sobre a existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Ela se desenvolve perante o juiz singular que examinará a existência provável ou possível de um crime doloso contra a vida e, ao final, decidirá (1) pela absolvição sumária, quando presente causa excludente de ilicitude ou deculpabilidade; (2) pela desclassificação do crime, quando se convencer de que o crime praticado não é doloso e contra a vida; (3) pela impronúncia, quando ausente a prova da materialidade ou de indícios de autoria; ou (4) pela pronúncia, se reputar presente a prova e os indícios referidos. 2. Deve-se reconhecer que essa fase requer o exame de provas, necessário, sem dúvida, para fornecer ao Juiz elementos de convicção sem os quais não estará habilitado a decidir e, sobretudo, a fundamentar a decisão que venha a proferir, sem que isso caracterize excesso de linguagem ou violação do princípio do juiz natural. 3. Habeas corpus denegado. 

CONCLUSÃO

            Por todo o exposto, concluímos ser o instituto plenamente constitucional, pois não se subtrai do julgamento pelo júri sua competência, qual seja a de julgar crimes dolosos contra a vida. Se há absolvição sumária, esta se baseia em um lastro probatório pleno, que determina ter havido uma causa de excludente da ilicitude, da culpabilidade, não autoria do acusado ou inexistência do fato.  Em todas as possibilidades aventadas pelo art. 415 do CPP, não há crime doloso contra a vida que reste para ser julgado pelo tribunal do júri, não havendo, portanto, usurpação de competência.       

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3. Ed. Ver., atual. E ampl. –São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 11ª edição. – São Paulo: Saraiva, 2004.

MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri: crimes e processo / Heráclito Antônio Mossin. – São Paulo: Atlas, 1999.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 11ª edição, São Paulo: Saraiva, 2007. 

1 CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 11ª edição – São Paulo: Saraiva, 2004.

2 MOSSIN, Heráclito Antônio, Juri crimes e processo. São Paulo: Atlas, 1999.

3 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3ª edição, São Paulo: Revista dos tribunais, 2002.