Trabalho apresentado como tópico integrante dos temas levantados na disciplina “Mulher na Literatura”, do curso de Letras, ministrado na Universidade Federal da Paraíba no segundo semestre de 2011. O conteúdo do filme citado no título, bem como outras discussões apoiadas em bibliografia diversa, foram relevantes na confecção deste paper.

João Pessoa, 27 de novembro de 2011

MONTEIRO, Marcus Vallerius Magnus de Souza. Considerações Sobre a Representação da Mulher no Exército Americano, à Luz do Filme “A Filha do General”, do Diretor Simon West. João Pessoa, Pb, 28 de novembro de 2011.

RESUMO

O filme do diretor Simon West intitulado “A filha do General”, de 1999, desenvolve uma narrativa onde uma exímia representante do exército americano - a Capitã Campbell, cuja vida ambivalente acaba envolvendo muitos integrantes em sua vida “íntima” e em seu “assassinato” -, é referida pelos algozes que a estupraram e pelo  pai cotado à Presidência dos Estados Unidos, com indiferença. O que a mulher representada no filme nos remete, coincide com questões de discurso e verdade, papel coercitivo das instituições em detrimento de outras [o “discurso do General  pretende suprimir o do investigador]. O General é acusado de que sua “omissão” em proporcionar justiça à memória da filha estuprada e morta,  anteceda a ação, de fato, do real assassino passional. Valores patriarcais seculares também justificam a visão prepotente de alguns personagens. A inclusão de  mulheres nas forças armadas é recente e sua luta compara-se às do século XIX, quanto aos direitos operários, marcados no sufrágio universal. A mitologia, a iconografia e os personagens militares [exceto o investigador] parecem “colocar” a mulher em um lugar ou de esquecimento, ou sob indiferença, ou meramente simbólico, em detrimento à sua capacidade como guerreiras [Amazonas, Capitães, etc.],  e participantes da História e das lutas. Não é o amor paterno relevante, mas o status quo que não pode ser abalado, mesmo que se tenha que encobrir uma grande injustiça.

Palavras-Chave: Corporação, Mulher, Capitã, Exército Americano, Patriarcalismo.

INTRODUÇÃO

Um dos personagens do filme “A Filha do General” [The General’s Daughter] diz em tom afirmativo  e irônico: “Há três maneiras de fazer as coisas: da forma correta, da forma errada e à maneira do Exército”.  Se no filme a “forma” da mulher executar uma ação militar se iguala à dos homens em muitos sentidos, o “conceito” que estes mesmos homens têm dela, ainda não mudou.  A participação da mulher na História das corporações militares, regimentos, fronts de guerra, é tão antiga quanto a não existência ou simples presença delas, nos mesmos setores. Rememoremos Maria Bonita, Anita Garibaldi,  Joana D’Arc, e a Xena fictícia, criada por Tappert e John Shullian, para tv em 1995. As mulheres envolvidas com a ideologia bélica surgem em todos os lugares, na ficção, na Literatura, na realidade e em todos os tempos.

Existem inúmeras fontes para descrevê-las, da Eneida de Virgílio [70-19 a.C.] ao sufrágio universal do século XIX, e muito mais depois disso. Luísa de Paiva Boléo tece algo sobre  a mulher lendária, que contrasta com a vil realidade que trataremos adiante, quando do filme “A filha do General”, mas que esboça uma mulher vencedora que, em tese, não era suprimida tão facilmente pelo homem, dela mantido segregado, pois elas formavam espécies de clãs:

“A lenda das mulheres guerreiras ou Amazonas terá tido início com a batalha de Termodonte, quando os Gregos saíram vitoriosos da batalha contra essas estranhas mulheres. As que ficaram prisioneiras foram levadas nos navios, mas no mar alto elas revoltaram-se e dizimaram os homens. Ignorantes das artes de navegar andaram à deriva e chegaram ao Mar de Azov, onde habitavam os Citas. As Amazonas conseguem de início roubar-lhes os cavalos, mas os Citas acabam vencedores. Só depois de verem os seus corpos inanimados os Citas se aperceberam que tinham estado a lutar contra mulheres. Estranha é a atitude deste dos Citas que, em vez de dizimarem as Amazonas, lhes proporcionam acampamentos junto dos jovens da tribo para «incentivar» o acasalamento para que nasçam homens guerreiros superiores fisicamente. Mas isto passou-se há mais de seis mil anos!”. [BOLÉO;2003]

 Porém, as implicações que cerceiam  sua  existências nesses lugares da História variam conforme a cultura, o tempo, o espaço , enfim.  Há momentos em seus registros, em que a figura da mulher se coadunava tão bem com a do mito, que de eras em eras, ainda ecoa sua passagem na forma de uma deusa. A historiadora Christiane Desroches Noblecourt,  assinala uma interessante relação da mulher, com a navegação e com o mito, que se tinha na antiga Paris [Lutécia], ainda hoje tão remetida à uma cidade preferida pelas mulheres de gosto refinado:

“Muitas vezes, o próprio mastro do barco é substituído pela silhueta da deusa de incomensurável piedade, de profunda solicitude, pois ela conheceu todas as dores, todas as provas. De navegação em navegação, ela chamou a a atenção dos nautas de Lutécia, de modo que a barquinha de vela inchada da mais internacional das deusas da Antiguidade, da esposa e da mãe exemplar, subsiste ainda em nossos dias num símbolo milenar, nas armas da Cidade de Paris!”. [NOBLECOURT;1994,48]

Não é à toa que a imagem da mulher alinhe-se à mitologia. Eric Hobsbawm menciona que: “Na iconografia da esquerda, a figura feminina se manteve mais como uma imagem de utopia: a deusa da liberdade, o símbolo da vitória,a figura que apontava para a sociedade perfeita do futuro”. [HOBSBAWM;1998,158]. Ironicamente, até mesmo quando a imagem da mulher “lutadora” e “mártir”, remetida a seu dia [08 de março],  surge como marco histórico, alguém encontra subterfúgios para contestar:

“Na verdade, a questão da origem  do 8 de Março já é discutida há uns 40 anos. Em 1996, o Jornal do Brasil trazia um artigo da professora da UFRJ, Naumi Vasconcelos, no qual ela dizia que a tal greve de Nova Iorque, em 1857, quando teriam morrido 129 operárias queimadas vivas, nunca existiu. E ela afirma que a origem desta data é bem outra.” [ GIANNOTTI;2004]

Diferente da imagem mitológica arrematada pela autora Noblecourt, no início, nosso tempo, apesar dos direitos e do papel da mulher ter ascendido enquanto condições que sejam “igualitárias” aos dos homens, ainda encontra firmes e tensos obstáculos em lugares ainda hierarquicamente construídos pelo  homem e para o homem [segundo o machismo e orgulho ainda reinante entre muitos militares]. Segundo um portal de notícias brasileiro, não tão conhecido quanto outros, publicou-se em fevereiro de 2010  a seguinte notícia, que fornecer-nos-á  apoio para prosseguir às discussões  levantadas  pelo filme “A Filha do General”:

“Em meados de 2009,a  capitã Margareth White foi vítima de assédio e abuso sexual dentro de um acampamento militar no Afeganistão. Segundo um levantamento do Pentágono, somente 10% dos casos de agressão sexual no exército americano são descobertos, embora os relatos não parem de crescer entre os militares.[8]

Um  outro  sítio eletrônico, desta vez mais conhecido, publicara em março de 2007 que:

“Opositores  em escalar as mulheres em combates por terra insistem em que a presença delas poderia afetar a eficiência e coesão das unidades de luta e acusam e acusam o exército de brincar com semânticas e sofismas para mandar mulheres para batalha. Elaine Donnelly, presidente do conservador Centro para Prontidão Militar, denunciou que mulheres têm sido enviadas para combate em funções que, no papel, parecem ser fora da linha de fogo. Segundo Donnelly, elas estão sendo colocadas em combates direto por terra. Ela afirma que o exército está pondo seus soldados em perigo devido à desvantagem física das mulheres em situações de combate e que ligações românticas poderiam prejudicar a coesão da unidade”. [9]

PARTE I

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERSONAGEM NO FILME

“As mulheres frequentemente salientaram que os historiadores do sexo masculino no passado, inclusive marxistas, ignoraram grosseiramente a metade feminina da raça humana. A crítica é justa: este escritor aceita que se aplique à sua própria obra. Entretanto, se esta deficiência deve ser corrigida, não poderá ser simplesmente pelo desenvolvimento de um ramo especializado da história que trate exclusivamente das mulheres, porque na sociedade humana os dois sexos são inseparáveis”. [HOBSBAWM; 1999,143]

O filme, dirigido por Simon West e lançado após o lançamento da obra do autor acima citado [1998], a nosso ver, suscita não apenas essas grosseiras considerações sobre a mulher encaradas pela personagem   [Capitã Elizabeth Campbell, foto na página seguinte], como objeto sexual, mas sim, lembra-nos que há um “olhar” que ainda persiste nas sociedades hierarquizadas, como o Exército americano, bem apontada por Hobsbawm acima. No filme de 1999, intitulado “The General’s Daughter”, a narrativa  expõe o “outro” lado que circunda e refreia os limites que a mulher pode conquistar por causa própria. Ou seja, uma vez que o filme relata uma mulher nas forças armadas dos Estados Unidos, cujo posto fora conquistado por mérito, encontra a “inveja e certos episódios repletos de conotações pejorativas em relação a sua figura, e o pior ainda, é que o filme exibe o próprio pai como aquele que coloca os interesses políticos, emblemáticos, de status quo, à frente da defesa e até da proteção à vida da própria filha, quando este é um candidato “cotado” para a Presidência americana. Outro ponto interessante é que os algozes que a estupram e ameaçam-na, aparecem de caras mascaradas, enquanto ela, está  de “cara limpa” e olhando para o céu, parecendo-se, de acordo com alguns “takes” de cena, estar “crucificada”. Conquanto sua relação, amiúde, a tenha propiciado estar à mercê de fatos como tais, não é isso o tom da trana, mas o quanto, apesar disso, a figura feminina dentro  de um  posto do exército, causa conflito e menosprezo. Há uma cena onde o próprio pai, em entrevista ao investigador [ato r John Travolta] relembra a este que sua filha falava cinco idiomas e preparava uma ótima torta de limão. Ou seja, os “dotes’ intelectuais e culinários foram notados, exceto os méritos de sua carreira dentro da corporação, conquistados assim como os homens puderam  também fazê-lo.

Foto de uma cena do filme "A Filha do General", aqui não exibida por motivos técnicos, porém, esta se encontra no artigo original na pág. 05. Trata-se de uma das primeiras cenas do filme em que o protagonista,  futuro encarregado da investigação do assassinato da Capitã Campbell [direita da foto], trava conhecimento sobre a jovem em um diálogo informal. [John Travolta and Leslie Stefanson in The General's Daughter.
(© 1999 Paramount Pictures Corp. All rights reserved.). Disponível em: http://www.imagesjournal.com/issue08/reviews/general/. Acesso em 28 de novembro de 2011.

 PARTE II

O FILME E A RELAÇÃO COM NOSSO TEMPO

“O Exército dos E.U.A. é o principal ramo das Forças Armadas naquele país responsável pelas operações militares terrestres. É´ o maior e mais antigo ramo estabelecido nas forças armadas, e  um dos sete serviços uniformizados dos EUA. O exército moderno tem suas raízes no Exército Continental, que foi formado em 14 de junho de 1775, antes do estabelecimento dos Estados Unidos, para atender às demandas da Guerra Revolucionária Americana. O Congresso da Confederação criou oficialmente o Exército dos Estados Unidos em 03 de junho de 1784, após o fim da guerra, para substituir o Exército Continental dissolvido. O Exército se considera descendente do Exército Continental e, assim, a sua criação data das origens desta força.A principal missão do Exército dos Estados Unidos é "proporcionar forças e capacidades necessárias ... em apoio à Segurança Nacional e Estratégias de Defesa." O exército é um serviço militar dentro do Departamento do Exército, um dos três departamentos militares do Departamento de Defesa. O exército é chefiado pelo Secretário do Exército, e o mais alto posto militar no departamento é o Chefe do Estado Maior do Exército. No ano fiscal de 2010, o Exército Regular relatou uma força de 561.979 soldados, a Guarda Nacional do Exército (ARNG) relatou 362.015, e o Exército Reserva (USAR) relatou 205.281, colocando o total de componentes de forças combinadas em 1.129.275 soldados.”[10]

O ano de produção do filme é emblemático, remonta ao massacre de Columbine, EUA [20/04/99] e foi um tempo onde o noticiário enfatizara lugares remotos à nosso “olhar” ocidental, devido às guerras ou tratados, como o de Macau, devolvido por Portugal à China; e às guerras em Maio de 1999, onde o  Paquistão mandara tropas para ocupar a Caxemira; e continuara a guerra do Kargil com a Índia, perdida pelo Paquistão. Ao vislumbrarmos um filme que trata da condição da mulher americana no exército estadunidense, serce-nos para uma análise crítica sobre as instituição, que não p exército, mas onde a odeolgia masculina precede certos direitos conquistados pela mulher, Já que acima citamos Hobsbawm, em relação a iconogradia de esquerda possuiir umagens femininas, lembremo-nos que 1999, ano do filme em questão, se comparafo ao começo da década, temos que a década de 90 começou com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, sendo esses seguidos pela consolidação da democracia, globalização e capitalismo global. Em tese, foram valores construídos quase na maioria pelo contingencial de homens, e a mulher na corporação militar, em todo esse processo histórico:

No artigo de Giannotti, percebemos que os anos terminados em “9”, ou dele próximo, são consideráveis  marcos em relação às discussões sobre a mulher. Ele reúne alguns deles, intitulando-os como “Datas Básicas para a Origem do  8 de Março”: 

  • 1908 Em Chicago (EUA), no dia 3 de maio, é celebrado, pela primeira vez, o Woman´s Day. A convocação é feita pela Federação Autônoma de Mulheres.
  • 1909  Novamente em Chicago, mas com nova data, último domingo de fevereiro, é realizado o Woman's Day. O Partido Socialista Americano toma a frente.
  • 1918  Alexandra Kollontai lidera, em 8/3, as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, em Moscou, e consagra o 8/3 em lembrança à greve do ano anterior, em São Petersburgo.
  • 1918   Alexandra Kollontai lidera, em 8/3, as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, em Moscou, e consagra o 8/3 em lembrança à greve do ano anterior, em São Petersburgo.
  • 1969  Nos Estados Unidos, o movimento feminista ganha força. Em Berkley, é retomada a comemoração do Dia Internacional da Mulher.

Em relação á nosso tempo, o filme “A Filha do General”, ao demonstrar que o conceituado General, que está sendo cotado para compor a chapa para presidência americana, ao sofrer o revés [sua filha encontrada amarrada, nua e estuprada], este, mesmo que valorizasse e “teoricamente’ amasse a filha, não se deixa levar pelas circunstâncias de “amor paterno”, preferindo convencê-la do contrário disso, deixando-a abismada. Ao final do filme, a declaração de seu “antigo conhecido”, que agia sob disfarce, de que o General a “matou antes’ do assassino, quando relegou toda tragédia que a filha passou ao esquecimento,  para não comprometer as “bases” da corporação, demonstra que a mulher, seja em que posição estiver diante do homem [se como filha, algoz, companheira], ficaria à mercê deste. Isto quando certos valores em que o mundo ocidental se assenta forem contestados [no caso, a “honra” daquele Posto do exército] por minorias, e a mulher é uma delas, mesmo representando, segundo o censo nos Estados Unidos [assim como no Brasil], mais mulheres que homens, à medida que avançam em idade:

“Segundo dados de maio 2008, os EUA possuíam 303.824.646 habitantes. A distribuição de acordo com a idade se dá da seguinte maneira: 0 – 14 anos: 20,1% (31.257.108 homens e 29.889.645 mulheres); 15 – 64 anos: 67,1% (101.825.901 homens e 102.161.823 mulheres); 65 anos ou mais: 12,7% (16.263.255 homens e 22.426.914 mulheres). Já a distribuição de sexo ocorre assim: no nascimento 1,05 homem/mulher; menores de 15 anos, 1,05 homem/mulher; 15 – 64 anos, 1 homem/mulher e acima de 65 anos, 0,97 homem/mulher.” [PACIEVITCH;2009]

Sendo maioria demográfica, associada às iconografias da História [estatua da Justiça em Brasília, monumento à “Liberdade” por meio da simbologia por trás da “Estátua da Liberdade” em  Nova Iorque, a deusa preferida por Júlio César ser Vênus, etc.], com tudo isso, ainda no âmbito “mitológico” – e não por acaso -, no filme, a “minoria” de mulheres integrantes daquela força armada, que, diríamos, se fazem  representar na Capitã Elizabeth Campbell, pois outras conquistaram iguais honrarias, como a Capitã Margareth White [2009], que sofreu abuso sexual no Afeganistão, como a protagonista do filme. Com isso, diríamos além do ambiente militar ser uma conquista da mulher, que nele vai sofrer ainda as implicações por sua simples presença, seja na condição de superior ou não, na História, parece que as mulheres conseguem afirmação em ambientes onde travam  lutas, ou que demonstrem ações e reações que se igualam ao homem, para assim afirmarem-se, como no ambiente operário do século XIX, sendo segundo Hobsbawm [1998]  inseparável do sexo masculino.

“Para a minoria de mulheres emancipadas de todas as classes, inclusive as operárias, o movimento operário forneceu as melhores oportunidades para que se desenvolvessem como seres humanos, inclusive como líderes e figuras públicas”. [HOBSBAWM; 1998, 157].

PARTE III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O medo da concorrência econômica das trabalhadoras, quanto à manutenção da “moralidade” se combinaram para conservar as mulheres fora ou à margem do movimento operário – exceto no papel convencional de membros da família.” [idem]. A personagem que, apesar do posto elevado que conquistou  na carreira militar, galgando o trajeto similar dos homens em sua esfera de ação, encontrou tanto na família [na figura do pai], quanto nos “compatriotas” militares [em condições diferentes], seus opositores maiores, pois o maior deles, em tese e ainda em vias de conquista, são as leis, a liberdade, as normas e o lugar social da mulher nas instituições americanas. O estupro e violência insuflados, como uma trama urdida entre soldados, sobre  a Capitã, foram tão postos de lado em nome de suas carreiras, que o fato da jovem ser uma “Capitã”, de nada adiantou . Comparemos, salvo as diferenças de roteiro, à outra estória que trata de violência contra a mulher, vivida pela atriz de Los  Angeles,  Jodie Foster, cuja violência de estupro praticada em uma bar, deixa-a tal qual a  personagem de “The General’s Daughter”,  porém viva. Ela, a protagonista do filme “The accused” [1988], não possui os “emblemas” do exército americano,  onde no filme de 1988, uma jovem é estuprada e seus algozes “riem” da justiça e de sua defensora pública. O que desperta atenção é que é a mesma violência praticada por dois grupos sociais distintos – militares em um e civis, no outro -, os quais utilizam termos pejorativos com  mesma intensidade quando iam se referir à vítima. É interessante ressaltar que o Exército Americano é um avanco em relação ao brasileiro, pois aquele tem mulheres não só na condição de operantes na burocracia, mas integram contingentes para o Iraque e Afeganistão, por exemplo, em tempos de guerra. O Brasil é neutro, claro, mas queremos comparar o “destaque” dado à essas integrantes, onde aqui não se “percebe” tanto isso. Mas não seria, pois, uma característica de países em guerra, onde se incluem as “minorias” às frentes de batalha?  As três forças armadas no Brasil, por exemplo, compõem quadros de mulheres em muitos postos. Esse aspecto é corroborado na seguinte afirmativa:

“A partir da segunda metade do século XX as forças armadas de vários países do mundo começaram a admitir mulheres, que receberam formação idêntica a dos homens. Esse processo marca uma ruptura na história dos exércitos ocidentais, abrindo espaço para uma atuação diferente das funções auxiliares e modificando o esquema tradicional de recrutamento, alistamento e participação das mulheres apenas em tempos de guerra.”[10]

Em “The General’s Daughter”, também podemos verificar os discursos dos que têm alta patente, como se fosse “acima da lei”. O protagonista é indagado pelo General se ele era um soldado investigador ou um soldado à serviço da polícia. É como se o indagasse de que “lado” ele está e se não trairia os velhos laços que ambos tinham na instituição. O discurso de “verdade”  não só faz vista grossa perante o crime sofrido pela Capitã, quanto também  desdenha da instituição que tem papel policial,  mas não é “de dentro do posto”. Sobre essa “verdade” que era defendida dentro do Exército, no filme, temos:

“Enfim, creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando de nossa sociedade – uma espécie de pressão e como que um poder de coerção.” [FOUCAULT; 2009,18]

Considerando que a abordagem sócio  política do filme, acreditamos que a admissão das mulheres em uma instituição secularmente construída sob a ideologia patriarcal e por vezes machista – sob o escopo judaico-cristão que endossa parte dessa premissa -, à despeito da conquista das mulheres no Exército dos E.U.A., estas ainda têm  o enfrentamento “velado” e “mascarado” por aqueles que nelas podem ver um concorrente em potencial ou alguém que poderia se destacar melhor que eles, no mesmo posto e na mesma situação, se lhes fossem requeridas provas para tanto.  Interessante também notar que o personagem homossexual do filme, militar, teve quem o defendesse “dentro” da corporação, não sendo sequer parente, mas na condição de “amante’. Os vídeos que comprometiam a Capitã, servem para estampar o quanto nos ”bastidores”, a mulher  ainda facilita a continuidade dos mesmos valores masculinos de dominação, sedução e que possuem uma via de mão dupla, pois se a Capitã teve a omissão do próprio pai, ela mesma omitiu, ao permitir as filmagem com os amantes “mascarados”, que suas identidades fossem igualmente “omitidas”. Embora o que desejamos é ressaltar até que ponto a condição da personagem  expõe os discursos de verdade, de machismo e ideologia no Exército Americano. Este, por sua vez, sustenta uma ideologia de proteção nacional, é um Aparelho Ideológico à serviço do Estado [Althusser] e traz consigo, a ideia de patriarcalismo, o qual, em todos esses aspectos, é a figura do homem que está adiante, com seus valores e instituições consagradas por ele. A mulher, enquanto “Capitã”, como no filme, mesmo já tendo por trás de si uma história de conquista democrática naquele país Ainda assim, é como se causasse a sensação de que essa mulher está “chegando agora”, como se ainda não estivessem acostumados com sua posição de mérito, e isso denota inconformismo perante os fatos históricos.  No passado medieval as mulheres estavam à mercê de condenações bárbaras, se fossem acusadas de prostituição ou bruxaria [[1]Jean Delumeau], sem que se lhes considerassem suas identidades. No filme, a identidade de Capitã foi tão menosprezada quanto a das bruxas ou outras pessoas que sofreram  a sorte da Inquisição na Idade Moderna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLÉO, Luísa de Paiva. Mulheres Guerreiras. Texto revisto em 18 de março de 2003. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos/mulheres-guerreiras/mulheres-guerreiras.shtml. Acesso em 27 de novembro de 2011

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Aula Inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996.

GIANOTTI, Vito. O Dia da Mulher Nasceu das Mulheres Socialistas. Artigo publicado em 08 de março de 2004. Disponível em: http://www.piratininga.org.br/memoria/mulheres-vito.html Acesso em 27 de novembro de 2011

HOBSBAWM. Eric J., Pessoas Extraordinárias. Resistência, Rebelião e Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 1998

MARIUZZO, Patrícia. Mulheres nas forças armadas desafiam conceito de soldado. Cienc. Cult. vol.60 nº.4 São Paulo Oct. 2008. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S000967252008000400005&script=sci_arttext. Acesso em 27 de novembro de 2011.

NOBLECOURT,  Christianne  Desroches.  A Mulher no Tempo dos Faraós. Campinas, São Paulo: Papirus Editora,  1994

PACIEVITCH, Thaís. População dos Estados Unidos. Disponível em: http://www.infoescola.com/geografia/populacao-dos-estados-unidos/. Acesso em 27 de novembro de 2011.

[8] http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2007/03/06/ult34u175891.jhtm

[9]http://www.vermelho.org.br/tvvermelho/noticia.php?id_secao=29&id_noticia=124346

[10] Exército Americano. Guias de Armas de Guerra. A organização, a moderna artilharia e os blindados da mais avançada força terrestre de todo o mundo. Vol. 01. São Paulo: Nova Cultural,  1986


[1] Nota de rodapé: O referido autor, que escreveu além da citada obra, “O Pecado e o Medo”, trata em sua obra “A História do Medo no Ocidente [1300-1800], as relações com a cultura,a Igreja e o tempo, nas questões em que se envolviam bruxaria, condenações, etc.