1. INTRODUÇÃO

Muito se tem escrito sobre as deficiências do ensino de gramática, não apenas nas escolas públicas, mas em todo o sistema educacional. O uso da gramática tradicional, em geral, vem gerando grandes polêmicas, entre os professores, ao longo dos últimos anos. Alguns defendem que o ensino da gramática tradicional é importante uma vez que os falantes de uma língua precisam dela para se comunicar; outros condenam tal uso, pois, privilegiam o ensino da oralidade. Contudo, segundo Teixeira e Santos, "cresce o número de professores que, conscientes de que o estudo da gramática deve habilitar os alunos a usarem adequadamente os recursos lingüísticos, tem enfatizado abordagens diferentes das tradicionais", entretanto, muito ainda se falta, principalmente porque o sistema educacional ainda exige um ensino de Língua Portuguesa centrado em uma concepção tradicional, dificultando, assim, que o professor apresente a heterogeneidade lingüística.

Discorrerei, portanto, sobre o tema proposto objetivando apenas uma reflexão a cerca do tema, uma vez que o meu objetivo não é o de desenvolver um trabalho exaustivo.

2. ConceITOS de gramática

Uma vez que a questão levantada nesse trabalho é o ensino de gramática, é preciso falar o que se entende por gramática.

Nesse sentido, apresentaremos, nesta seção, os três tipos de gramática, senão vejamos:

2.1. Gramática Normativa

Esse tipo de gramática pode ser entendida como o conjunto das regras "do bem falar e do bem escrever". Para essa concepção, rotulada normalmente como gramática normativa, "gramática é o conjunto sistemático de normas para falar bem e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores" (cf. TRAVAGLIA, 1996, p. 26). Nesta acepção apenas uma variedade da língua está em jogo: a norma culta ou padrão, sendo esse padrão, segundo Mioto (2004) que guiará os julgamentos do que é "certo" ou "errado" na língua. Consequentemente, se uma sentença se apresenta como padrão ela será considerada "certa", caso contrário "errada".

2.2. Gramática Descritiva

De acordo com Travaglia (1996), esse tipo de gramática tem sido chamada de gramática descritiva, porque faz, na verdade, uma descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função. A gramática dessa forma, seria então, "um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e método" (cf. TRAVAGLIA, 1996, p. 27).

De acordo com essa concepção, saber gramática significaria ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade, o que implicaria a utilização de uma metalinguagem específica da teoria lingüística adotada.

2.3. Gramática Internalizada

Esta terceira concepção de gramática é aquela que, considerando a língua como um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado, percebe a gramática como o conjunto das regras que um falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar (cf. TRAVAGLIA, 1996, p. 28).

Segundo o autor citado, nesta concepção de gramática não há o erro lingüístico, mas a inadequação da variedade lingüística utilizada em uma determinada situação comunicativa, por não atendimento das normas sociais de uso da língua, ou a inadequação do uso de um determinado recurso lingüístico para a consecução de uma determinada intenção comunicativa. Dessa forma, a gramática internalizada seria o conjunto de regras internalizadas que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar.

Saber gramática, então, não dependeria, em princípio, de escolarização ou de aprendizado sistemático, mas do amadurecimento progressivo, na própria atividade lingüística.

3. A GRAMÁTICA TRADICIONAL

Segundo Bogo (1982),a Gramática Tradicional do português (doravante G.T), objeto de ensino da língua portuguesa nas escolas de 1° e 2° graus, tem origens greco-latinas. É, por isso, normativa, como eram as gramáticas grega e latina, embora se preocupe muito mais com o registro de uma norma lingüística padrão, ao invés de estabelecer regras do correto uso da língua.

Entretanto, segundo o autor, além de se constituir num compêndio normativo, a GT nos revela também um enfoque descritivo da língua. Dessa forma, examinada sob esse aspecto, mostra-nos total falta de coerência, quando emite conceitos e analisa fatos.

De acordo com Petter (2003) a GT ao fundamentar sua análise na língua escrita, difundiu falsos conceitos sobre a natureza da linguagem. Assim sendo, ao não reconhecer a diferença entre língua escrita e língua falada passou a considerar a expressão escrita como modelo de correção para toda e qualquer forma de expressão lingüística. Contudo, a GT assumiu desde sua origem, como apresentada acima, um ponto de vista prescritivo, normativo em relação à língua.

De acordo com esta mesma autora, essa tradição serve de modelo ainda hoje, principalmente nos países onde há a preocupação em desenvolver e fortalecer uma língua padrão, fornecendo argumentos para se acreditar que existe uma única maneira correta de se usar a língua.

Mais adiante Petter (ibid.) diz que nas sociedades contemporâneas expressar-se segundo a norma, falar certo continua valorizado, porque a correção da linguagem está associada às classes altas e instruídas, sendo esta, segundo a autora, uma das marcas distintivas das classes sociais dominantes.

Para finalizar, Petter (2003) diz que a conjunção do descritivo e normativo efetuada pela GT opera uma redução do objeto de análise que, de intrinsecamente heterogêneo, assume uma só forma: a do uso considerado correto da língua.Nesse sentido, na maioria dos casos, é esse o uso único que vai ser estudado e difundido pela escola, em detrimento de um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos lingüísticos.

4. O ENSINO DA GRAMÁTICA TRADICIONAL

O ensino de Língua Portuguesa destina-se a preparar o aluno para lidar com a linguagem em suas diversas situações de uso e manipulações, pois o domínio da língua revela-se fundamental ao acesso às demais áreas do conhecimento. Para tanto, é necessário ter-se profissionais qualificados uma vez que são eles o mediador de relações dada a sua potencialidade para provocar reflexões e novas práticas em cada aprendiz. É a partir do contato com o professor que o indivíduo se transformará e passará, através das discussões em sala de aula, a desenvolver seus pensamentos críticos em relação ao mundo. É fundamental, portanto, que esse profissional esteja preparado para desenvolver um trabalho centrado no processo de aprendizagem, levando em consideração as especificidades de cada aluno.

Segundo Hélio Consolaro, a metodologia do ensino do português, possui várias correntes. Os professores gramatiqueiros, aqueles que baseiam suas aulas unicamente nas regras da gramática tradicional são a grande maioria. Hoje, o que mais vemos nas escolas são professores que seguem uma metodologia unicamente tradicional, deixando de lado a funcionalidade da língua, uma vez que isso deveria ser apresentado aos alunos.

Em uma sala de aula, vemos, desde o ensino fundamental até o ensino médio, o docente apresentar aos alunos uma gramática com o objetivo de fazê-lo aprender suas regras, realizando um estudo normativista da Língua Portuguesa, não permitindo, assim, uma reflexão acerca de seus usos na modalidade oral e escrita em diversos contextos de comunicação. É bem certo que, é importante que o aluno tenha acesso à norma padrão, contudo, não apenas a ela, mas a outras normas. Ao se fazer isso, será possível que ele reflita sobre a língua em suas modalidades de uso. Segundo Silva (1986, p. 126) apud Suassuna (1995), "ao estudar a língua em funcionamento, o aluno deixa de estar a serviço do conteúdo". Geraldi (1985) apud Suassuna (1995, p. 126) diz que:

[...] uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra coisa é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua, se apresentam suas características estruturais e de uso.


           Segundo Mioto (2004), normalmente o termo gramática nos leva a pensar em um livro grosso e pouco confiável, cheio de regras que jamais conseguimos decorar e que, na melhor das hipóteses, tem uma conexão distante com a língua que falamos.

Esses professores apresentam aos seus alunos um conjunto de regras que devem ser apreendidas/seguidas, distanciando à língua da sua real funcionalidade lingüística. O problema desse ensino tradicional e consequentemente desse distanciamento são questionamentos do tipo: eu não sei português, estudar português é muito chato, etc.

Dessa forma, ao se estudar gramática e ao seguir suas prescrições, tais questionamentos surgem, pois os alunos se deparam no ensino de Língua Portuguesa com um conjunto de regras e exceções e, essas regras, muitas vezes, não condizem com as formas lingüísticas utilizadas por eles.

5. CONCLUSÃO

O tema proposto objetiva apenas uma reflexão sobre o "Ensino de Gramática", uma vez que o meu objetivo, neste trabalho, não é o de desenvolver um trabalho exaustivo a respeito do tema, mas sim apresentar algumas considerações a respeito do ensino da gramática Tradicional.

Como foi apresentado, o uso da gramática, em sala de aula, está sendo aplicado, numa perspectiva tradicional, ocasionado por um sistema educacional que ainda exige um ensino de Língua Portuguesa centrado em uma concepção tradicional. Fato este distancia os alunos de uma realidade lingüística diferente da que vive, uma vez que a língua é heterogênea.

No Brasil, nos últimos tempos, a variação linguística na escola tem sido objeto de complexos debates lingüístico-pedagógicos, levando uma profunda insegurança, sobretudo, entre os professores e futuros professores de Língua Portuguesa.

Há alguns anos, para a grande maioria dos professores de português, essa questão não existia, predominando a visão de que a principal função da escola era enquadrar os alunos à variedade culta da língua nacional.

Com esse pressuposto inquestionável, professores ''bem intencionados'' confundiam comumente a educação com a caça às formas sintáticas, lexicais e fonéticas, transformando as aulas de português em ensino da gramática normativa. A grande função do professor era corrigir o "português errado".

Segundo Bagno, as gramáticas são consideradas como "uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um igapó, à margem da língua". Dessa forma, a língua é como um rio que se renova, enquanto a água do igapó, a gramática normativa, envelhece, não gera vida nova a não ser que venham as inundações.

Contudo, nós como professores da língua-materna e conhecedores da heterogeneidade lingüística, devemos apresentar aos nossos alunos um ensino de Língua Portuguesa que vise explicar sua funcionalidade, ao invés de seguirmos um conjunto de regras e prescrições que acabam distanciando a língua da forma como ela é falada. Ao fazermos isso, estaremos melhorando o ensino de Língua Portuguesa e consequentemente questionamentos do tipo: não sei português, estudar português é muito chato, não ocorrerão.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, M. Preconceito lingüístico. São Paulo: edições Loyola, 1999.

BOGO, O. Gramática tradicional: visão crítica de alguns conceitos. Dissertação (mestrado em Lingüística) – PUC-PR, 1982.

CONSOLARO, H. O ensino da língua. Disponível em: http://www.portrasdasletras.com.br.php?op=polemica/docs/ensinodalingua. Acesso em: 21/12/06, hora: 17h 30.

MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2004.

SUASSUNA, L. Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas. São Paulo: Papiros, 1995.

PETTER, M. Linguagem, língua e lingüística. In: FIORIN, José Luís. Introdução à lingüística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

TEIXEIRA, C. de S.; SANTOS, L. W. Ensino de Gramática, Abordagens, problemas e Propostas. Teixeira (UNIG e CBNB) e santos (UFRJ). Disponível em:http://www.filologia.org.br/ixcnlf/5/09.htm. Acesso em 21/12/06.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus.São Paulo: Cortez, 1996.