CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FENÔMENO PARTES NO PROCESSO  CIVIL

 

É de grande importância a análise do conceito de partes e do contexto na qual estão elas inseridas, vez que, em regra, são as partes no processo que suportarão os efeitos do provimento jurisdicional produzido por meio deste.

 

As considerações sobre os conceitos infra mencionados fazem-se necessárias tendo em vista que o estudo acerca dos efeitos da sentença, em todos os seus aspectos, está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento do processo, seus sujeitos e a relação destes com a própria situação de direito material posta, a ser solucionada pelo Estado-Juiz, e, para verificação do desenvolvimento do processo faz-se imprescindível análise dos conceitos de processo, demanda e partes.

 

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CONCEITOS DE PROCESSO, DEMANDA

 

Conceito de Processo

 

Para a análise do conceito de processo faz-se necessário registrar a autonomia do direito processual civil, visando evidenciar a importância desse meio para a efetiva realização dos direitos postos em litígio.

 

Importante ressaltar que a gênese do direito processual civil foi marcada pela forte distinção entre os dois planos do ordenamento jurídico, o plano do direito processual e o plano do direito material, entretanto com a afirmação da autonomia desse ramo do direito não há mais razão de ser na acirrada distinção entre direito material e direito processual. Faz-se necessário reconhecer o direito processual e o próprio processo como “[...] um meio efetivo para realização da justiça”. (CINTRA, et al., 2003, p. 37, grifos do autor), e conforme ensinamentos de Cássio Scarpinella Bueno:

 

[...] O direito processual civil, não obstante tenha identidade, função, finalidade e natureza próprias, serve, atende e volta-se para aplicação concreta do direito material. O direito processual civil realiza o direito material, e nestas condições se deixa influenciar de forma mais ou menos intensa por ele. O processo é instrumento do direito material. (BUENO, 2003, p. 1, grifos do autor).

 

Segundo a teoria da relação processual, desenvolvida pelo jurista alemão Oskar von Bülow, o processo seria espécie de relação jurídica, e no dizer de Alexandre Freitas Câmara;

 

[...] uma relação intersubjetiva, ou seja, uma relação entre pessoas, dinâmicas, de direito público, e que tem seus próprios sujeitos e requisitos [...] Tal relação jurídica teria como conteúdo uma outra, de direito material [...], e teria por fim permitir a apreciação desta, visto que dotado de formas previamente estabelecidas, mostra as partes, as regras do jogo antes mesmo que entrem em campo, possibilitando avaliar as armas que têm para “lutar” num Estado democrático de Direito, seria melhor o uso do termo, litigar, por aquilo que é seu. (CÂMARA, 2004, p. 135).

 

Sendo assim o estudo do processo deve estar voltado a efetiva realização do direito material e, da relação existente entre direito e processo pode-se extrair que o conceito de processo é caracterizado pela;

 

[...] insatisfação de alguma pessoa em razão de alguma pessoa em razão de uma pretensão que não pôde ser, ou de qualquer modo não foi, satisfeita, o Estado poderá ser chamado a desempenhar a sua função jurisdicional; e ele o fará em cooperação com ambas as partes envolvidas no conflito ou com uma só delas (o demandado pode ser revel), segundo um método de trabalho estabelecido em normas adequadas. A essa soma de atividades em cooperação e à soma de poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições dá-se o nome de processo. (CINTRA, et al., 2003, p. 40, grifo do autor).

 

Diante de tudo que foi exposto, vê-se o processo como instrumento para a realização do direito material, que em sua substancia serve a um fim, não é mero formalismo, procedimentalismo vazio, o direito processual e o processo em si servem a realização de uma finalidade maior, a realização do direito material violado, tendo em vista que havendo direito a determinada situação fática, sem o mecanismo que a tornem a possível, tal direito seria vazio, sem garantias de sua efetividade.

 

Sendo assim, há que se desenvolver o binômio direrito-processo, relativizando-o, conforme ensinamentos de Bedaque;

 

[...] como meio de acesso a ordem jurídica justa. Sustenta-se [...] que os aspectos fundamentais do direito processual são concebido à luz da relação jurídica de direito material. As questões maiores do processo são solucionadas com dados inerentes à relação da vida e ao direito substancial que a regula. (BEDAQUE, 2003, p. 13).

 

O direito processual tem princípios próprios, que a orientam ao fim almejado. A importância deste ramo do direito é de enorme vulto, sendo grande parte de seus princípios positivados e protegidos em âmbito constitucional. Dentre os princípios de direito processual constitucionalmente protegidos encontram-se o do devido processo legal, da isonomia, do juiz natural, contraditório e da motivação das decisões judiciais.

 

O princípio do devido processo legal, constitucionalmente albergado no artigo 5º, inciso, LIV da Constituição Federal de 1988, “[...] teve sua origem no Direito inglês, sendo muito freqüente neste ponto fazer referência ao texto da Magna Carta, texto jurídico inglês promulgado em 1215, e que costuma ser considerado a primeira constituição escrita de que se teve notícia.” (CÂMARA, 2004, p. 32).

 

[...] o devido processo legal significa o adequado processo, ou seja, o processo que assegure igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa. A regra é dirigida mais para o processo penal, mas também é aplicável ao processo civil no que concerne à perda de bens e outras restrições. (GRECO FILHO, 2003, p. 46).

 

No texto inglês havia a afirmação de que nenhum homem livre será privado de sua liberdade ou de seus bens, a não ser pelo julgamento de seus pares e de acordo com as leis do país. A Constituição Federal de 1988 traz semelhante afirmação, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, sendo assim o príncipio do devido processo legal certifica que o cidadão só sofrerá cerceamento de seus direitos por um procedimento previamente conhecido, conceituando-se devido processo legal, como sendo “[...] processo em que seja assegurado tratamento isonômico, num contraditório equilibrado, em que se busque um resultado efetivo, adaptado aos princípios e postulados da instrumentalidade do processo.” (CÂMARA, 2004, p. 39). 

 

Sob o princípio da isonomia se encontra assegurado o tratamento equânime durante o processo, mas essa igualdade, esse tratamento equânime não é caracterizado pela igualdade formal. A igualdade garantida constitucionalmente é a igualdade material, é a garantia de que as desigualdades existentes no plano material não sejam transferidas para o processo, vez que perante a lei, somos todos iguais, segundo o que estabelece a Constituição Federal, em artigo 5º, caput. "O entendimento mais correto é o de que o referido dispositivo trata de igualdade real, substancial (na medida do possível) e não simplesmente de igualdade formal." (ALVIN, 1999, p. 110, grifos do autor). E, se a afirmação de que o processo é forma, método de realização do direito material garantido, não haveria razão de ser não fosse garantido aos litigantes, paridade de ‘armas’.

 

 

É, pois, dever do Estado assegurar tratamento que supra as desigualdades existentes entre as pessoas. Somente assim ter-se-á assegurado igualdade substancial (e não meramente formal) que corresponde a uma exigência do processo justo, garantido pela cláusula due process of law. (CÂMARA, 2004, p. 43, grifos do autor).

 

Para que seja garantido o efetivo exercício de direitos pelos litigantes é necessário que seja realizado, de forma plena, o princípio da isonomia substancial no processo.

 

Albergado sob o corolário do princípio do juiz natural se encontra a garantia de que não existirão tribunais ou juízos de exceção, assegurando que ninguém será processado, senão por autoridade competente.

 

O princípio em exame e o apreciado anteriormente têm fundamento no princípio do devido processo legal, posto que a aplicação dos primeiros efetiva a realização do último.

 

O que o princípio que ora se examina tem base constitucional tendo em vista que, “O que a Carta Magna quer assegurar é que os processos tramitem perante juízos cuja competência é preestabelecida.” (CÂMARA, 2004, p. 43).

 

No art. 5.º, XXXVII, a CF/88 estabelece que "não haverá juízo ou tribunais de exceção", complementando o inc. LIII do mesmo dispositivo que "ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente". [...] Não é possível, por força do princípio do juiz natural, que um tribunal seja criado ou designado para julgar apenas determinado caso. (ALVIN, 1999, p. 124)

 

O princípio do Contraditório também está intimamente ligado ao princípio do devido processo legal, uma vez que “Não há processo justo que não se realize em contraditório.” (CÂMARA, 2004, p. 49-50).

 

O princípio do contraditório está consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e princípios a ela inerentes.” Trata-se de princípio essencial do Direito Processual, devendo ser entendido sob dois enfoques: um jurídico e outro político. Não deve causar espanto nossa afirmação de que um princípio de direito processual deva ser analisado sob enfoque político. O jurista precisa ter consciência de que, na verdade, não existe um “mundo jurídico”, isolado da realidade. O Direito não pode ser visto apenas como ciência interpretativa e normativa, mas como uma ciência que precisa, como todas as outras, retratar a realidade e o mundo dos fatos. Este mundo, o real, é eminentemente político (afinal, o homem é um animal político). Além disso, não se pode esquecer que o direito processual é ramo do direito público e, nesta qualidade, examina atividades estatais, as quais – notoriamente – são regidas por finalidades políticas. (CÂMARA, 2004, p. 50).

 

Diante do que foi exposto, percebe-se que o princípio do Contraditório efetivamente realiza o Devido Processo Legal, e garante que o processo seja instrumento de composição de conflito – pacificação social.

 

O princípio do contraditório também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça: inseparável da distribuição de justica organizada, o princípio da audiência bilateral encontratada no brocardo romano audiatur et altera pars. [...] O juiz , por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre elas eqüidistante delas: ouvindouma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz. Somente pela soma das parcialidades das partes (uma representando a tese e a outra a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético. É por isso que foi dito que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de "colaboradores necessários": cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve. (CINTRA, et al., 2003, p. 55, grifos do autor).  

 

Pode-se concluir que o contraditório é o princípio processual que caracteriza o processo, tendo em vista que oportuniza aos litigantes a participação nele. Interessante afirmação faz Didier (2006, p. 64), dizendo que “Democracia no processo recebe o nome de contraditório. Democracia é participação; e a participação no processo se opera pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como manifestação do exercício democrático de um poder”.

 

Complementa-se, data vênia, as palavras do ilustre jurista baiano, para acrescentar que não há local mais afeito ao exercício da democracia, senão dentro do processo, vez que durante ele aos litigantes é garantida além da participação efetiva, a participação em paridade de ‘armas’, realizada segundo a efetivação do princípio da isonomia, supra mencionado.

 

Sendo o princípio do contraditório e da isonomia norteadores da ciência processual, pode-se confirmar que, esta se encontra a serviço da pacificação social. Somando a estes dois princípios o principio do juiz natural e ao princípio infra mencionado, verifica-se a através do processo, instrumento de pacificação social, como supra afirmado, esta – a pacificação social torna-se efetiva, na medida que tais princípios sejam respeitados. 

 

Há ainda o princípio da motivação das decisões judiciais que se acredita estar intrinsecamente ligada ao princípio do juiz natural, vez que através da motivação das decisões pode-se auferir o grau de imparcialidade contido no julgamento.

 

Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mais quaisquis de populo, com finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade das decisões. (CINTRA, et al.,2003, p. 68, grifos do autor).

 

Assim conclui-se que a motivação das decisões serve também ao processo como forma de pacificação social, tendo em vista que protege o interesse das partes;

 

[...] que não só precisa saber o motivo que levou o juiz a decidir as questões da maneira como decidiu, o que é psicologicamente importante (até mesmo para a parte prejudicada pela decisão se convença de que a mesma era correta), como têm a necessidade de conhecer os motivos da decisão para que possam adequadamente fundamentar seus recursos. (CÂMARA, 2004, p. 55).

 

Acerca do princípio constitucional da motivação das decisões do juiz, vale ressaltar que a ausência de motivação torna a decisão passível de decretação de nulidade.

 

Do exposto conclui-se que o direito processual e o processo têm como finalidade a pacificação social, e seu conceito deve ser entendido “[...] como o procedimento, realizado em contraditório, animado pela relação jurídica processual”.(CÂMARA, 2004, p. 143).

 

Pode-se dizer, pois, que o direito processual é ciência que tem por escopo a construção de um método adequado à verificação sobre a existência de um direito afirmado, para conferir tutela jurisdicional àquelas situações da vida efetivamente amparadas pelo ordenamento material. Trata-se de visão de direito processual preocupada com seus resultados e com a aptidão para alcançar seus fins (BEDAQUE, 2003, p. 12-13).

 

Sendo assim o conceito de processo deve ser entendido como método de pacificação social, realizado em contraditório, que contém a relação jurídica processual, e tem por objetivo resolver pretensão de direito material conflituosa.

 

Conceito de Demanda

 

Importante ressaltar que o Código de Processo Civil, em várias passagens, emprega o termo demandar no sentido de provocar a jurisdição, sendo assim faz-se necessário exame do conceito de demanda e quais as influências que esta pode ter no provimento jurisdicional final.

 

Sob o Título “o ato e o conteúdo (pretensão)”, DINAMARCO traz brilhante discussão acerca do conceito demanda. Diz ele que;

 

“O ato de vir ao juiz pedindo tutela jurisdicional, chamado demanda, tem por conteúdo uma pretensão de quem o realiza. Pretensão é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao próprio interesse. É um fato, não uma relação ou situação jurídica (Carnelutti). O sujeito que aspira a um bem, não o obtendo por outro meio, externa sua aspiração apresentando-a ao Estado-juiz; e esse é o único meio civilizado que existe de obtê-lo sem o concurso da vontade do outro sujeito envolvido” (DINAMARCO, 2002, p. 102, grifos do autor)

 

Neste sentido, afirmar-se que demanda é o ato de pedir tutela jurisdicional ao Estado-juiz, é a forma permitida, no Estado Democrático de Direito, de buscar a proteção a uma violação ou a uma ameaça de violação a direito. Não há demanda sem pleito, não há demanda desvencilhada de pretensão. Conclui-se, portanto que “demandar em juízo é, portanto modo de exigir.” (DINAMARCO, 2002, p. 103).

 

Demandar, nesse diapasão, seria forma de pretender o bem violado, ou ameaçado de violação em juízo, logo, demanda é pretensão, entendida como aquilo que se anseia, que se persegue com a tutela jurisdicional. Entretanto, vale ressaltar que,  conforme afirma Dinamarco (2002), pretensão não se confunde com o direito de obter em juízo o bem devido, posto que a pretensão é ato que exteriorizar a exigência acerca de situação de fato que se acredita ser favorável, e o direito de se obter o bem devido em juízo so poderá ser afirmado ao fim do processo.

 

Segundo Didier (2007, p. 159) “o vocábulo demanda tem duas acepções; a) é o ato de provocar a atividade jurisdicional e b) é também o conteúdo dessa postulação. Nesse último sentido (demanda-conteúdo), demanda é sinônimo de ação concretamente exercida.”

 

De acordo com entendimento do ilustre jurista baiano, ter-se-iam duas espécies de demanda, demanda-ato e demanda-conteúdo. Na demanda-ato, a acepção do vocábulo se afina com o conceito trazido por Dinamarco (2002), no qual a demanda é o ato de pedir tutela jurisdicional. Por demanda-conteúdo entende-se como o próprio conteúdo da pretensão deduzida em juízo. Dinamarco (2007) denomina a demanda-conteúdo de pretensão. Nesse sentido é importante distinguir as duas acepções trazido por Didier (2007), vez que o ato de provocar a jurisdição é mero veículo propulsor da prestação jurisdicional. Para o presente estudo interessa o estudo do conceito de demanda-conteúdo, da pretensão deduzida em juízo.

 

Toda ação concretamente exercida pressupõe a existência de, pelo menos, uma relação jurídica de direito substancial. Ocorrido o fato da vida previsto no substrato fático de uma determinada norma jurídica, ter-se-á, a incidência da norma, um fato jurídico. [...] Nesse contexto, a demanda (entendida como conteúdo da postulação) é o nome processual que recebe a relação jurídica substancial quando posta à apreciação do Poder Judiciário. Inexistindo ao menos a afirmação de uma relação jurídica de direito material, inexistirá demanda-conteúdo e a demanda-ato será um recipiente vazio. (DIDIER, 2007, p. 159)

 

Nesse diapasão, o conceito de demanda que está diretamente ligado ao exercício da ação concretamente e seria a relação jurídica de direito substancial, ou como dito anteriormente, de uma relação jurídica de direito material litigiosa, posta à solução do Poder Judiciário.

 

Sendo a demanda-conteúdo, a relação jurídica de direito material posta em juízo, é necessário notar que para ser sujeito da demanda, neste sentido, é imprescindível que se seja titular da relação jurídica de direito material posta em juízo.  O mesmo não ocorre para que se seja sujeito da demanda-ato, que é a própria relação jurídica processual, vez que pode não haver coencidência entre o titular da relação jurídica de direito material e aquele que se apresenta em juízo para defender esse direito. São os casos de legitimidade extraordinária, mais especificamente os casos de substituição processual.

 

Daí conclui-se que demanda pode ser conceituada, para fins do presente estudo, como sendo a pretensão contida na relação de direito material, que quando violada faz nascer em seu titular a vontade de provocar a jurisdição, para ver a sua pretensão tutelada. Sendo importante ressaltar que, para fins do presente estudo, não será usado o conceito de demanda usado em várias passagens do Código de Processo Civil, demanda-ato, no sentido de provocar a jurisdição.

 

CONCEITO DE PARTES

 

Conceituar partes é de suma importância para o direito processual, vez que o fim almejado pelo processo, o provimento jurisdicional, é perquerido pelas partes, que contribuem para a sua formação.

 

Preliminarmente é importante distinguir partes e sujeitos do processo. Sujeitos do processo é gênero do qual as partes são uma das espécies existentes. Dentre os sujeitos processuais pode-se verificar, além das partes, o Estado-Juiz e os terceiros.

 

Para fins do presente estudo, busca-se o critério mais útil para conceituar partes. Para tanto se faz necessário ressaltar a distinção existente entre partes do processo e sujeitos do processo, analisando-se como sujeitos do processo como todos aqueles que de alguma forma estão vinculados a relação jurídica processual estabelecida pelo processo, e, restringindo-se o conceito de partes no processo àquele que “[...] provoca a jurisdição e perante quem se pede a prestação jurisdicional.” (BUENO, 2003, p. 3).

 

Diz-se restringir, pois há entendimento doutrinário de que partes seriam todos os sujeitos interessados na relação processual, para tanto, se faz útil trazer a colação a definição dada por Dinamarco para quem;

 

[...] partes são os sujeitos interessados da relação processual, ou seja, os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz (Liberman). [...] dizem-se interessados porque ali estão sempre em defesa de alguma pretensão, em preparação para receber os efeitos do provimento final do processo.” (DINAMARCO, 2002, p. 246, grifos do autor). 

 

Entretanto utilizar a definição trazida pelo mestre Dinamarco (2002) seria, na sagaz observação de Bueno, “[...] frustrar de ante mão a tentativa de identificação daqueles que são terceiro.” (BUENO, 2003, p. 3).  Acabando-se por não corresponder as expectativas do objeto de estudo do presente trabalho, qual seja, a identificação dos efeitos da sentença perante terceiros.

 

Desta forma, faz-se mister limitar o conceito de partes adotando “a clássica orientação de Chiovenda no sentido de que é parte quem pede e contra quem se pede alguma espécie de tutela jurisdicional.” (BUENO, 2003, p. 2).

 

Sendo assim o conceito que se apresenta mais útil para os fins aqui pretendidos é aquele que define como partes aquele que provoca a atividade jurisdicional e aquele em face de quem se demanda essa mesma atividade jurisdicional.

 

Cuida-se, esclareceu José Francisco Lopes de Miranda Leão, “de conceito pura e eminentemente processual. Não se trata de perquirir a relação de direito material, nem mesmo de analisar a legitimidade ou ilegitimadade do interessado em razão desta; o autor é parte, neste sentido, desde o momento em que ajuíza sua demanda, e parte será até o final, mesmo que a sentença venha a declará-lo ‘parte ilegítima’. Ilegítima, mas parte”. E o réu, este adquire a qualidade de parte pela citação, "e a adquire queira ou não queira”. (CARNEIRO, 2006, p. 5).

 

Acerca do conceito trazido por Leão apud Carneiro (2006) é importante salientar que apenas por se ter a finalidade de examinar os efeitos da sentença perante terceiros que a priori se ignora a relação jurídica de direito material para se perquirir aqui o conceito de parte.

 

Tal conceito, parta-se dessa premissa, deve ser buscado estritamente no direito processual, sem que seja possível sua influência pelo direito material. Isto porque, embora a noção de legitimidade, atributo essencial à condição de parte, dependa dos afluxos do direito material, ninguém negará a condição de parte (da relação jurídica de direito processual) a quem, sem nenhuma razão, mesmo que aparente, postule em juízo a tutela jurisdicional do Estado. (MARINONI, et ali., 2003, p. 189, grifo do autor).

 

Verifica-se que o conceito puramente processual de partes é quem pede e em face de quem se pede a prestação jurisdicional, denominando-se "autor [...] aquele que deduz em juízo uma pretensão (qui res in iudicium deducit); e réu, aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida (is contra quem res in iudicium de ducitur)." (CINTRA, et al., 2003, p. 295, grifos do autor).

 

Sendo assim, são partes, para fins do presente estudo, autor e réu, ou ainda os litisconsortes, se houver pluralidade em um dos pólos da relação processual, seja autor ou réu.

 

1.2.1 Partes na relação jurídica de direito material

 

Importante verificar quem são as partes na relação jurídica de direito material deduzida em juízo, para daí averiguar quem pode validamente buscar a tutela jurisdicional. Para tanto verificar-se-á a importância da relação jurídica de direito material para fins do presente estudo.

 

É necessário salientar que “o direito processual civil realiza o direito material, e nesta condição se deixa influenciar de forma mais ou menos intensa por ele. O processo é instrumento do direito material” (BUENO, 2003, p. 1, grifos do autor).

 

Entretanto a afirmação não nega a autonomia científica do direito processual civil, pelo contrário, mostra que “[...] não obstante tenha identidade, função, finalidade e natureza próprias, serve, atende e volta-se para a aplicação concreta do direito material.” (BUENO,  2003, p.1, grifos do autor).

 

Para fins do estudo do efeito da sentença perante terceiros, a relação jurídica de direito material é de suma importância, vez que a esta relação é a denominada demanda-conteúdo, a situação de direito material violada, e, em última análise são os sujeitos da demanda, os titulares da realação de dirito material violada que deverão se submeter aos comandos contidos no provimento jurisdicional final.

 

Sendo assim, em regra, as partes da relação jurídica de direito material é que são legitimadas para pleitear em juízo eventual violação ocorrida. As partes da relação jurídica de direito material são os titulares do direito material. Entretanto há possibilidade em que aquele que não é titular do direito material pode pleitea-lo em juízo, são os casos de legitimação extraordinária, exceção na legislação processual civil brasileira, e ainda os casos de litisconsórcio facultativo unitário, em que é garantido a co-titulares de direito material violado que pleiteiem em juízo o direito.

 

Diante desta possibilidade torna-se de grande importância o estudo das partes na relação jurídica de direito material, não só para que se verifique quem deve pleitear a violação ao direito material em juízo, mas também, determinar, quem suportará os efeitos da sentença, vez que ela decidirá acerca do direito do quem são titulares as partes da relação jurídica de direito material.

 

Assim, pode-se afirmar que, são partes na relação jurídica de direito material os titulares da demanda-conteúdo, conceito supramencionado.

 

1.2.2 Partes na relação jurídica de direito processual

 

"Hoje se entende que a relação jurídica processual é aquela que se estabelece entre autor, juiz e réu." (WAMBIER, et ali., 2003, p. 171), sendo assim há que se classificar os sujeitos da relação jurídica como parciais e imparciais, devendo ser reconhecidos como sujeitos parciais o autor e o réu, as partes da relação jurídica processual, e o sujeito imparcial, o juiz, a quem as partes da relação jurídica processual levam o litígio para solução

 

A averiguação do conceito aplicável às partes na relação jurídica de direito processual é de considerável importância para o presente estudo, tendo em vista que dispõe o preceito contido no artigo 472 do Código de Processo Civil Brasileiro, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada [...]”, fazendo entender que as obrigações impostas pelo provimento jurisdicional final restringi-se a quem pede e em face de quem se pede.

 

Sendo esta a regra, contudo haverá casos em que é possível que aquele que não participou do processo possa ser obrigado a suportar os efeitos da sentença. Isso porque, em casos excepcionais, não existirá coincidência entre o titular do direito material objeto da tutela jurisdicional pleiteada e aquele que a pleiteia em juízo, serão os casos de legitimação extraordinária, previstos no artigo 6º, do mesmo diploma legal anteriormente citado, que extraordináriamente, possibilita a outrem pleitear, em nome próprio, direito alheio, tornando-se, assim parte no processo, ou ainda, a possibilidade de que co-titular do direito material deduzido em juízo pleitei a tutela jurisdicional sozinho, caso em que haverá coincidência parcial entre o titular da relação jurídica de direito processual e a relação jurídica de direito material. Diz-se parcial vez que o outro co-titular da relação jurídica de direito material não figura como parte na relação jurídica processual.

 

Assim, entende-se que partes na relação jurídica processual são aqueles que atuam com interesse partidário, atuando de maneira a contribuir para o provimento jurisdicional.