"O problema não é a legislação. O problema é o condutor. O problema é o homem. É a irresponsabilidade, a falta de consciência do cidadão e, principalmente, a crença de que nada vai acontecer. Esse que é o problema."

O legítimo brado de Cyro Vidal, jurista, ex Diretor do Departamento Estadual de Trânsito do Estado de São Paulo ? DETRAN/SP, e um dos autores do anteprojeto que culminou na Lei 9.503/97 ? Código de Trânsito Brasileiro, vem demonstrar um grande paradigma, não somente perceptível no Direito Administrativo de Trânsito, mas em diversos outros ramos do complexo jurídico nacional, qual seja, a pouca eficácia de modernos e prestigiados diplomas legais frente as realidades sociais os quais se propugnaram combater.

São inúmeros os exemplos de ineficácia de disposições contidas no CTB, ECA, CDC que hoje representam bons exemplos da produção legislativa brasileira. Entretanto é sempre latente o questionamento acerca da própria ordem jurídica, neste sentido lançamos o ideário de Kelsen, para que o objetivo do ordenamento jurídico é a paz consubstanciada pelo não uso da força, senão vejamos:
A segurança coletiva visa a paz, pois a paz é ausência do emprego da força física. (...) a ordem Jurídica estabelece a paz nessa comunidade por ela mesma constituída. A paz do direito, porém, é uma paz relativa e não uma paz absoluta, pois o Direito não exclui o uso da força. (...) "O Direito é uma ordem de coerção, e como ordem de coerção, conforme o seu grau de evolução - uma ordem de segurança, quer dizer, uma ordem de paz".

Como asseveramos, o CTB (Lei 9.503/97) representa um razoável exemplo de técnica legislativa, possuindo ainda em seu bojo um notável conjunto de soluções jurídicas que municiam a Administração Pública no combate às drásticas estatísticas que o trânsito brasileiro apresenta.

Segundo a Organização Mun¬dial da Saúde (OMS), 1,3 milhão de pessoas morrem no trânsito a cada ano, sendo que 91% dessas mortes acontecem em países de baixa e média renda. Nesses países, vivem 85% da população mundial, mas estão apenas 48% dos veículos. Além do custo humano, os acidentes representam um prejuízo de R$ 28,2 bilhões por ano, segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

Destaca-se neste momento outro dado, não tão surpreendente, qual seja, mais de 85% dos acidentes são causados por falhas humanas, 12 % por falhas mecânicas e 7% por outras causas.

Todavia a análise de uma hipótese de falha mecânica como causadora de um acidente de trânsito, para ter fundamentação técnica e científica, deve sempre ser sistêmica, e, envolvem exaustivos exames periciais que abrangem desde a identificação; descrição e orientação dos danos, passando pela análise das condições da estrutura e seus agregados, sistemas e componentes mecânicos e elétricos.

Ao final da sobredita análise, o resultado prático em esmagadora maioria é de que a causa-mater de procedência mecânica inexistiu, ocorrendo pois, a corroboração do fator humano no que tange a conservação e manutenção veicular.

Nesta esteira, temos que é dever primaz do CONDUTOR, antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, verificar a existência e as boas condições de funcionamento dos equipamentos de uso obrigatório, nos termos do artigo 27 do Código de Trânsito Brasileiro.

A inobservância do dever plasmado no artigo 27 do CTB acarreta pois a tipificação da infração incursa no inciso IX do artigo 230 do citado Codex, assim vejamos:
Art. 230 ? Conduzir o Veículo:
?
IX ? sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante;

Podemos observar que o diploma legal prevê três tipos de condutas típicas, oriundas do ato de conduzir:
a) Sem equipamento obrigatório;
b) Com equipamento obrigatório ineficiente, e
c) Com equipamento obrigatório inoperante.

Não obstante, os equipamentos obrigatórios dos veículos são aqueles relacionados no Art. 105 do Código de Trânsito e disciplinados na Res. 14/98 do Contran. Em suma, são os equipamentos que os veículos, conforme suas características, necessariamente devem não apenas possuir, mas que além de presentes, estejam em funcionamento e acima de tudo sejam eficientes, para os fins a que se destinam, sob pena do cometimento da infração em comento.

Numa breve e sucinta análise do tipo incurso no Art. 230 IX do CTB, ao passo que a ausência do equipamento obrigatório dispensa maiores comentários, a ineficiência e a inoperância merecem algumas linhas de argumentação.

Entende-se por ineficiente o equipamento obrigatório, que, apesar de presente e em operatividade, não atinge o fim à ele colimado. No plano prático, teríamos como bom exemplo, as luzes intermitentes que indicam a mudança de direção do veículo, as popularmente conhecidas "setas". Assim, teríamos por ineficientes as "setas" que mesmo apresentando todas as luzes em funcionamento, por algum motivo não transmitem sua luminosidade, seja, por sujeira ou pela aposição de películas.

Quanto à inoperância, podemos para fins didáticos, entende-la como a condição de não funcionamento do equipamento, ousamos dizer que, e com o máximo respeito aos posicionamentos em sentido contrário, entendemos que o funcionamento irregular do equipamento, enseja ainda a mesma tipificação. Isto posto, justifica-se tal argumento, sob o prisma no momento do ato da fiscalização, que é o momento flagrancial onde verifica-se a ocorrência do fato jurígeno infracional. Logo, numa eventual abordagem, o agente policial deparando-se com um quadro de não acendimento das luzes de freio, em que pese o motorista, imediatamente reparar a avaria, demonstrando sua temporariedade, já temos in casu verificada a inoperância do equipamento, não se falando pois, em ineficiência.

No tocante a penalização da conduta, a sistemática adotada pelo Código de Trânsito Brasileiro, está calcada na atribuição das penalidades aos respectivos responsáveis em cada infração de trânsito cometida, estabelecendo, em seu artigo 257, as situações de responsabilidade de cada um dos potenciais infratores: proprietário, condutor, embarcador e transportador, ressalvando, ainda, o caso das pessoas físicas ou jurídicas expressamente previstas no Código.

O caput do Art. 257 do CTB, deixa claro que responderão de per si no âmbito de suas respectivas responsabilidades, senão vejamos:

Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código

Verifica-se, pelo artigo transcrito, que o proprietário não responde solidariamente, em caráter absoluto, pelas infrações praticadas pelo condutor do veículo.

Outrossim, é cediço que no parágrafo 2º do artigo em comento, temos que o proprietário responde pela infração referente a prévia regularização e preenchimento das formalidade e condições exigidas aos veículos automotores :
Art. 257????????.
?
§ 2º - Ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar.

O Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina no Parecer 083/2009 externou entendimento no sentido de que:
A infração do art. 230, IX requer para a sua caracterização que o agente de trânsito surpreenda o veículo sendo conduzido em via pública estando sem o equipamento obrigatório ou estando esse ineficiente ou inoperante. Estando o mesmo estacionado, sem que o agente de trânsito tenha presenciado o condutor realizando tal manobra, a infração não estará caracterizada. [...]

Evidencia-se no conciso parecer que o ato de conduzir o veículo na via terrestre é DETERMINANTE para a ocorrência da infração. Todavia o Tribunal Paulista, é taxativo no tocante a responsabilizar o proprietário do veículo, quando este for flagrado sem as condições exigidas para o trânsito na via terrestre. Senão vejamos:
"Apelação Cível - Mandado de Segurança ? A anulação de ato de suspensão do direito de dirigir ? Exclusão da pontuação - Concessão da segurança - Inconformismo - Responsabilidade do condutor por infrações relativas ao estado e conservação do veículo - Inadmissibilidade - Observância do parágrafo 2º do art. 257 do CTB - As infrações referentes à prévia regularização, formalidades e condições exigidas para o trânsito de veiculo, na via terrestre, são de responsabilidade do proprietário do veículo - Recursos improvidos." (Apelação Cível n° 276.904-5/3-00, Pompéia, rei. Des. Castilho Barbosa, j . 09/09/2008).

Todavia devemos considerar que quanto a responsabilidade por atos realizados em trânsito, leciona Celso Antonio Bandeira de Mello que:
"O que se vem de dizer exibe, desde logo, a diferença entre a figura do infrator e do chamado responsável subsidiário. O infrator, bem se percebe, é o sujeito que pratica a infração e que, de regra, suportará a sanção por ela; ao passo que o responsável subsidiário é aquele que, por força da lei, responderá pela infração caso aquele que a cometeu não possa responder ou não responda por ela"

Ora, é louvável penalizar o proprietário que mantém em seu veículo equipamento obrigatório em mau estado de conservação, ou que não funcione, ou ainda que não licencie seu veículo tempestivamente.

Porém, torna-se injusta a penalização do proprietário, quando este mantém em seu veículo um equipamento obrigatório a contento, e por atitude imprudente ou deliberada do condutor tal equipamento torna-se inoperante, ineficiente, ou ainda, é retirado do veículo automotor. Condutor este aliás, que inobservou seu dever de abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades públicas ou privadas, configurado no art. 26, inciso I do CTB.

A obrigação oriunda da infração constitui sanção administrativa ao infrator e não sanção ao veículo (mesmo porque coisas não são sujeitos de direitos e de deveres), tanto, que a legislação admite a dicotomia da responsabilidade entre o proprietário e o condutor, como se observa nos parágrafos do art. 257: do proprietário é a responsabilidade pelas infrações atinentes à regularização do veículo; do condutor, a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.

Logo, deve o operador do Direito distinguir entre a previsão legal da multa nas normas abstratas dispostas na Lei 9.503/97, e a aplicação administrativa da sanção, mediante atividade administrativa.

A Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, incisos XLV e XLVI, vetoriza expressamente o princípio da individualização da pena, que tem aplicação não só no campo penal mas também em qualquer momento em que pretenda o Poder Público sancionar o indivíduo, principalmente pela necessidade de se compreender a ciência jurídica como um sistema único entrelaçado por princípios basilares que dimensionam seus efeitos a todos os setores ou situações análogas, isto posto, para que uma pessoa não pague pelo erro da outra.

O Código de Trânsito Brasileiro é um código austero, visto que de seu artigo 161 até o artigo 255 existem cem tipos de infrações para os mais variados comportamentos do usuário da via terrestre. A legislação em seus aspectos técnicos amolda-se à configuração do Estado Democrático de Direito em que vivemos no Brasil.

Outrossim, "um trânsito seguro, regular e ordenado foi erigido como direito fundamental, ao mesmo passo que, em contrapartida, estabeleceu uma série de obrigações ao Poder Público" .

Todavia, não nos parece cabível a interpretação restritiva do texto legal. Mesmo, tendo o Estado o dever de agir, seja ele genérico ou previsto objetivamente, deve-se acima de tudo sopesar quando possível a aplicação que se coaduna com os vetores constitucionais e fazem justiça em cada caso concreto.