BECKER , Adelete[1]; OLIVEIRA, Elaine1; Machineski, Giceli².

FACULDADE ASSIS GURGACZ - FAG

Resumo

A pesquisa realizada sobre a privação materna durante a infância, tem o intuito de enfatizar os efeitos danosos desta privação, como alterações na criança tanto a nível cognitivo e da formação da personalidade quanto fisiológicas, acarretando assim prejuízos no seu desenvolvimento bio-psico-social, que podem ocorrer durante a hospitalização infantil. Utilizou-se para a realização do estudo, pesquisa em fontes bibliográficas diversas, incluindo livros de pediatria e artigos científicos. Sendo assim, o método determinado para realização da mesma se deu diante de pesquisa bibliográfica e descritiva, utilizando-se de um coorte transversal de abril à setembro de 2006. Desta forma é de grande importância a presença da mãe ou substituta durante o desenvolvimento e na hospitalização da criança, em especial na primeira infância, período de maior dependência e vulnerabilidade no qual se estabelece a base segura para o u desenvolvimento físico e psíquico. Ressalta-se ainda que crianças que sofreram privação materna podem manifestar transtornos do ego, estados depressivos, retardo mental entre outros acometimentos que serão especificados no desenvolvimento deste artigo.Em função desses acometimentos usa-se na assistência á criança hospitalizada o alojamento conjunto pediátrico minimizando os agravos e fazendo com que hajauma menor permanência da criança no hospital por sua recuperação ser mais rápida.

Palavras Chave: privação, criança, desenvolvimento

INTRODUÇÃO:

A realização deste artigo tem como finalidade apresentar as conseqüências da privação materna durante a primeira infância e argumentar sobre o alojamento conjunto pediátrico como forma de evitar os danos no desenvolvimento infantil ocasionados por esta privação definida pelo autor Motta et al (2005) apud Bowbly (1995), como a situação na qual a criança não encontra uma relação calorosa íntima e contínua com a mãe natural ou substituta.

Neste caso o enfermeiro deve estabelecer bases para a efetivação dessa assistência proporcionando o bem estar não apenas da criança hospitalizada, mas também do seu acompanhante (geralmente a mãe).

Após a segunda guerra mundial houve a necessidade em reconstruir as cidades da Europa devastadas pelo conflito, e para que as mulheres pudessem trabalhar e tivessem aonde deixar seus filhos, foram criadas creches. Porém constatou-se várias conseqüências no desenvolvimento das crianças em função dessa separação, diante disso a OMS (Organização mundial da saúde) interveio através de um estudo feito pelo psicanalista inglês John Bowbly sendo esteo estudo base à cerca do assunto, publicado em 1951, enfatizou os efeitos danosos da separação e o desenvolvimento infantil em creches instituições e hospitais.

Hoje sabemos que a mãe é um suporte físico e psíquico para o bebê. Os estímulos visuais, tácteis e auditivos, fornecidos durante o cuidado, desempenham um importante papel no desenvolvimento da cognição por proporcionarem de forma instintiva reações emocionais na criança.

Dessa forma, a presença da mãe ou um acompanhante é muito importante, levando em consideração que fornece segurança e confiança ao bebê. Essa confiança básica desenvolve-se com a percepção da criança de que as suas necessidades urgentes são atendidas regularmente. A tensão gerada pela fome, desconforto ou dor, é dissipada em função dos cuidados da mãe ou responsável, isso faz com que a criança crie uma estabilidade emocional através do sentimento de proteção3.

"Quanto mais forem atendidas as necessidades básicas da criança, tanto mais positivo será o ego e sua emotividade. Não basta cuidar, fazer coisas: é preciso falar, tocar, acariciar, estimular". (SCHIMITZ, 2005 P.182)

Nesse contexto ainda conforme o autor Schimitz (2005) apud Lebovici (1963), a criança que sofreu privação materna precoce, pode ser acometida por transtornos do ego como profundo masoquismo, dependência excessiva e caráter delitivo e estado depressivos no adulto.

Além disso, segundo Ferreira (1998), a criança pode apresentar forte tendência a relações sexuais promíscuas e furtos.Uma necessidade exagerada de amor, fortes sentimentos de vingança e, em conseqüência culpa e depressão, resultando em distúrbios nervosos e numa personalidade instável podem ser observados na privação parcial. Por outro lado a privação total tem efeitos maiores sobre o desenvolvimento da personalidade, e pode mutilar totalmente a capacidade de estabelecer relações com outras pessoas. Pode-se observar como efeitos negativos dessa privação, o retardo mental, atraso no desenvolvimento da linguagem, incapacidade de relacionamento adotando um caráter anti-social além de distúrbios regressivos e delinqüência.

Ferreira também constatou que crianças que sofreram privação materna na primeira infância apresentam um atraso na construção da personalidade apresentando comportamento compulsivo e descontrolado, sendo incapazes de terem objetivos em longo prazo, porque são vítimas de caprichos momentâneos sem possibilidades de aprenderem. Essa impossibilidade é decorrente da dificuldade de desenvolverem o raciocínio abstrato, resultando em imaturidade provocando uma atitude hostil, manifestada através de birras como forma de a criança liberar sua raiva e violência diante da situação, isso gera graves conflitos íntimos, angústia, depressão e um obstáculo à sua aprendizagem social futura.

Desta forma as ligações são calorosas, mas, superficiais com qualquer adulto que se aproxime, havendo uma excessiva solicitação da mãe substituta, intensa possessividade, insistência em ter as coisas á sua maneira, ciúme extremo, acessos de raiva4.

O autor Motta et al. (2005) descreve as experiências relatadas por Bowbly (1951) onde se constatou que os bebês que sofrem privação materna prolongada podem deixar de sorrir para um rosto humano ou de reagir quando são estimulados, ficando inapetentes ou, apesar de serem nutridos, não há ganho de peso. Além, disso apresentam uma má qualidade do sono e estão mais susceptíveis às infecções. No caso de crianças que durante um ou dois anos tiveram relação com as mães e depois sofreram privação é normal que as capacidades já adquiridas sejam perdidas.

Isso se comprova através de um estudo que segundo Motta et al, foram avaliadas crianças que viveram em orfanatos na Romênia durante a maior parte de suas vidas, tendo sido extremamente negligenciadas nesse período. As conseqüências mais freqüentes dessa privação eram mutismo, face sem expressão, retraimento social e movimentos estereotipados bizarros. Essas crianças, com idades entre de 2 e 9 meses, foram separadas em dois grupos: um controle e um que recebeu estímulo físico e psicológico por 1 ano e 3 meses. Os resultados demonstraram que as crianças que haviam recebido estimulação apresentaram crescimento físico e desenvolvimento mental e motor (escala de Bayley) significativamente acelerado quando comparado ao grupo controle. No entanto, após 5-6 meses de término do programa, elas não tinham nenhum desses índices superiores aos do grupo controle.

Essa separação no decorrer do segundo e terceiro anos de vida apresenta reação emocional igualmente séria e, além disso, as mães substitutas podem ser completamente rejeitadas, ficando a criança inconsolável por vários dias, num estado de desespero e agitação. Recusa tanto o alimento como a ajuda; apenas a exaustão a leva ao sono. Depois de alguns dias, a criança fica mais quieta e pode cair em apatia. A privação, após a idade de três ou quatro anos, ou seja, na terceira infância não tem os mesmos efeitos destrutivos sobre o desenvolvimento.

como a enfermagem pode atuar para minimizar os danos causados pela privação materna durante a hospitalização infantil.

A realidade da hospitalização infantil até recentemente, não se constituía em uma assistência adequada e humanizada. Durante a hospitalização as crianças eram separadas das suas mães e logo após o nascimento, permaneciam em berçários.

No entanto, diante do contexto no qual refere os danos causados pela privação materna, houve a preocupação com o bem-estar da criança internada em instituições hospitalares e levou pais e profissionais a discutirem e analisarem o processo de hospitalização, procurando alternativas para "humanizar" esta experiência. "A humanização deve incluir competência sem dispensar cortesia e carinho". SILVA (2004)

Sendo assim, segundo Collet et al (2006), no Brasil a preocupação com a permanência dos pais no hospital passou a se tornar mais efetiva após a promulgação da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em seu Artigo 12, Resolução 41/95, o ECA dispõe que "os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente".

Desta forma, o sistema de alojamento conjunto pediátrico em que a mãe ou responsável pode acompanhar a criança durante os episódios de hospitalização. É uma estratégia que possibilita a redução do estresse emocional, tanto da criança como da família, reduz a incidência de infecção cruzada e diminui o tempo de internação, contribuindo para a maior disponibilidade de leitos infantis.

Portanto se faz necessário que os enfermeiros pediatras e neonatais reconheçam que no cenário da hospitalização a criança é afastada do seu ambiente familiar sendo muito importante esse vínculo afetivo para o desenvolvimento e recuperação da criança.Eles são responsáveis por amenizar o sofrimento das crianças, também assumem muitas vezes o papel de mãe substituta ou mesmo dividem a tarefa com a mãe, orientando e assistindo o cuidado com a criança, a fim de proporcionar uma relação segura e adequada entre ambos. Muitas vezes a enfermagem auxilia também no desenvolvimento do laço afetivo entre mãe e filho, no caso de neonatos internados em unidade de terapia intensiva, o enfermeiro pode estimular o contato visual, olho-no-olho, sempre que possível retirando o protetor ocular.

Para Collet (2006), essa é uma forma eficiente de promover a cura e manter o bem estar psicológico da criança não expondo-a a situação de desamparo, mas para isso é necessário alterações que envolvem a dinâmica do trabalho de uma forma geral.

Para que ocorram essas mudanças com o intuito de humanizar a hospitalização infantil, é preciso que ocorra a negociação do cuidado entre a enfermagem e a mãe da criança hospitalizada, visto que a unidade pediátrica hospitalar é um lugar que reúne uma diversidade de agentes, com diferentes formações, posições hierárquicas e localizações na divisão do trabalho.

Como primeiro passo para essa assistência humanizada o enfermeiro deve construir um vínculo com a criança. Uma recepção adequada é especialmente importante nesse processo. O enfermeiro pode dar as boas vindas para a criança e tranqüilizá-la sobre o ambiente em que se encontra ou quando a criança já se encontra na UTIN (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal), o profissional enfermeiro pode acompanhar os pais na visita à UTIN, procurando apoiá-los e informando-os sobre os equipamentos que cercam o recém-nascido, incentivando o contato pele-a-pele, toque e fala, ficando ao seu lado durante a visita; o pediatra informa a condição clínica do neonato, bem como fornece explicações sobre as alterações clínicas e equipamentos utilizados na assistência neonatal de alta complexidade.

Nesse serviço, observamos que é cada vez mais forte a tendência dos profissionais estarem atentos à introdução de condutas dirigidas ao estabelecimento do contato e interação entre mãe e filho. Desta forma, a enfermagem deve incentivar as mães a tocarem e pegarem seus filhos no colo; mesmo no cuidado intensivo, quando o bebê ainda está entubado, o enfermeiro propicia o contato pele-a-pele entre mãe-filho, semelhante ao cuidado canguru, posicionando o bebê entre as mamas da mãe. Inicialmente as mães podem se apresentar apreensivas e com medo de prejudicar o tratamento do bebê, mas com apoio da enfermagem as mesmas se tranqüilizam.

Além disso as mães podem ser incentivadas pela enfermagem a assumir os cuidados básicos higiênicos e alimentares, dependendo da condição clínica da criança. Essas oportunidades dadas às mãe de prestar cuidados ao seu filho pode atenuar o choque pela hospitalização de um bebê prematuro ou de baixo peso, evidenciado pelo confronto desta mãe com o ambiente estressante da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).

É possível também, para tornar o ambiente mais aconchegante e familiar, que a equipe de enfermagem solicite aos pais para que tragam um brinquedo plástico lavável para ser colocado no berço ou incubadora, bem como roupas, luvas, toucas e sapatinhos para uso do bebê, quando sua condição o permitir, e há a identificação do leito com o nome da criança, escolhido pelos pais, o que personaliza a unidade da criança e torna os pais mais próximos do filho. A decoração da unidade deve ter motivos infantis, cores alegres, com supervisão e prevenção de acidentes.

Porém conforme descrito por Schimitz 2003, a medicina clínica através do diagnóstico e terapêutica responde prioritariamente às necessidades do corpo biológico, não valorizando em certas formas de assistência a necessidade da criança em brincar, ter autonomia, estabelecer vínculos, ser respeitada, receber e dar afeto, durante o seu crescimento e desenvolvimento mesmo quando doente.

Entretanto para que seja efetivada essa forma de assistência humanizada, se faz necessário uma organização das unidades pediátricas, não me refiro a simples alteraçõesno projeto e na caracterização da unidade ou no tipo de facilidades dadas à família, mas também nas atitudes dos profissionais de saúde quanto ao envolvimento dos pais no cuidado à criança hospitalizada, nas relações estabelecidas com os pais, e na qualidade da assistência, a fim de propiciar o compartilhamento desse cuidado já que ambos (enfermagem e pais) possuem um objetivo em comum, o restabelecimento da saúde da criança.

REFERÊNCIAS

BEHRMAN, R.E. et alTratado de Pediatria 16º edição Rio de Janeiro: Guanabara Koogan 2002.

COLETT, N. et al Criança hospitalizada: mãe e enfermagem compartilhando o cuidado  São Paulo: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo 2006.

FERREIRA, E. A. et al Um estudo sobre o apego mãe e filho: Bases para a assistência de enfermagem pediátrica e neonatal vol.6  Ribeirão Preto: Revista Latino-Americana de enfermagem 1998.

LIMA, de R.A.G. et al Assistência à criança hospitalizada: Reflexão acerca da participação dos pais vol.7 Ribeirão Preto: Revista Latino-Americano de Enfermagem 1999.

MONDARDO, A.H. et al Psicoterapia infantil: ilustrando a importância do vínculo materno para o desenvolvimento da criançavol.11  Porto Alegre: Revista Psicologia. Reflexão e. Crítica.  1998.

MOTTA, M.G. et al Efeitos da depressão materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criançaRevista de psiquiatria vol.27 Porto Alegre  2005.

SILVA, M.J.P. Qual o tempo do cuidado? Humanizando os cuidados de enfermagem São Paulo: Ed Loyola 2004.

SCHMITZ, E. M. A enfermagem em pediatria e puericultura São Paulo: Ed Atheneu 2005.

SCOCHI,C. G. S. et alIncentivando o  vínculo mãe-filho em situação deprematuridade: as intervenções de enfermagem no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.Revista Latino-Americano de Enfermagem vol.11  Ribeirão Preto 2003.



[1]Enfermeiras, especialistas em Unidade de Terapia Intensiva.

² Enfermeira , Mestra em Letras , Especialista em Metodologia da Pesquisa.

3 Por isso nos primeiros meses o bebê não deve sofrer restrições, evitando uma exagerada tensão que pode resultar em perturbações do comportamento.

4 Segundo Ferreira, durante a primeira infância, em especial dos 3 a 6 meses, é necessário que o bebê veja sua mãe e ouça sua voz freqüentemente para ter a sensação de proteção.