RESUMO

O presente trabalho apresenta elementos referente ao consentimento em matéria de casamento, com ênfase nas variadas formas de se dar esse consentimento, passando a enfocar juridicamente a procedência daquele velho ditado popular “quem cala, consente”: será abordada uma breve exposição histórica referente ao tema, expondo as diversas formas convencionais e especiais de consentimento em que se apresentam, e os seus efeitos no mundo jurídico e no mundo de fato, o consentimento especial para o casamento no que se refere ao suprimento judicial ou pelos próprios pais em caso de incapacidade relativa de exercício do nubente para o casamento, o casamento sem autorização dos pais ou sem suprimento judicial e os prazos anulatórios, as causas impeditivas e suspensivas do matrimonio, e, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal em caso de gravidez só em situações excepcionalíssimas, o silencio como manifestação tacita, a reserva mental e o que subsiste se um dos cônjuges estejam ou não de boa ou má fé, o casamento por procuração os prazos e os poderes especiais para representar o nubentes na celebração e por fim trataremos dos vícios no caso de coação absoluta, os seus efeitos e como trata a legislação pátria sobre o consentimento viciado.

Palavras-chave: Consentimento. Casamento inexistente. Nubentes.

1.      CONSENTIMENTO EM MATÉRIA DE EXISTENCIA CASAMENTO

Para o direito, o casamento é um negócio jurídico. E como todo negócio que é, exige alguns pressupostos. Sem pretender entrar aqui em profundas discussões acadêmicas existentes sobre o tema, vamos conceituar fato, ato e negócio jurídico. Fato é, todo acontecimento, e fato jurídico seriam todos aqueles acontecimentos que importassem ao direito. O casamento é um negócio jurídico, sendo essa sua natureza jurídica. E o é por que é uma ação humana combinada com o ordenamento jurídico, voltada a criar uma relação cujos efeitos decorrem mais da vontade do que da lei Fiuza (2009:189).

O objetivo geral do presente trabalho é analisar um dos aspectos relevantes à existência do casamento a luz da legislação, doutrina e jurisprudência pátrias atuais. Na metodologia pretende-se, quando da pesquisa, utilizar, essencialmente, a revisão bibliográfica, partindo-se da análise de livros, artigos, decisões jurisprudenciais e legislação a respeito. Para melhor desempenho deste estudo, será usada a pesquisa explicativa, método que possibilitará identificar determinados fatores que irão contribuir para explicar a razão e o porquê do tema consentimento em matéria de casamento. O método de procedimento será o exploratório, tendo-se por finalidade desenvolver e modificar o conceito atual de consentimento, formular o problema também em relação ao consentimento. Trata-se de procedimento mais adequado porque o tema é pouco explorado e o resultado final é será uma temática mais esclarecida.

E, para regular todas essas novidades implementadas pela nova Constituição, foi elaborado um novo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. É esse código que regula o casamento hoje. Nele vamos encontrar os requisitos necessários para a celebração desse negócio jurídico, suas disposições gerais, causas suspensivas, suas hipóteses de invalidade etc. É também a partir dele que poderemos identificar um dos requisitos apontados na doutrina como necessário ao reconhecimento da sua inexistência jurídica do casamento, o consentimento em matéria de casamento, tema deste artigo.

Agora, depois dessa breve exposição histórica da legislação, vamos adentrar no estudo mais detalhado da natureza jurídica do instituto em questão. A declaração de vontade é um elemento essencial em matéria de casamento. É um pressuposto. Quando não existir pelo menos uma certa aparência de uma declaração de vontade, não podemos falar que o casamento existiu para o direito.

No que toca a consentimento, além do Código Civil vigente, temos um Decreto n° 66.605 de 20 de maio de 1970, que promulgou o Decreto Lei 629.1969, trata-se da Convenção das Nações Unidas sobre o consentimento para o casamento, idade mínima para casamento e registro de casamento. No 1° artigo diz:

Art. 1º

[...]

1. Nenhum casamento poderá ser legalmente contraído sem o pleno e livre consentimento de ambas as partes, devendo este consentimento ser exprimido por estas em pessoa, depois da devida publicidade, ante a autoridade competente para celebrar o casamento e testemunhas, de conformidade com a lei.

A vontade, se não for manifestada, não tem como ter influência no campo jurídico. O casamento só passa a ter validade, a importar no mundo jurídico após a manifestação de ambos nubentes. A falta de declaração de vontade caracteriza um casamento inexistente.

Venosa (2009:365) diz que se debatem duas correntes: pela teoria da vontade, entende-se que deve perquirir a vontade interna dos agentes, sua real intenção; pela teoria da declaração, entende-se que não há que se investigar o querer interior do declarante, bastando deter-se na declaração em si. Essas teorias terão mais valia na análise do silêncio no casamento.

Assim, podemos identificar os elementos do consentimento: declaração de vontade propriamente dita e a vontade como elemento interno. “A vontade é ação querida, desejada, voluntária”, segundo Venosa (2009:367). Um nubente diz ao outro que aquiesce com sua proposta de matrimônio. O fato de serem tais atos praticados voluntariamente constituem, por si, a vontade da ação. O mais que almejado “sim” no ato do casamento, sem equívocos, ou mesmo titubear dos nubentes.

É importante frisar que essa declaração de vontade, esse consentir dos nubentes, deve ser consciente e voluntária. O artigo 1.514 do vigente Código Civil diz: A ocasião em que o matrimônio se realiza juridicamente é quando ocorre a manifestação espontânea do homem e da mulher perante o juiz que os declara matrimoniados. A consciência é indispensável na hora do matrimônio.

Imagine a situação de um nubente que, tendo feito todos os atos preparatórios do matrimônio, ou seja, devidamente habilitados, de última hora, vê o seu noivo(a) desistir do casamento. Sabendo disso, o outro nubente não desistente convida o outro para conversar, nesta conversa o embriaga e, logo após, leva-o para o casamento. Devidamente bêbado, mas sem essa aparência, o nubente, embriagado, diga o sim. Este ato não pode ser levado em conta para o direito, visto que falta a consciência e voluntariedade do ato. O casamento neste caso é inexistente.

O casamento é um núcleo irradiante de uma série de efeitos, tanto na ordem pessoal e patrimonial dos cônjuges. Por isso o Direito tem a preocupação de regulá-lo em suas minúcias. Acreditem, encontrei no livro de Caio Mário da Silva Pereira o processo psíquico de aceitação, de consentimento, de um individuo, vejamos:

No campo puramente psíquico distinguem-se três momentos: o da solicitação, o da deliberação e o da ação. Primeiramente, os centros cerebrais recebem o estimulo do meio exterior; em seguida, mais ou menos rapidamente, ponderam nas conveniências e resolvem como proceder; e finalmente reage a vontade de solicitação, levando ao mundo exterior o resultado deliberado. O primeiro é a atuação exógena sobre o psiquismo; o segundo, a elaboração interior; o terceiro é a exteriorização do trabalho mental, pela ação. (SILVA PEREIRA,2009,412).

Assim, podemos concluir que o consentimento no casamento deve-se traduzir por um querer de atitude inequívoca, e assim esta declaração terá efeitos e importância no mundo jurídico. É o que a doutrina chama de declaração receptícia de vontade, entre nubentes, óbvio.

1.1.         Consentimento Especial para Casar

 

 

Como já dissemos anteriormente, a capacidade para casar é diferente da capacidade civil, geral. Entenda-se por capacidade, lato sensu, do Código Civil como uma condição subjetiva de fato ou exercício, necessária para que uma pessoa possa praticar todos os atos, por si só, da vida civil. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2010:320): “Agente capaz, portanto, é o que tem capacidade de exercício de direito, ou seja, aptidão para exercer direitos e contrair obrigações na ordem civil. Esta é adquirida com a maioridade, aos dezoito anos, ou com a emancipação”.

Para o casamento há de certa forma um antagonismo, senão, vejamos. O artigo 1.517 do CC/2002 diz que os nubentes aos dezesseis anos podem se casar, desde que tenham autorização dos pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida à maioridade civil. Já no artigo 5° do mesmo CC/2002 diz que a menoridade cessa aos dezoito anos, mas que cessará para aqueles que os pais/responsáveis emanciparem, e dentre as causas de emancipação está o casamento. Diz claramente que a incapacidade cessa com o casamento. Ora, então aquele que casa aos dezesseis anos ganha a maioridade civil, sem necessidade de emancipação. Ou então, podemos entender que a autorização para o casamento vem acompanhada de uma emancipação. Seria assim a autorização para o casamento um pacote completo, que inclui: a autorização mais a emancipação do nubente de dezesseis anos? Ou seria a maioridade uma consequência direta do casamento? De fato, não encontrei muita coisa sobre o assunto na doutrina. Seria o casamento uma forma de emancipação ou a emancipação um pressuposto para o casamento? Eis a questão, usando a clássica indagação shakespeariana.

Se o casamento for realizado sem autorização dos pais, tutores ou curadores ou sem suprimento judicial não se trata de casamento inexistente, trata-se de casamento anulável. O matrimônio feito nesses moldes só poderá ser anulado se a ação de anulação for proposta em cento e oitenta dias, por iniciativa do incapaz, ao deixa-lo de sê-lo, de seus representantes legais, isso de acordo com a doutrina de Rolf Madaleno (2010:108). E, ainda baseado nesta doutrina, é que dá para responder ao enigma shakespeariano do parágrafo anterior. De acordo com o referido autor, o prazo de 180 dias para anulação do casamento para o incapaz que casou sem autorização só começa a contar a partir que este adquirir capacidade civil, aos 18 anos, se antes disso não for emancipado, Madaleno (2010:108). Ou seja, o casamento não gerou a emancipação do menor, visto que se este tivesse emancipado, os prazos processuais correriam contra ele como se capaz fosse. Mas esta é uma questão polêmica que deixamos a cargo da doutrina resolver.

Continuando, e em suma, maiores de dezoito anos podem casar quando quiserem desde que não tenham contra eles causas impeditivas ou suspensivas para o contrato de matrimônio. Já os menores, de dezesseis a dezoito, precisam de autorização especial para casar, dos pais ou responsáveis. Essa autorização pode ser suprida pelo judiciário, quando for considerada injusta. Daí, nesse caso, tem que analisar caso a caso para verificar se há injustiça ou não, ou mesmo conceituar o que seria injustiça no que toca à autorização para casar.

Há outro ponto a se tratar quando se fala de autorização especial para casamento, é o caso do exposto no artigo 1.520 do CC/2002, que diz: “Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”. O doutrinador Rolf Madaleno explana de forma singular o exposto neste artigo, a seguir transcrevo o que diz o autor:

[...] não será anulado o casamento por motivo de idade, de que tenha resultado gravidez, por ser preferível manter a unidade familiar instituída por uma relação de amor e da qual resultou gravidez a destruir esta unidade de afeto por amor ao formalismo, em nome do rigor da vedação legal, quando a toda evidência os fatos e os sentimentos de duas pessoas já venceram as barreiras da intransigência legal, e que se a certa feita se deixaram levar pelo impulso na inexperiência e pela imaturidade de levar adiante um projeto de união acrescida de um filho dessa relação, cujo fruto deve permitir seja selado pela esperança de unidade um casamento inicialmente proibido. (MADALENO,2010,109).

No caso de “para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal”, é o caso de estupro, regra geral ou na maioria dos casos. São estes os casos de consentimento especial para o casamento. A seguir, iremos analisar as consequencias do silêncio no ato do contrato de matrimônio.

1.1.         Silêncio

 

 

Quando se fala em silêncio em direito, e na seara cível, antes de qualquer coisa temos, que recorrer ao que diz o artigo 111 do Código Civil: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Podemos, assim, concluir, a partir do artigo citado, que o provérbio “quem cala consente”, em regra, não se aplica ao direito. Trata o silêncio como uma exceção à regra. Excepcionalmente, em determinadas circunstâncias, pode ter um significado relevante e produzir efeitos jurídicos. Ou seja, o silêncio pode ser interpretado como uma manifestação tácita da vontade quando a lei confere a este tal efeito. Este não é o caso do casamento.

O casamento é ato solene que exige declaração expressa dos nubentes, não há que conferir ao silêncio de um dos nubentes uma aceitação tácita. Sim, é sim. Não, é não; e o silêncio é a ausência de manifestação de vontade, e um dos pressupostos de existência do casamento é a declaração expressa dos nubentes.

É importante falarmos aqui da reserva mental, que seria a vontade que se passa na cabeça do declarante na hora da emissão da vontade. Ocorre quando um dos declarantes oculta sua verdadeira intenção, isto é, quando não quer um efeito jurídico que declara querer, Gonçalves (2010:315). Se o outro, a quem se declara a vontade em questão, não sabe da reserva mental o ato subsiste e produz os efeitos que o declarante não desejava. Se souber, é simulação, e assim será nula de pleno direito. Isto aplicando a regra geral dos negócios jurídicos ao contrato de matrimônio.

O silêncio no casamento não pode ser interpretado como uma forma de anuência de um ou dos cônjuges. O casamento é regulado por normas cogentes, de ordem pública e não pode ser interpretado à luz dos negócios jurídicos. Por ser extremamente pedagógico e esclarecedor usaremos as palavras de Caio Mário da Silva Pereira (2009:430) quando fala da interpretação que deve ser dada aos negócios jurídicos e nos permite incluir o casamento em determinados pontos, vejamos:

Na sua interpretação o que se procura é a fixação da vontade, e como esta deve exprimir-se por uma forma de exteriorização, o ponto de partida é a declaração de vontade. O hermeneuta não pode desprezar a declaração de vontade sob pretexto de aclarar uma intenção interior do agente. Deve partir, então, da declaração de vontade, e procurar seus efeitos jurídicos, sem se vincular ao teor gramatical do ato, porém indagando da verdadeira intenção. Esta pesquisa não pode situar-se no desejo subjetivo do agente, pois este nem sempre coincide com a produção das consequências jurídicas do negócio. As circunstâncias que envolvem a realização do ato, os elementos econômicos e sociais que circundam a emissão de vontade são outros tantos fatores úteis à condução do trabalho daquele que se encontra no mister de, em dado momento, esclarecer o sentindo da declaração de vontade, para determinar quais são os verdadeiros efeitos jurídicos.

Veja que o autor defende que não podemos desprezar a declaração da vontade considerando atos posteriores ou anteriores do agente, e isto se aplica perfeitamente ao casamento. Imagine a situação do cônjuge que passa por todas as fases de habilitação do casamento, entretanto, desistiu do casamento. E, na hora da celebração fica constrangido de dizer “não” na hora do “sim”, e fica calado. Ora, o casamento é um ato solene que não comporta dúvidas e com exceção daqueles que não possam se expressar de forma clara (os surdos mudos, por exemplo), a celebração exige uma declaração expressa de anuência ao ato que está celebrando-se. E no caso do nosso cônjuge o silêncio dele iria importar na anuência de ato que era exatamente o contrário do que ele pretendia. Por isso, no casamento, não é possível a aplicação do artigo 111 do Código Civil, o silêncio não é sinônimo de anuência. Sim, é sim. Não, é não. E o provérbio “quem cala consente” não tem valia na seara do direito civil quando fala em casamentos, mesmo esse ato sendo no fundo um negócio jurídico.

O silêncio é a falta de sim, de não. É a ausência de manifestação de vontade. Existem várias formas que um individuo pode se expressar, por escrito, por sinais, mímica, etc., e a manifestação que não seja expressa não pode ser interpretada no casamento como um consentimento. Quando se fala em declaração, fala-se indubitavelmente do início de um negócio jurídico, e exige-se a declaração objetiva de um sujeito de direito, e dentre seus elementos constitutivos, dois deles são: forma e conteúdo da declaração. No casamento, a forma deve ser explicita nunca tácita; e o conteúdo da declaração deve ser “sim” ou “não”.

1.2.         Por Procuração

 

 

Mandato é o pacto pelo qual alguém (mandatário ou procurador) aufere de outrem (mandante) competência para, em seu nome, exercitar atos ou administrar interesses, Diniz (2010:369). A procuração é uma representação em que o representante pratica determinados atos que dão direitos e obrigações que repercutem na esfera jurídica de quem está representando. O representante fala e age em nome do representado, é o mandante quem contrai as obrigações e adquire os direitos como se tivesse participado pessoalmente de tudo o que foi acordado mesmo sem sua presença física.

Toda procuração tem como característica: contratualidade, o representante deve aceitar a procuração expressamente, assim como no casamento, o silêncio não tem validade, não importa em anuência; representatividade, aqui a ideia de representação é inevitável, já que se fala de um estabelecimento de um liame entre representante, representado e uma terceira pessoa e a última característica é a revogabilidade, uma vez que “qualquer das partes (mandante e mandatário) poderá por termo ao contrato, sem aquiescência do outro, sem qualquer justificativa, mediante simples manifestação volitiva unilateral: revogação por parte do mandante e renúncia por parte do mandatário”, segundo Diniz (2010:372).

O mandato ou procuração compõe a parte obrigacional do Código Civil, especificadamente da parte contratual. Vejamos então que peculiaridades este instituto quando tratado pelo direito de família, em especial, o casamento.

O artigo 1.542 do CC/2002 diz que o casamento pode ser celebrado mediante procuração, por instrumento público com poderes especiais ao mandatário para receber, em nome do mandante, o outro cônjuge. Assim, aquele nubente que não puder comparecer ao seu próprio casamento, que esteja impossibilitado, poderá mandar alguém o representar, basta nomear um procurador com poderes especiais para representá-lo no ato da celebração do casamento. E mais: se nenhum dos cônjuges puder comparecer ao casamento, ambos podem ser representados por procuradores com poderes especiais para casar, desde que não seja uma única pessoa. Ou seja, não é permitido que um único procurador represente os nubentes.

O procurador, na condição de defensor dos direitos de seu mandante poderá até negar-se ao matrimônio, caso enxergue uma situação em que possa supor que seu mandante não se casaria nestas situações. Exemplo: Na hora do casamento o mandatário vê que a futura esposa de seu mandante tem uma doença de pele, ele, sabendo que seu representado é uma pessoa perfeccionista em relação a mulheres, nega, pois tem certeza que nessas condições seu mandante não se casaria. O curioso disso é achar que o casamento por procuração é reflexo da modernidade, que as pessoas hoje em dia estão tão ocupadas em seus afazeres, que nem mesmo no seu casamento podem comparecer. Ledo engano. Isso é uma forma mais arcaica que moderna de casamento.

O casamento por procuração nos remete aos casamentos arranjados de alguns anos atrás, isso segundo o estudo do departamento de sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (2009: 128). As famílias mais importantes não queriam que suas proles fossem dadas a qualquer um, assim, para fortalecer os laços de sangue, reafirmar relações de poder ou mesmo por simples conveniência social sempre se preocupavam, e viam, o casamento como uma forma de identidade pessoal e social, o que de certa forma ainda é, e seus pupilos/filhos(as) tinham seus casamentos encomendados desde muito cedo. E por vezes, sem mesmo nunca terem visto um ao outro, acabavam se casando. E muitas vezes esse casamento era feito entre representantes.

Nos termos atuais, da atual legislação, o mandato poderá revogado só por instrumento público e terá eficácia pelo prazo de noventa dias. Se o mandante revogar a procuração e o mandatário não sabendo, case-se, o mandante pagará por perdas e danos. Nada mais justo para aquele que casa por procuração e ainda desiste do casamento em tempo não hábil. Se, apesar da desistência, arrependa-se, para dar validade ao casamento, basta haver coabitação entre nubentes. 

Em nosso direito, parece-nos, quer se trate de morte, da qual tenham notícia o procurador e o outro contraente, quer de revogação de mandato, o casamento não terá realizado validamente, porquanto a lei exige a manifestação do consentimento no próprio ato de celebração, e o consentimento requerido é o do mandante, e não o do mandatário. Óbvio é que a declaração feita pelo procurador, após a morte do representado ou a revogação do mandato, não corresponde à vontade atual do mandante. O contraente prejudicado, no caso de revogação, terá direito à indenização por perdas e danos, como expressamente lho autoriza [...]. (GONÇALVES,2010,108).

O casamento por procuração não é admitido em todos os países. Na Itália somente se permite para os militares em tempo de guerra ou para os residentes no estrangeiro. Na Alemanha, é expressamente proibido, segundo Gonçalves (2010:107).

No Brasil, é permitido, desde que cumpram os nubentes todas as exigibilidades da lei: outorga por instrumento público de poderes especiais para o mandatário receber, em nome do mandante, o outro consorte, com uma individualização bem precisa. A menção ao regime de bens não é obrigatória, embora possa ser feita. Se vier a falecer o mandante e isso não chegue ao mandatário a tempo de que não se celebre o casamento, e este venha a ser celebrado, o casamento será inexistente. “Inexiste o casamento realizado por procuração quando já operada a revogação em virtude do falecimento do outorgante”, conforme aponta Gonçalves (2010:110). O casamento por procuração deve ser algo usado com muita cautela, pois pode gerar diversos litígios judiciais.

A morte do mandante faz cessar o mandato para o casamento como faz cessar qualquer que seja o mandato. Mesmo que o mandatário ignore a situação, não vale o casamento que foi contraído após a morte do mandante, o casamento não existe. Não se permite constituir-se um casamento quando já morto um dos noivos, o casamento estabelece relações pessoais que não podem ignorar essa realidade fática. Vejam bem: como seria possível dar existência jurídica a um casamento realizado quando um dos noivos já faleceu?! Até existe hipótese a se considerar quando falamos de casamento realizado com um dos nubentes prestes a morrer[1], mas, quando este já faleceu, é impossível, e o casamento nestes termos será inexistente. Não existirá no mundo jurídico.

  

1.3.         Coação Absoluta

 

 

Há coação quando alguém é levado a proceder, a concordar com algo que não queria que ocorresse, mas, diante de manobras ou maquinações de outrem, acaba cedendo à sua própria vontade em favor deste, que, pela utilização da violência física ou da moral, compele aquele a um fim não almejado, mas forçado, excluindo completamente a vontade do individuo. No Aurélio encontramos a seguinte definição: “co.a.ção. 1. Ato de coagir, constrangimento; 2. Estado, situação de pessoa coagida.”

A doutrina diz que existem dois tipos de coação, quais sejam: vis absoluta e a vis compulsiva. Pela primeira, o agente é compelido por violência física, que exclui completamente a sua vontade; pela segunda, há a violência moral, que atua sobre o ânimo do agente, levando-o a uma declaração viciada, conforme explica Pereira (2009:453).

Quando ocorre a violência física, não é possível dizer que houve uma emissão de vontade. Uma pessoa que assina um documento sob violência física, sob uso da força, não está manifestando vontade alguma, falta completamente o consentimento nesse ato, logo, é absolutamente viciado. Um casamento realizado sob essa espécie de violência está de tal modo maculado que nenhuma repercussão jurídica terá, já que, como vimos, a coação absoluta implica a total ausência de consentimento e, sem consentimento, não há casamento. Trata-se de casamento inexistente.

Coação é toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um individuo para forçá-lo, contra sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. Não é a coação, em si, vicio de vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação do querer do agente. Corretamente, os romanos empregavam o termo metus (mentis trepidatio) e não vis (violência), porque é o temor infundido na vítima que constitui o vício do consentimento e não os atos externos utilizados no sentido de desencadear o medo.(GONÇALVES,2010,173)

No contrato de matrimônio é imprescindível a manifestação de vontade, sem vícios. A coação vicia o ato, principalmente a absoluta, violência física, de maneira que o casamento realizado nesses moldes é inexistente.

Coagido por violência, o nubente que é levado à força ao altar tem sua vontade totalmente anulada, impede a formação do ato, visto que o coator impõe ao coagido uma manifestação de vontade não querida por este.

Há ausência da manifestação de vontade, e isso fere claramente um dos elementos da essência do casamento: manifestação expressa, não tácita, de que os nubentes pretendem casar-se. Neste caso, se um casamento é realizado por coação absoluta, sequer há a necessidade de se buscar sua anulação ou declaração da sua nulidade, como, por exemplo, ocorre se a violência for apenas moral. Somente podemos invalidar um ato jurídico se antes de tudo houver o reconhecimento que o ato existe para o direito, e neste caso, e em alguns outros aqui apresentados, o ato sequer chegou a existir. “A falta de um dos elementos essenciais anteriores à análise dos pressupostos de validade gera a inexistência do ato perante a ordem jurídica”, conforme ensina Lisboa (2009:509). O ato inexistente não tem qualquer validade para o direito, e neste caso, temos um claro caso de ato inexistente.

1.4.  Conclusão

 

Concluindo a ideia aqui exposta, abrimos a questão sem criar verdades absolutas acerca do tema. O Direito é mutável, logo, não podemos tirar conclusões definitivas.

Resumindo o estudo proposto: apresentamos de início, a teoria da vontade em contraponto com a teoria da declaração, enquanto aquela apresenta a intenção subjetiva, esta esclarece a vontade expressa do agente. O consentimento como meio imprescindível para a formalização jurídica do casamento, o que a doutrina chama de receptícia da vontade entre os nubentes.

Viu-se que a emancipação pode ser um pressuposto ou um dos efeitos do casamento, também aprendeu-se que em casos excepcionais tem-se o silencio como manifestação tácita em determinadas circunstancias como o casamento dos mudos ou pessoas incapacitadas de falar.

Outro aspecto interessante para a caracterização da existência do casamento em matéria de consentimento é, observar a reserva mental como um dos vícios de vontade que a depender do outro cônjuge conhecer ou não a real intenção do cônjuge parceiro que agiu de má fé, poderá subsistir ou não os efeitos do casamento.

O casamento por procuração, que não é um instituto recente e que apesar de derivar de um sistema arcaico, pode-se dizer que atualmente é um eficiente instrumento caso um dos nubentes ou até mesmo os dois não possa comparecer pessoalmente na data e local da celebração.

E para finalizar como não poderia deixar de ser, destacar os vícios do consentimento que podem acarretar a inexistência do casamento como a coação absoluta que, é quando o nubente é compelido a casar através de violência física ou moral, na qual não é possível manifestar a sua própria vontade, tornando a própria declaração viciada, sem consentimento, tratando-se por tanto, de casamento inexistente.

REFERENCIAS:

ANDERSON, Michael, (1984), Elementos para a História da Família Ocidental 1500-1914, Lisboa; Editorial Querco.

BRASIL. (1998). Constituição Federal do Brasil. Brasília.

DINIZ, Maria Helena. Teoria geral das Obrigações. São Paulo: Ed. Saraiva. 2008.

FIUZA, Cesar. Direito Civil; Curso Completo. 5ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2009

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.

MADALENO, Rolf; Novos Horizontes no Direito de Família, São Paulo, Ed. Forense, 2010.

PEREIRA, Caio Mário Da Silva. Institutos do Direito Civil – volume I. São Paulo: Ed. Forense, 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo; Direito de Família, São Paulo, Ed Atlas, 2009.



[1] Trata-se do casamento nuncupativo previsto no art. 1540 do Código Civil.