Conselho Nacional de Justiça: O efetivo cumprimento do artigo 5°, inciso XLIX da Constituição Brasileira de 1988.*

 

  Henrique Kaian Souza Fonseca**

      Idbas Ribeiro de Araujo

 

 

Sumário: Introdução; 1 O preso à luz da constituição cidadã de 1988 e a realidade carcerária brasileira; 2 O Conselho Nacional de Justiça e o Estado Democrático de Direito; 3 O impacto positivo para a comunidade carcerária à partir da EC n°45; 4 Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O presente artigo tem como principal objetivo analisar a importante mudança no sistema prisional brasileiro advinda da Emenda Constitucional n° 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça. Faremos uma reflexão acerca da grave violação dos direitos do preso, relacionando-as com a intervenção do Conselho Nacional de Justiça nos complexos penitenciários de forma a minimizar tamanho desrespeito às garantias constitucionais fundamentais asseguradas, dentre outras, no inciso XLIX do artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil.    

PALAVRAS-CHAVE

Direitos do Preso. Constituição Federal de 1988. Conselho Nacional de Justiça.

 

 

"A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”


Rui Barbosa - Jurista brasileiro

 

 

INTRODUÇÃO

 

             O sistema prisional brasileiro tem sido alvo de diversas críticas por parte da mídia e de outros segmentos da sociedade, inclusive por membros do poder judiciário. O motivo de tamanha insatisfação é oriundo, dentre outros, da superlotação dos presídios e do desrespeito às garantias fundamentais constitucionais dadas aos presos, sobre as quais versa a Constituição Cidadã de 1988 em seu artigo 5°, inciso XLIX: “É assegurado ao preso o respeito à integridade física e moral”.

              A análise do inciso supracitado é digna de uma abrangência muito maior porque trata de assunto que atinge diretamente a dignidade humana, ainda que seja a de um indivíduo que tenha cometido uma conduta desviante, contrária ao ordenamento legal. A morosidade na apreciação dos processos de pessoas que se encontram presas, afrontam diretamente as garantias constitucionais, da mesma forma como as condições míseras de grande parte dos detentos não proporcionam a aquisição dos benefícios provenientes da Lei de Execuções Penais por não disporem de recursos capazes de custear sua defesa.

            A criação do Conselho Nacional de Justiça, a partir da Emenda Constitucional n° 45 vem proporcionar um efetivo cumprimento das garantias constitucionais fundamentais atribuídas aos presos. Uma forma de minimizar os prejuízos materiais e morais advindos das condições hostis e degradantes por que passam os presos nos presídios brasileiros.     

    

1. O PRESO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988 E A REALIDADE CARCERÁRIA BRASILEIRA.

 

            A Constituição Brasileira de 1988 consagrou uma gama inovadora de direitos que visam preservar a dignidade daqueles que tiveram condutas contrárias ao ordenamento jurídico. O legislador constituinte entendeu que embora estes indivíduos tenham cometido algum delito sujeito a uma pena de restrição de liberdade, o papel desta não reside, apenas, em retirá-lo do seio social em função da sua periculosidade ou culpabilidade. Há que se buscar alternativas capazes de assegurar-lhes uma condição existencial mínima, de reinseri-los na sociedade sem que estes retornem às suas práticas delituosas, ou seja, ressocializados.

A integridade física e moral dos presos, assegurada pelo texto constitucional em seu artigo 5°, inciso XLIX estão pautadas em um dos pilares norteadores do ordenamento maior, a saber, a dignidade da pessoa humana. Esta constitui-se em qualidade intrínseca que garante ao ser humano um tratamento respeitoso, tanto por parte da sociedade como pelo Estado. Sobre este tema assim se pronuncia o, ilustríssimo, professor Luís Roberto Barroso:

A dignidade humana representa superar a intolerância, a discriminação, a exclusão social, a violência, a incapacidade de aceitar o diferente. Tem relação com a liberdade e valores do espírito e com as condições materiais de subsistência da pessoa[1].

Ao estabelecer tamanha proteção aos direitos do preso, o constituinte pretendeu abolir do ordenamento jurídico qualquer ato permissivo de condutas degradantes ou cruéis. Isso significa que tais condutas estendem-se para além dos procedimentos disciplinares garantidores da ordem nos estabelecimentos penais, atingindo também a morosidade do poder judiciário no tocante a apreciação dos processos. Sem dúvida, a demora na apreciação destes processos degrada o indivíduo que se encontra preso tanto física quanto moralmente, uma vez que o expõe a situações humilhantes, aviltantes, provenientes das condições estruturais precárias, bem como das superlotações que atingem os estabelecimentos penais brasileiros.     

O que se observa na prática são verdadeiros depósitos de gente, justificados pelo poder punitivo do Estado como uma forma de manter a segurança da sociedade. O que torna este quadro ainda mais dissonante do texto constitucional e, portanto, desconexo com a dignidade humana são as prisões cautelares, uma vez que há presunção de inocência todas as vezes que a sentença penal condenatória ainda não tenha transitado em julgado.

A Constituição estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal. Dessa forma há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal.[2]

A demora na apreciação destes processos expõe “inocentes” a uma situação potencial de desrespeito aos direitos fundamentais. De forma semelhante os presos com sentença transitada em julgado não se beneficiam em tempo hábil dos benefícios provenientes da lei de execução penal, a maioria deles por não disporem de recursos suficientes para contratarem advogados e, desta forma prover sua defesa.

Por fim, percebemos uma contradição entre o texto constitucional, sobretudo o inciso LXIX do artigo 5° e a realidade presente nas prisões brasileiras. Não há que se conceber apenas a positivação dos direitos fundamentais como a única fonte garantidora desses direitos, mas necessário se faz estabelecermos políticas capazes de dar efetividade às garantias inerentes ao preso, dadas pelo legislador. 

2. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Com o advento da Constituição Cidadã de 1988 mudanças significativas foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico, uma vez que, ao estabelecer em seu artigo 1° que “a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”, o legislador constituinte pretendeu qualificar como democrático, o Estado e não o Direito, estabelecendo desta forma que tal qualificação deve atingir todos os elementos constitutivos do Estado, dentre eles, a ordem jurídica[3]. Neste sentido, percebemos que um verdadeiro Estado Democrático de Direito não se caracteriza apenas pelo reconhecimento formal dos direitos e garantias individuais e coletivos, ainda que esta seja uma forma fundamental de expressão do Direito positivo.

O artigo 1° da referida Carta Maior garante que o Estado brasileiro é Democrático de Direito, importando assim em transformação revolucionária do status quo. A esse respeito, as palavras do professor José Afonso da Silva são suficientes para traduzir a importante redação do artigo supracitado:  

   

O Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo.[4] 

Percebemos diante do brilhante esclarecimento do autor que o Estado Democrático de Direito adotado pelo constituinte é “conceito-chave” para a interpretação dos princípios norteadores do ordenamento jurídico vigente, uma vez que, devem ser entendidos de forma a não comprometer a dignidade da pessoa humana, ainda que de forma mínima. A revolução do status quo advinda deste Estado deve ser responsável por criar mecanismos capazes de possibilitar a concretização da justiça social. 

Preocupado com o direito-dever de punir do Estado, cuja incumbência maior é destinada ao poder judiciário, o constituinte, através da Emenda Constitucional de número 45 instituiu o Conselho Nacional de Justiça, cuja função consiste em controlar administrativa e financeiramente, dentre outras, o poder Judiciário.

A criação do referido órgão vem corroborar com as características de um Estado Democrático de Direito na medida em que legitima democraticamente os membros do Judiciário quando da sua atuação junto à sociedade. Esclarecedoras são as palavras do já citado professor José Afonso da Silva quando aborda esse assunto:

Esse tipo de órgão externo é benéfico à eficácia das funções judiciais, não só por sua colaboração na formulação de uma verdadeira política judicial, como também porque impede que os integrantes do Poder Judiciário se convertam em um corpo fechado e estratificado. Sob outro aspecto, não é desprezível a idéia de que esse tipo de órgão contribua para dar legitimidade democrática aos integrantes do Poder Judiciário, cuja investidura não nasce da fonte primária da democracia, que é o povo.[5]

Parece-nos evidente que o ordenamento jurídico brasileiro, através da EC n° 45 proporcionou à sociedade um importante mecanismo garantidor dos direitos e garantias estabelecidos pela Constituição de 1988, de forma a fiscalizar os arbítrios, bem como a ineficiência, decorrentes da atuação deficiente dos membros do Poder Judiciário. Uma forma de controle que ratifica os princípios contidos no artigo primeiro da carta maior, característicos do Estado Democrático de Direito.

      

           

3.  O IMPACTO POSITIVO PARA A COMUNIDADE CARCERÁRIA A PARTIR DA EC N° 45.

 

            A instituição do Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional n° 45 estabeleceu um marco na efetiva consolidação dos direitos inerentes ao preso. Trata-se de um reconhecimento de que a execução das penas privativas de liberdade devem ser feitas de forma a garantir uma vida digna àqueles que se encontram no cárcere, sem que sejam atingidos em seus direitos fundamentais.

       Necessário se faz ressaltar que a “composição híbrida do CNJ, não compromete a independência interna e externa do Judiciário, porquanto não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário” [6].          Trata-se aqui apenas de estabelecer as diretrizes de atuação do poder judiciário para uma justiça mais célere.

       A iniciativa de levar o poder Judiciário até o preso (através dos mutirões carcerários) demonstra a preocupação do Judiciário em facilitar o acesso à justiça, corroborando com as garantias expressas em nossa carta magna. Pretendeu desta forma o legislador, dignificar o preso, elevando-o ao status de merecedor de direitos, ainda que este tenha transgredido o ordenamento legal.

       Nunca em nosso país houve tanta preocupação com a situação aviltante das prisões brasileiras. A atuação do poder Judiciário junto ao preso tem ganhado ares de valorização da dignidade humana, uma vez que a quantidade de processos analisados nos mutirões carcerários tem garantido aos detentos a efetiva integridade física e moral apregoada pela Constituição Cidadã de 1988.            

              

 

CONCLUSÃO

 

            Como visto, a Constituição Federal de 1988 tem garantido expressamente direitos aos cidadãos que praticam condutas desviantes, contrárias ao ordenamento jurídico. Desta forma, não podemos concordar com a situação degradante que atinge a maioria dos complexos prisionais brasileiros.

            A dificuldade da maioria dos presos em pleitear a tutela de um direito perante o Judiciário tem contribuído para a criação de ambientes hostis que esmiúçam qualquer resquício de garantia proveniente do Texto Maior. A morosidade processual impede o acesso em tempo hábil, de benefícios garantidos e vislumbrados pelos presos fazendo com que estes percam não apenas a sua liberdade mais também a sua dignidade.

            Com o advento do Conselho Nacional de Justiça, há que se reconhecer o efetivo cumprimento das garantias preconizadas pela Constituição no que concerne aos direitos inerentes aos presos. Os constantes mutirões carcerários, além de proporcionarem o acesso à justiça, garantem também a reinserção dos apenados no seio social através de programas como o “Começar de Novo”, tornando-os partícipes do processo de ressocialização, uma das funções declaradas da pena. É a partir de iniciativas desta natureza que conseguiremos caracterizar o Estado Brasileiro como efetivo Estado Democrático de “Direiros”.      

REFERÊNCIAS

 

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro - Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: Barroso, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Consulta em 10 abr. 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007.

STF – Pleno – Adin n° 3367/DF – Rel. Min. César Peluso, decisão: 13-4-2005. Informativo STF n° 383.



* Artigo científico apresentado à disciplina de Direito Constitucional I, do 3º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco ministrada pela professora Luíza de Fátima para obtenção de nota.

** Alunos do 3º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[1] BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro - Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: Barroso, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 38.

[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p 119.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p 119.

[4] Ibdem. p 112.

[5] Ob cit. p 568.

[6] STF – Pleno – Adin n° 3367/DF – Rel. Min. César Peluso, decisão: 13-4-2005. Informativo STF n° 383.