CONFLITOS INDÍGENAS NO ESTADO DE RORAIMA: Conflito entre índios Waimiri-Atroari e população ribeirinha no Estado de Roraima. 

 

 

Thiago Ferreira Souza [1]

Danilo Costa Silva[2]

 

 

Sumário: 1 Introdução.2 A realidade histórica dos índios no Brasil. 2.1 Histórico dos índios em Roraima. 3 Quem são os Waimiri-Atroari? 3.1 Os contatos iniciais com os Waimiri-Atroari. 3.2 Os frutos de um contato traumático.4 A interdição da via fluvial pelos Waimiri-Atroari. 5 Quem são os ribeirinhos e qual sua postura mediante a interdição dos Waimiri?  6 A posição do Estado de Roraima a respeito do conflito. 7 Conclusão. Referências.

 

 

RESUMO

 

Realiza-se um estudo que busca analisar os conflitos entre índios e não-indios desde o principio do processo de colonização das terras brasileiras e, em especial, o conflito da etnia Wamiri-Atroari com a população ribeirinha, que se encontra impedida de trafegar nos rios Jauaperi e Macucuaú (única via pública existente na região). Visando evitar a instauração de conflito armado, o Estado de Roraima tenta resolver tal situação, ingressando com uma Ação Cível Originária (ACO) no Supremo Tribunal Federal (STF), que pede o desbloqueio da referida via.

 

 

PALAVRAS-CHAVE

Conflitos indígenas. Interdição de vias fluviais públicas. Estado soberano. 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Com advento das expansões marítimas européias, que culminaram com a “descoberta” do continente americano, logo se processou a colonização. Dando inicio a partir desse momento aos contatos iniciais, com os habitantes que aqui já habitavam. É quando começa o processo de traumas e conflitos gerados, graças à cobiça dos não-indígenas, que vêem nos índios um meio a ser explorado em seu beneficio. Que se processará de formas variadas, que vão desde o escambo de produtos do seu interesse, até a escravização dos mesmos, como mão-de-obra, para o desenvolvimento de culturas como, por exemplo, a cana – de – açúcar.

Foi assim, que os índios começaram a ter receio e desconfiança dos não-indígenas, provocando em seqüência as reações de autodefesa, observadas ao longo do tempo, e refletidas até hoje, a exemplo está o conflito em estudo entre ribeirinhos e índios da etnia Waimiri.

   

 

2 A REALIDADE HISTÓRICA DOS ÍNDIOS NO BRASIL

 

Na historia do Brasil, que temos contato, é fácil notarmos as inúmeras agressões que os índios sofreram, desde o principio da colonização, causando impactos tanto físicos quanto psicológicos. Lembrando que os índios foram “atraídos pelos objetos oferecidos pelos portugueses, (...) e seguidamente os nativos foram usados em beneficio dos interesses dos colonizadores” [3].

Na América, o contato entre europeus e indígenas teve profundo impacto para ambos. “Representou o confronto de duas humanidades diversas, tão heterogêneas, (...) que não deixa de impo-se entre elas uma intolerância mortal” [4]. Durante séculos de colonização portuguesa no Brasil, modificou-se profundamente o modo de vida dos indígenas, alterou-se o meio ambiente, criaram-se novas relações sociais e econômicas.

Apesar de o povoamento ter se concentrado nas regiões litorâneas, os europeus avançaram pelo interior do território. Esse avanço foi marcado por lutas (entre índios e europeus), tanto pela posse de terra quanto de riquezas naturais.

 

O relacionamento entre comerciantes portugueses e vários povos indígenas foi-se tornando conflituoso à medida que os índios resistiam a submeter-se aos europeus. Para obter o trabalho indígena, os colonos não hesitaram em usar a violência e impor a escravidão. [5]

 

 

         

Uma sucessão de conflitos contra os índios marcou a conquista de regiões no século XVI. Com o surgimento da produção açucareira na metade do século XVI, estabeleceu-se a escravização indígena, que exerceria papel fundamental, sendo a mão-de-obra a qual impulsionaria esse processo. “Os portugueses e alguns aliados indígenas guerreavam contra os índios inimigos, e os prisioneiros eram distribuídos ou vendidos como escravos” [6].

No século XVII, a escravidão ainda continuou ligada à expansão açucareira, mas se estendeu também para outras atividades econômicas como, por exemplo, a extração das “drogas do sertão” (guaraná, cravo, castanha, baunilha, plantas aromáticas e medicinais).  

Essa forma como agiam os europeus (colonizadores) impuseram aos povos americanos costumes que afetaram profundamente a sobrevivência de suas comunidades. Nas colônias portuguesas, populações indígenas inteiras foram removidas de suas regiões de origem para trabalhar como escravos para os conquistadores.

Tanta agressão aos índios gerou conseqüências nefastas a sua continuidade sendo que muitas tribos chegaram a ser dizimadas.

No entanto, não foi só a escravização o único agente causador de abalos as comunidades nativas, existiram outros como:

- As doenças contagiosas, como sarampo, tifo, coqueluche, varíola, malaria e gripe. Que eram espalhadas rapidamente, sendo que os índios não tinham resistência imunológica contra elas.

- Os conflitos inter-tribais, que se fez estabelecer alianças entre os portugueses e tribos que aprisionavam e vendiam seus rivais.

Apesar da brutal dizimação provocada pela conquista e colonização européia da América, os povos indígenas continuam lutando, até nossos dias, pelo respeito a sua terra, cultura e liberdade.

 

2.1 Histórico dos índios em Roraima

 

Analisando a historia dos índios, no estado de Roraima, é possível perceber uma serie de transtornos que lhes foram proporcionados ao longo de anos:

 

A colonização portuguesa dos sertões do Brasil, principalmente do vale do Rio Branco, pode ser dividida em três fases: escravização indígena, tentativa de estabelecer instalações indígenas no alto rio Branco e estabelecimento de instalações não-índias.

No século XVIII, os portugueses enviaram expedições ao Rio Branco para capturar ou trocar escravos índios pelas chamadas drogas dos sertões (salsaparrilha, gengibre, castanha etc.), ferramentas ou armas. Mesmo os holandeses tendo chegado primeiro, os portugueses conseguiram a hegemonia com os índios.

O rio Branco foi o principal alvo da colonização portuguesa, que tinha a pretensão de ampliar as terras conquistadas, extrapolando os limites preestabelecidos pelo Tratado de Madri (1750). Ele era a porta de entrada para a Amazônia. Para consolidar o domínio da região, foi construído o forte de São Joaquim, no ano de 1775, na confluência dos rios Tacutu e Uraricoera, onde nasce o rio Branco.

O Marquês de Pombal mandou parar com a escravização indígena e obrigou o uso da língua portuguesa em toda a região. O objetivo mais uma vez foi alargar as fronteiras, estabelecendo relação amistosa com os grupos indígenas, visando intensificar a presença de não-índios. As mudanças impostas pelos portugueses no estilo de vida indígena quase não foram aceitas. Os macuxi resistiram às mudanças impostas ao longo de tempo. Seu primeiro contato oficial com os portugueses ocorreu em 1784. Apenas em 1789 os primeiros pequenos grupos de macuxi chegaram às instalações, mas não ficaram muito tempo.
A terceira fase de colonização no vale do rio Branco buscou introduzir o gado bovino. Embora o extrativismo florestal ainda fosse a atividade econômica principal para todo o século XIX, a criação de gado começou a ganhar importância. Em 1787 chegaram a Roraima as primeiras cabeças de gado.

As Fazendas Nacionais, criadoras de gado de corte, foram fundadas para prover a capitania de carne. O funcionamento efetivo das Fazendas Nacionais São José, São Bento e São Marcos não correspondeu às expectativas governamentais. Em 1869, as Fazendas Nacionais diminuíram para duas e fazendas privadas somariam mais de 80, em 1885.

Em Roraima, a pecuária foi mais que uma atividade econômica. Ela fez parte de uma geopolítica de ocupação do território que compreende o Vale do rio Branco, palco de disputa entre ingleses, espanhóis, holandeses e portugueses até meados do século XIX. A colonização de fato ocorreu pela "pata do boi".

No começo do século XX apenas São Marcos era ainda uma Fazenda Nacional; as outras tinham sido ocupadas por fazendeiros, que iam desenvolvendo rebanhos privados em terras públicas. Em1916, afazenda São Marcos foi entregue ao SPI (Serviço de Proteção ao Índio), posteriormente Funai (Fundação Nacional do Índio), para ser administrada, embora o contato indígena com o gado já tivesse acontecido. Alguns macuxi tinham adquirido uma certa familiaridade com o gado trabalhando para fazendeiros vizinhos. Naquele momento, a propriedade privada da terra se tornou diretamente relacionada à posse de gado: "o gado marcado era praticamente o único critério para garantir a titulação da terra".

Com o declínio do ciclo da borracha no Amazonas, a pecuária entra em declínio no vale do rio Branco e começa emergir a atividade de mineração. O El Dorado já era perseguido desde o século XVI por excursões predominantemente formadas por estrangeiros.

Os primeiros registros de minérios datam de 1912 às margens do rio Urucá, um divisor entre Maú e Cotingo, próximo à fronteira com a Guiana, onde hoje está forjado o município de Uiramutã. Posteriormente seriam localizados diamantes na Serra do Tepequem, próxima aos Yanomami. O garimpo de Tepequem tornar-se-ia um dos principais pontos de extração diamantífera por várias décadas.

Os principais focos de exploração no Estado foram os vales do Maú, Quinô, Cotingo e o Tepequém. A partir de 1980 ganhou incremento o garimpo de Santa Rosa, na cordilheira Pacaraima, vindo a expandir-se para a área Yanomami em diversas frentes: Uraricoera, Apiaú, Mucajaí, Serra Couto Magalhães, Santa Rosa, Palimiú, Erikó, Jundiá, Catrimani, Paapiú, e Auaris.

A segunda metade da década de 90 fica conhecida pela "corrida ao ouro", devido o apogeu da garimpagem aurífera no Estado, com a presença estimada de 40 mil garimpeiros na área Yanomami. Com a sua homologação em1992, aatividade entrouem declínio. Seo impacto cultural sobre as sociedades indígenas foi violento, o impacto ambiental não foi menor para a sociedade indígena, pois com a expansão das fazendas, os rebanhos e as cercas avançavam sobre a terra como marcos tangíveis da posse dos brancos, limitando drasticamente o acesso aos recursos naturais do lavrado fundamentais para sua economia de subsistência.

A população e a atividade econômica em Roraima cresceram rapidamente com a corrida do ouro nos anos 80. Dezenas de milhares de garimpeiros invadiram as terras indígenas em busca de ouro e diamantes, gerando altíssimo impacto social e ambiental para a população nativa e seu meio ambiente. Um exemplo, entre outros, é a dispersão de mercúrio na água, associada ao garimpo de ouro. O impacto ecológico e sanitário desta atividade sobre os rios da região e às populações tradicionais com dieta a base de peixe, é ainda desconhecido, por falta de estudos e avaliações científicas. Casos de alta concentração de mercúrio em humanos já foram detectados esporadicamente.

Entendido a partir do contexto sociocultural, o maior impacto do "desenvolvimento" sobre as florestas de Roraima não se deu na forma visível do grande desmatamento, mas nas formas ambientalmente menos visíveis das epidemias de gripe e malária.

Povos inteiros quase foram dizimados como os Yanomami, ou os Waimiri-Atroari, cujo território encontrava-se no caminho de um dos "axés" do desenvolvimento traçados pelos governos militares, a BR 174 que liga Manaus-Boa Vista-Venezuela[7].

 

 

3 QUEM SÃO OS WAIMIRI-ATRORI ?

 

 Os índios Waimiri-Atroari estão fixados respectivamente nas regiões sul do Estado de Roraima e norte do Amazonas. Eles são pertencentes a uma etnia do tronco lingüístico Karib. Nos primórdio dos primeiros contatos realizados pela sociedade brasileira, em especial a partir do século XIX, eram mais conhecidos como Crichanás.

 

Conforme depoimentos de Waimiri-Atroari, antes do contato intensivo com a sociedade nacional, a vida dos Waimiri-Atroari incluía as práticas de subsistência: a caça, a pesca, a horticultura e a coleta. Os habitantes de cada aldeia utilizavam áreas de floresta conforme as suas necessidades, mudando o local da aldeia no caso do falecimento de um líder, do esgotamento da caça nas proximidades, do esgotamento de áreas de solo apropriado para roças, do entupimento dos jardins por ervas daninhas, ou qualquer combinação destes fatores. Grandes áreas de floresta ocupadas esporadicamente através de longos períodos de tempo permitiam a recuperação de animais de caça. A vida ritual abrangia rituais intercomunitários entre aldeias vizinhas, rituais a nível de aldeia e rituais privados. Os rituais xamânicos mediavam as relações com o mundo espiritual. Como outros grupos indígenas da região güianense, os Waimiri-Atroari consideravam suas aldeias como se fossem unidades quase autônomas econômica e politicamente, baseadas numa dicotomia básica entre "dentro" e "fora" - por um lado, 'aska ("os verdadeiros parentes"), por outro lado, baxi'ra, 'amba mydy'tany ("povo de outra aldeia") [8].

 

As terras eram ricas em produtos de grande valor comercial para a época, atraindo assim o interesse de colonizadores pioneiros  que adentraram rio acima (Negro, Branco e Jauaperi).

 

 

 

 

3.1 Os contatos iniciais com os Wamiri-Atroari

 

Os primeiros contatos realizados com essa tribo aconteceu, onde fica hoje as cidades conhecidas como Moura e Airão. Tais contatos contaram com o apoio de forças militares colônias, e se realizaram quase sempre de forma agressiva. Fazendo com que tribos inteiras fossem destruídas tanto por matadores profissionais como por expedições militares, visto que  sua população era tida como empecilho à livre exploração das riquezas naturais existentes nas terras que ocupavam.

O primeiro contato de forma amistosa, só foi realizado por volta de 1870, contando com o intermédio do etnógrafo e botânico João Barbosa Rodrigues. E por incontáveis vezes, já no século seguinte, suas terras foram objeto  de expropriação e de abertura a  empreendimentos que atendessem aos interesses econômicos da sociedade nacional.

 

Após uma longa história de invasões violentas do seu território, estreitamente relacionadas às flutuações dos preços no mercado internacional de produtos florestais como castanha-do-pará, balata, peles de ariranha e jacaré e madeira, a população dos Waimiri-Atroari foi reduzida a um ponto baixo de aproximadamente 332 pessoas em 1982. Apartir de 1983, apopulação vem-se recuperando rapidamente, sobretudo no período de 1983-87  e, em 1991, alcançava cerca de 500 indivíduos. Com pequenas variações de dialeto entre grupos locais, os Waimiri-Atroari falam a mesma língua. Até a metade deste século eram esporádicas as invasões por regionais, tanto as espontâneas como as dirigidas pelo governo local, e a ocupação permanente do território indígena restringia-se ao vale do rio Jauaperi. A partir do final da década de 1960, o Governo Federal iniciou uma ocupação maciça do território Waimiri-Atroari através de grandes projetos de desenvolvimento regional. Nos anos 1972-1977 esse território foi cortado pela estrada BR-174 que liga Manaus a Boa Vista, seguida da implantação da mina de estanho de Pitinga, do Grupo Paranapanema, a construção da hidrelétrica de Balbina pela Eletronorte, e colonização através de projetos pecuários nos limites da área. Para abrir a BR-174, foi organizada uma operação de "pacificação" e relocação dos Waimiri-Atroari pela FUNAI cujas conseqüências dominam a vida desses índios até hoje.[9]

 

 

Na década de 1960 foram iniciados, por parte do Serviço de Proteção ao Índio - SPI e em seguida pela Fundação Nacional do Índio - órgãos indigenistas oficiais -, os trabalhos da Frente de Atração e Contato dos Waimiri-Atroari, desencadeando-se um processo de desagregação cultural, através do qual sua população foi exposta ao implacável expansionismo social e econômico da sociedade brasileira, impulsionado pelo ufanismo que se criou durante o chamado "milagre econômico", alardeado pelo então governo militar brasileiro como uma era em que as políticas públicas deviam se voltar para o progresso e a integração nacional. [10]

 

 

 

A intensificação do contato da sociedade brasileira com os Waimiri-Atroari acarretou-lhes, nesse período, conseqüências dramáticas. Sendo que a população foi acometida por choques armados e surtos epidêmicos de doenças exógenas que debilitaram toda sua população, a ponto de as pessoas em idade produtiva não poderem mais caçar, pescar nem cultivar roças, fato que acabou por redundar num grave estado de inanição e desagregação social em várias de suas aldeias. “Em 1974, apopulação sobrevivente era em torno de 1500 pessoas, a maioria crianças e adolescentes”. [11]

 

 

3.2 Os frutos de um contato traumático

 

A forma desastrosa como esses índios foram tratados ao longo de anos, deixou um grande número de cicatrizes que se fazem perceber neste presente contexto, quando se observa a maneira como estes passaram a encarar os atuais contatos.

A exemplo estão episódios, como os travados na construção da rodovia BR 174 (que liga Manaus a Boa Vista), na década de 70, e outro mais recente que aconteceu, com a interdição de vias fluviais.

Sendo que no primeiro episodio o resultado foi a morte de duas equipes, ligadas a Frente de Atração Waimiri-Atroari (FAWA): uma, a do padre e antropólogo Giovane Calleri, em1968, aquem se incumbiu de consumar o contato com eles num período de três meses; a outra, da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, chefiada pelo indigenista Gilberto Pinto Figueiredo, que tentara restabelecer a Frente de Atração, com o intuito de promover um contato baseado no respeito a cultura  indígena e de forma paulatina, apesar das circunstâncias tumultuadas.

Já no segundo episodio, o qual será mais aprofundado, observa-se um conflito entre os índios e os ribeirinhos, que é proporcionado a partir da interdição da via fluvial pelos Waimiri. Com isso, os silvícolas impedem a livre circulação da população pelos rios, causando um clima de tensão nessa região.

 

 

 

 

4 A INTERDIÇÃO DA VIA FLUVIAL PELOS WAIMIRI-ATROARI

 

Graças aos não poucos transtornos impostos ao longo de anos e de formas variadas, os índios dessa etnia não reagem da melhor maneira possível a contatos com qualquer tipo de não-indios, o que pode explicar o fato de tomarem atitudes radicais como essa de obstruir uma via pública.    

Os índios Waimiri-Atroari impedem a trafegabilidade de não-indios (em especial de ribeirinhos) pelos rios Jauaperi e Macucuaú. Para isso, alegam que os rios estão sendo utilizados para extrair recursos em terras que servem também para aos índios. Defendem ainda que o transcurso realizado diariamente por barcos de pequeno porte que conduz os ribeirinhos à reserva extrativista abala o curso natural das águas, podendo ameaçar a sobrevivência da etnia Waimiri.  

Esses são os argumentos defendidos pela tribo e apresentados pelo coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o makuxi Dionito José de Souza, que reagiu ao posicionamento tomado pelo Estado de Roraima. 

A tribo dos Waimiri exige a conservação da interdição das vias, e para isso podem se basear na constituição, visto que:

 

a constituição reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre suas terras que tradicionalmente ocupam,competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os  seus bens. Além disso, prevê que os índios, suas comunidades e organizações são partes legitimas (...), demonstrando a intenção constitucional de proteção aos interesses indígenas. [12]

 

 

Diz ainda na nossa constituição, que se deve: “garantir aos índios e comunidades indígenas, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes”[13].

Baseado no que está proposto na CF, destaca-se a respeitabilidade por parte da população ribeirinha no que tange a estrutura de vida indígena bem como seus modos, costumes e sua forma de viver. Portanto, fica claro que os Waimiri possuem amplo domínio sobre suas terras, assim como garantias de usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes em suas terras.

 Considerando o que foi colocado a continuidade da interdição deve se manter, de modo a evitar: o abalo do curso natural das águas dos rios referidos, e ameaças a sobrevivências da etnia, argumentos usados pelo coordenador do CIR.   

 

5 QUEM SÃO OS RIBEIRINHOS E QUAL SUA POSTURA MEDIANTE A INTERDIDIÇÃO DOS WAIMIRI?

 

A população ribeirinha é formada por pessoas que habitam nas proximidades do leito desses rios, que estão sendo bloqueados pelos índios locais. Os ribeirinhos possuem esses rios (Jauaperi e Macucuaú), como única via publica existente para o seu deslocamento. Sendo necessário para eles trafegarem pelos rios, que são o único meio para chegar na área  extrativista, lembrando a necessidade que possuem em realizar o extrativismo da castanha-do-pará, em principal, que é sua única atividade lucrativa de subsistência. 

Os ribeirinhos detêm em seu favor o artigo 5º da Constituição Federal de 88, que expõe em seu inciso XV: “é livre a locomoção em todo território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”[14].

Observando o que diz a CF, pode-se notar que sendo este um direito fundamental, a trafegabilidade nos rios Jauaperi e Macucuaú deve ser concedida, e a circulação de barcos deve continuar até para que estes não-indios, possam desenvolver sua exclusiva forma de sobrevier, que vem da coleta de castanha. Livrando dessa forma, que ocorra o desenvolvimento de um conflito armado entre índios e não-indios.   

 

6 A POSIÇÃO DO ESTADO DE RORAIMA A RESPEITO DO CONFLITO

 

Segundo o que consta nas noticias do Supremo Tribuna Federal:

 

 O governo de Roraima ajuizou uma Ação Cível Originária (ACO 1165) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a comunidade indígena Waimiri-Atroari, localizada na divisa entre o Estado de Roraima e o Amazonas. Segundo o governo, os indígenas estão impedindo o livre trânsito de pessoas nos rios Jauaperi e Macucuaú, afetando moradores das proximidades, especialmente da Região do Baixo Rio Branco. O relator é o ministro Joaquim Barbosa.

O governo pretende conseguir uma liminar do Supremo para reabrir a passagem nos rios, alegando que há risco iminente de conflito armado entre os índios e os ribeirinhos. Na ação, o governo diz que estes últimos têm nos rios “a única via pública existente no Sul do Estado para o deslocamento” e para exercerem a atividade (subsistência) que é a principal fonte de renda deles: a extração de castanha.

           “A comunidade indígena Waimiri-Atroari está a exercer, de forma arbitrária, típico poder de polícia, quando não permite a trafegabilidade de pessoas pelos rios Jauaperi e Macucuaú, sob o argumento de pretender preservar sua população indígena e seus bens dos não-índios que trafegam por tal via fluvial”, critica o governo de Roraima na ação. Além de ferir o direito constitucional de ir e vir em uma via pública, os índios estariam exercendo um poder típico de polícia administrativa não autorizado por lei[15].

 

 

 

Levando em consideração as informações que estão presentes no site do STF, o Estado de Roraima pode perfeitamente intervir a fim de evitar conflitos armados e de assegurar direitos fundamentais como: o direito a liberdade e a vida principalmente.

Para tanto, o Estado deve respaldar-se na constituição em seus artigos 1º(inciso I), 4º(inciso II, VI), 5º(inciso XV), 20º( incisos III, V, IX, XI):

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-seem Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:    

I – a soberania;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos;

VI – defesa da paz;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes:

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,

nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Art. 20. São bens da União:

III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado,

sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os

terrenos marginais e as praias fluviais;

V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.[16]

 

 

 

 

 

7 CONCLUSÃO

 

Usando como base o que foi exposto, deve ser levantada a forma como esses índios foram tratados ao longo de anos de agressões, que vem desde a colonização até o presente contexto. Porém sem esquecer as suas atitudes, mediante tentativas frustradas de contato amistoso, que resultaram na morte de duas equipes, e sem deixar passar que esses índios avançaram alguns km, além da sua reserva para bloquear a referida via pública. Via esta, que tem representatividade vital para os ribeirinhos, os quais usam a mesma para chegar às áreas onde realizam a extração de castanha-do-pará, sua única fonte de sobrevivência.

    Junto a isso, devem ser ressaltados critérios como: soberania do Estado, direito a vida, direito de ir e vir, defesa da paz, que deixam claro que a trafegabilidade nos rios Jauaperi e Macucuaú deve ser liberada. Sendo a forma exclusiva de se estabelecer a defesa aos direitos fundamentais, de forma mais justa.

 

REFERÊNCIAS

 

BAINES, Stephen Grant. Série antropologia nº 138: O território dos Waimiri-Atroari e o indigenismo empresarial. Brasília, 1993.

 

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 41. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

COTRIM, Gilberto. Historia Global: Brasil e Geral. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

HOLANDA, Sérgio Buarque. O extremo oeste. São Paulo: Brasiliense, 1986.

 

KOSHIBA, Luiz. Historia do Brasil. São Paulo: Atual, 1996.

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2004.

 

Programa Waimiri-Atroari. Os primeiros contatos. Disponível em: < http://www.waimiriatroari.org.br/>. Acesso em: 4 de novembro de 2008.

 

RIVIÈRE, Peter. 1984 - Individual and Society inGuiana: A Comparative Study of

Amerindian Social Organization. Cambridge Studies in Anthropology 51.

 

Supremo Tribunal Federal.Noticias do STF.Sexta-feira, 2 de maio de 2008.Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp>. Acesso em: 2 de novembro de 2008.

 

VASCONCELOS, André. Desenvolvimento econômico e meio ambiente no Estado de Roraima. Disponível em:http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 6 de 11 de 2008.



[1] Acadêmico do Curso de Direito da UNDB

[2] Acadêmico do Curso de Direito da UNDB

[3] KOSHIBA, Luiz. Historia do Brasil. São Paulo: Atual, 1996, p. 25-26.

[4] HOLANDA, Sérgio Buarque. O extremo oeste. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 59.

[5] COTRIM, Gilberto. Historia Global: Brasil e Geral. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 198.

[6] Ibid

[7] VASCONCELOS, André. Desenvolvimento econômico e meio ambiente no Estado de Roraima. Disponível em:http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 6 de novembro de 2008.

[8] RIVIÈRE, Peter. 1984 - Individual and Society inGuiana: A Comparative Study of

Amerindian Social Organization.CambridgeStudies in Anthropology 51.

[9] BAINES, Stephen Grant. Série antropologia nº 138: O território dos Waimiri-Atroari e o indigenismo empresarial. Brasília, 1993, p. 2-3.

 

[10] Programa Waimiri-Atroari. Os primeiros contatos. Disponível em: < http://www.waimiriatroari.org.br/>. Acesso em: 4 de novembro de 2008.

 

[11] Ibid.

[12] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2004, p. 712-713.

[13] BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 41. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

[14] Ibid

[15] Supremo Tribunal Federal.Noticias do STF.Sexta-feira, 2 de maio de 2008.Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp>. Acesso em: 2 de novembro de 2008.

[16]  BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 41. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.