Conflitos e soluções na prática do ensino em sala de aula:

Uma visão linguística, neurolinguística e didático-metodológica

 

                                                                                          

                                                                                                        - Wallas Cabral de Souza –

                                                                                                                      Escritor, Linguista e neurolinguista (USP)

Muitos aspectos da comunicação estão envolvidos quando um educador pretende transmitir aos seus alunos informações de um determinado conteúdo em sala de aula. Há a linguística, a neurolinguística, a metodologia e uma didática funcional para explicar os fatores paralelos no processo de ensino.

Na linguística encontramos fatores semânticos e pragmáticos que influenciam o conteúdo durante o discurso do docente, muitas vezes acompanhados por fatores de sentido que podem ser administrados resumidamente com as seguintes características: FOCO, CONTEXTO e INTENÇÃO. Já no aspecto neurolinguístico, usamos nossos sentidos para a comunicação com o ambiente em que nos encontramos: vemos, ouvimos, gesticulamos, sentimos o calor e o cheiro do ambiente, induzimos e manipulamos situações em prol da veracidade das intenções de nossos ouvintes, seja para detectar ou quebrar uma ironia, uma distração ou um certo desinteresse. Além da linguística e neurolinguística, em que se pese também o fator interdisciplinar e simultâneo entre eles, há também o valor pedagógico envolvendo no ato de ensinar dois aspectos: didática e metodologia. E é nesse sentido que existe uma condução mais explícita quando o docente se depara com situações adversas, seja no mundo do aluno com seus conflitos em qualquer ordem, seja na sua própria motivação como educador, ou seja nas estratégias frustradas quando se tem uma ação e não há a devolutiva construção do que se esperava ao ensinar um determinado conteúdo.

O fato é que, capacitação e conhecimento, em menor ou maior grau, o docente possui. Aulas, eles têm. Recursos são oferecidos, mesmo os recursos já “prontos” como apostilas ou algo mais tecnológico-eletrônico. Sendo assim, onde está o problema? A resposta simplista seria dizer aqui que está no jeito de dar aula. Mas uma resposta mais apurada, com teor mais empírico e hipoteticamente mais observacional, teria como fator motivador a CRIAÇÃO DE UM AMBIENTE DIDÁTICO-METODOLÓGICO com ferramentas linguísticas e considerando princípios neurolinguísticos no trato da comunicação que envolve o processo de educação convencional: professor-aluno-ambiente-informação-aprendizagem.

Antes que me julguem precursor de uma atitude talvez minimizante, esclareço aqui que a palavra “aluno” é um vocábulo totalmente adequado, contrário ao que muitos educadores, por vezes desinformado de etimologia, acredita ser. “Aluno” não quer dizer “sem luz”, mas sim alumnus (do latim), “criança de peito menino” no sentido administrado temos, “discípulo”. Uma consulta a qualquer dicionário etimológico traria luz a essa situação. Assim esclarecido, observa-se em nosso cotidiano que há alguns perfis de alunos que podem ser considerados nessa análise. O aluno esforçado, cujo pensamento de obediência para realizar as atividades exigidas é claramente executada; o aluno hiperativo, aquele que não para quieto, conversa impulsivamente e não enxerga a hora que conduz outros a se distraírem também; há o aluno “nerd”, termo emprestado que tem o sentido de uma pessoa muito dedicada aos estudos; já o aluno “sonolento” vive com postura prostrada e muitas vezes deitado sobre a mesa de estudo; soma-se a esses o aluno "crítico", aquele que "bate de frente" com o professor; outros apenas ouvem e esperam numa tendência a serem o último perfil de aluno aqui que seria o “maria vai com as outras”, tudo dependendo do termômetro construtivo, dinâmico ou até desmotivante da sala. Este último perfil parece ser a maioria, enquanto que os mais rebeldes e os hiperativos veem-se como minoria. Mas qual é o problema? É que essa minoria lidera! Nesse sentido é importante que o docente possa conquistá-lo, fazendo-os ver que são “colaboradores” e não "telespectadores" de simples informações; que precisamos deles para avançar nas aulas, juntos! Daí vem as técnicas neurolinguísticas para despertar-lhes a consciência e percepção de uma nova liderança (monitoria?), e depois vem a metodologia acompanhada com a didática do docente para fazer valer essa liderança rumo a construção do aprendizado de todos.

            Assim refletimos o papel da educação na escola, em casa e na vida. A LDB (Lei de diretrizes e base da educação brasileira) expõe a necessidade de educar o aluno para a vida e para o ambiente social envolvendo empregabilidade. Hoje, o maior desafio não parece ser mais o QI e sim o QE (inteligência emocional) para a medição de inteligência. Há outras como a multifuncional. Tudo isso é valorizado para a empregabilidade,d e disso depende também o corporativismo e a capacidade de resolver conflitos que um empregado pode ter numa empresa. A reflexão agora é: Isso se ensina? Não necessariamente, pois não está implícito no currículo escolar essa questão de aperfeiçoamento de caráter. Isso se adquire aos poucos e se aperfeiçoa na vida com os trancos e barreiras sofridas no dia a dia. A escola, assim, tem o papel de expor um conteúdo programático que vá além da informação: precisa ter sentido prático, do dia a dia, com significação.

Rodolfo Ilari, linguista e pesquisador, já apontou essa grande deficiência quando ele dizia que falta significação nos conceitos escolares. O ENEM (Exame nacional do Ensino Médio) é a prova mais próxima da nossa realidade de que as questões envolvidas são mais a intertextualidade e interpretação de pequenos conceitos na sua aplicação do dia a dia com as habilidades e competências sugeridas em seu edital. Poucas provas hoje são presas a informações simplistas sem aplicação contextual e significativo.

Mas o sistema apostilado, por exemplo, dentre outras formas de uma didática amarrada, quer preparar pessoas que tenham conteúdo com nomes de empresas conhecidas como se o aluno fosse um "cliente" procurando a qualidade em um material, mas não no principal motivador orgânico desse processo que se chama “arte de educar” vinda no contato muitas vezes no dia a dia entre docente e discente, ou seja, vinda do professor! Fora a minha crítica ao sistema de educação à distância, temos aqui a necessidade dos pais, em casa, oferecer a preparação do respeito, dedicação e acompanhamento a seus filhos para ser o primeiro exemplo de colaboração ao processo da dinâmica do professor em sala de aula. Estamos falando do professor motivador, criativo, inovador de propostas e que utiliza o maior recurso: o coração e a percepção de como está o seu ambiente entre os seus alunados. Estamos falando do professor que tem "discípulos" para a pesquisa, para a arte de ajuda mútua, para a recriação de novos questionamentos, focados em conteúdos para terem sentido e, consequentemente, aplicação. Esse Qualqueré o segredo! Qualquer sistema pedagógico jamais substituirá a habilidade de um bom educador, intermediador do sentido do conhecimento à prática do dia a dia do aluno para toda a sua vida. A informação aqui, portanto, fica em segundo plano diante de um grandioso objetivo e meta que é a correspondência de confiabilidade entre professor, pais e alunos. Esse é o processo fundamental do que podemos conhecer sobre EDUCAÇÃO. Daí sabemos que nela temos a participação coletiva, democrática, política, significativa, transformadora, consciente, social e producente para toda raça, cultura, condição e estrutura.

Hoje, os desafios para "se dar aula", portanto, são enormes. Até porque não damos, construímos! Imagine você entrando numa sala de aula com 35 alunos (que seja 10% disso, é a mesma coisa praticamente),e com todos os perfis que destaquei acima: com conversas paralelas, alunos (não poucos) no Whatsapp (alguns disfarçados e outros mais explícitos), outros deitados com sono, uns gritam em forma de palavrão para o colega do lado, há pés na cadeira, sala suja e tudo é um motivo para piadinhas, ironias e sarcanismo (tirar sarro) que é a maior glória para o aluno classificado aqui como rebelde e imperativo. E agora? Mandar “calar a boca” ou algo parecido seria um "suicida" metodológico. Seria o mesmo que se queimar de uma vez por todas para o que você poderia sugerir dali para frente. Nesse sentido, adeus planejamento! É preciso “quebrar” as expectativas. Tudo isso é um “teste” para saber até que ponto eles podem ir. Veja, para completar, os “maria vai com as outras” também lhe testa: observando atentamente a sua reação diante do previsível mal comportamento da sala. Aí eles seguem os outros. Opa! “Mal comportamento” ou “excesso de energia mal gasta”? Respondendo.. segunda opção.

Dessa forma, a atitude do docente é a primeira coisa que todos estarão observando e nesse sentido, o previsível, que é o visto, o que é mostrado na sala, deve ser quebrado neurolinguísticamente com o que é imprevisível. Apenas para efeito de uma explicação mais ou menos técnica, isso se chama desconstrução de expectativas fora da reta. Uma pessoa fala, por exemplo, “eu odeio aquele assunto” e você o desconstrói dizendo: “e o que faria gostar desse assunto para não odiar?” Da mesma forma, todos esperam gritos, “sermões”, repreensões, expulsões de aluno, chamadas bruscas de atenção por parte do professor, mas quando isso não acontece, começa o desenrolar de um grade projeto: a imprevisibilidade. Uma das maneiras que adotei, dentre outras estratégias nesse nível neurolinguístico, porém espontâneo, foi o “silêncio da fala e a comunicação do olhar”: fica-se no centro da sala com um sorriso de “monalisa” sem rir e sem estar sério. Olha-se para todos os ângulos da sala tentando focar nos olhos de cada aluno, principalmente nos tipos de alunos líderes anteriormente citados, para desconstruir a energia da autonomia que cada um, com a alimentação do seu “gueto” (grupo construído por ele pela cumplicidade que têm) para uma energia suspensa a ela que é a “surpresa”, o “suspense”, o “inimaginável”. Não se dá um “bom dia” enquanto o silêncio não vencer aos poucos o domínio da gritaria. A nossa fala inicial precisa mostrar valor e o suspense deverá calar o não entendimento do que possa acontecer. Quando o silêncio ainda está sendo impedido, levanta-se, às vezes, uma mão  ou outra, e todo o coro está determinado: ali tem um professor que não se sabe o que vai acontecer. É um mistério! E diante do mistério, ganhamos a primeira batalha: para criação de um ambiente fértil com a finalidade de criar vínculos, antes destinados apenas na existência de pequenos grupos divididos na sala pelos vários perfis que se guerreiam.

Comece a dar valor uns aos outros. Mostre valores e crie um acordo que tenha respostas positivas e penalidades e perdas visíveis ao não ser cumprido. Uma das coisas que adotei é inicialmente, vencendo a primeira etapa do ambiente, mostrar o que é uma informação com sentido usando recursos gestuais, criativos, engraçados, mas nunca fora do foco como muitos "professores de cursinho" fazem e se tornam “palhaços” para distração (informações), mas nunca para educação (processo); e depois disso tudo, usar o tom de voz variado, esquemas simples na lousa, se possível continuar interagindo e dando respostas curtas e chegando ao ápice de fazê-los compreender que o aprendizado foi realizado. Aí as palavras, os gestos, a maneira com que os alunos ouvirão devem ser sentidas para não cansá-los. Nunca diga coisas como: “Agora vamos fazer umas definições sobre isso e aquilo”, mostre os conceitos na prática e sistematize depois com uma simples linguagem e com um pouco de aplicação do dia a dia. Faça-o perceber que eles fazem parte de toda a construção do sentido que você trouxe como novidade. Use-os! As perguntas interativas servirião para desconstruir informações decoradas e construir significados com articulação de sentido. Essa habilidade será usada para a vida toda. Falar, escrever e relacionar com qualidade o que aprendeu é muito diferente do assim chamado “analfabeto funcional”: informações sem significado.

O “Analfabeto funcional” seria de acordo com o Infa (Instituto que analisa o nível de analfabetismo funcional no Brasil) basicamente resumido na ideia de que há alunos que não entendem aquilo que se lê e não têm capacidade de articular as informações que lê. Isso é sério e isso também colabora para o péssimo desempenho do Brasil no ranqueamento dos países que tem a pior educação do mundo. Com uma análise mais linguística, o analfabeto funcional é aquele que não sabe o foco, o contexto e a intenção de um texto, de uma imagem, de uma música etc. Aí temos não só a linguagem verbal como a não verbal. Nesse caso, o aluno teria a informação da mensagem, mas não o sentido dele. É isso que se quer mostrar neste assunto. Por isso as aulas de interpretação não podem se resumir a entender um texto.  Para dar infomação, todos os educadores, bem ou mal, realizam e usando um sistema pedagogicamente pronto essa tarefa se torna um alvo perfeito para grandes quantidades de conteúdos adquiridos, mas não com significação, pois o tempo todo é dado e investido para fazer valer a informação, mas não o aprendizado dessas informações que o actante que promove o nuance educacional, o professor, deveria construir junto a seus alunos.

Uma vez que se conquista um ambiente favorável, agora o aspecto de sentido deve ser empreendido e com uma metodologia diversificada, apresentar uma avaliação que corresponda a perspectiva de cumplicidade construída entre professor-aluno numa verdadeira forma de dizer que no ambiente escolar, enfim, se tem valores construídos e administrados juntos e que vão muito além do decorar palavras, conceitos ou regras já prontas e ditas como verdades sem sentido. O professor é o que cria esse ambiente para a preparação de cúmplices do conhecimento motivado e com mais significado. É um ninho que se prepara para nascer filhos com o amor abraçado pelo sentido daquilo que muitos empobrecidamente chama apenas de grade curricular a ser cumprida. Educar é uma arte que exige habilidades linguísticas, neurolinguísticas, didáticas, metodológicas que fazem a construção de um ambiente adequado para um conhecimento com mais sentido e principalmente um aprendizado além de simples ações previsíveis.

Portanto, não é a informação o problema, mas sim o ambiente em que essa informação é expressa e como ela será exibida. A aprendizagem com sentido/significado é uma linha criativa, eficaz e progressiva. Leva os próprios alunos a cobrarem, em um acordo prévio, as linhas da metodologia do professor. E se o “acordo” de cumplicidade feito for quebrado, mude a estratégia para algo totalmente tradicional. O impacto deve ser rigidamente provocado até que os próprios alunos se mobíliem em chamar de volta o professor amigo. Nesse momento, mostrou-se dois lados de uma dinâmica e a escolha pelos alunos da primeira postura mais sensível a eles. Faça-os a conquistar sendo “colaboradores” para um ambiente melhor. Dessa maneira, tudo que se falar, ouvir, pensar, idealizar e mostrar terá uma aceitabilidade ao ponto em que a disposição e postura nunca mais serão as mesmas, mas a educação, enfim, terá o seu espaço com louvor. Método ou teoria alguma poderá influenciar esse processo existir, senão pela habilidade, disposição e motivação do professor sentindo o ambiente da sua própria aula. Assim, o valor do professor é insubstituível... custe o que custar!