CONFLITO APARENTE DE NORMAS REGULADORAS DAS INTERVENÇÕES DE TERCEIROS: Chamamento ao processo, art. 77 do CPC, do segurado ou seguradora em ação direta de danos contra a vítima, art. 787 do CC.

 

Marcelo Frazão Costa e Milena Catarina Sousa Lima[1]

 

Sumário: Introdução; 1 Da Intervenção de Terceiros; 2 Do Chamamento ao Processo; 3 Chamamento no Caso se Ação Direta da Vítima contra Segurado ou contra a Seguradora; 4 Resolução de Acordo com Decisão do STJ; Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO 

Este paper visa analisar o conflito de norma heterotópica existente entre o Código Civil, e o Código de Processo Civil, dando ênfase aos dispositivos que tratam do chamamento ao processo (espécie de intervenção de terceiros) nos casos de ação direta da vítima contra o segurado ou seguradora. O Código de Processo Civil, em seu art. 77, traz o rol de possibilidades de chamamento ao processo, entretanto, nos casos de seguro, tal dispositivo é ausente. Por outro lado, o Código Civil, que trata de normas materiais, versa em seus arts. 787 e 788 sobre os casos de chamamento ao processo no contrato de seguro. Tal caso é de matéria processual e deveria estar elencado no art. 77 do CPC e não nos arts. 787 e 788 do CC, tratando-se, portanto, de um caso de norma heterotópica. Diante do exposto, trataremos do caso, indicando possíveis soluções para tal conflito normativo, incluindo decisão recente do STJ sobre o conflito aqui exposto.

PALAVRAS-CHAVE

Intervenção de Terceiro. Chamamento ao Processo. Segurado. Seguradora. Responsabilidade Civil.

INTRODUÇÃO

Primeiramente, faremos um apanhado geral sobre intervenção de terceiros. Essa é uma manifestação do que chamamos pluralidade de partes, ou seja, intervenção é o ingresso, no processo, de alguém que não é parte, produzindo efeitos jurídicos na esfera de interesses de terceiros, estranhos à relação processual, o terceiro ao intervir torna-se, portanto, parte do processo. As intervenções podem ser de seis tipos: oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo, assistência e recurso de terceiro. Os tipos de intervenção podem ainda ser divididos em duas modalidades: intervenções voluntárias ou espontâneas e intervenções forçadas ou coactas.

Entretanto, no presente relatório, daremos ênfase ao chamamento ao processo, tipo de intervenção forçada, na qual, o ingresso do terceiro é provocado, ou seja, requerido por alguma das partes originárias, não sendo, portanto, decorrente de ato de vontade. O chamamento ao processo é similar ao “chamamento à demanda” do Direito português e é sempre ligado às situações de coobrigação e de garantia simples, tendo como consequência a ampliação subjetiva da relação processual. (CÂMARA, Alexandre. 2012)

O Código Civil, especificamente, em seus arts. 787 e 788 dispõe sobre o chamamento ao processo do segurado ou seguradora em casos de ação de danos direto contra a vítima. Tais dispositivos tratam do contrato de seguro e suas cláusulas que devem garantir os interesses do segurado e também garantem o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

Diante do exposto, o chamamento ao processo, nesse caso, pode ocorrer de duas maneiras: 1) a vítima de dano pode entrar em ação direta contra o segurado e, como co-responsável, a seguradora é chamada, ou, 2) a vítima de dano entra com ação direta contra a seguradora e, como co-responsável, o segurado é chamado ao processo.

Entretanto, essas normas são de matéria processual e deveriam ser tratadas pelo Código de Processo Civil em seu art. 77, o que não ocorre. Pelo contrário, o Código Civil, responsável por dispositivos de matéria típica de direito material privado, que traz em seus dispositivos esses casos de chamamento ao processo, caracterizando, portanto, caso de norma heterotópica.

Por fim, abordaremos possíveis soluções para o caso aqui exposto, baseadas na futura reforma que irá ser realizada no Código de Processo Civil e explorando decisão recente tomada pelo STJ sobre o conflito tratado neste relatório. Tal decisão não foi unânime, entretanto, aceita e julgada de forma favorável ao chamamento ao processo.

1 DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 

Em primeiro lugar, vale ressaltar a figura do terceiro na relação processual. Portanto, terceiro é aquele que adentra em processo alheio, ou seja, não é parte do processo, para auxiliar uma das partes. Entretanto, pela intervenção, o terceiro torna-se parte do processo pendente, havendo que ter, para tanto, interesse jurídico no processo. Portanto, “não se permite, como regra, a intervenção sem a demonstração de qualquer interesse, nem com a demonstração de apenas interesse econômico ou moral, o interesse há de ser jurídico”. (DIDIER JR, Fredie. 2012)

A intervenção de terceiro ocorre quando alguém, que não é parte da causa, passa a participar do processo. O terceiro tem a finalidade de auxiliar ou excluir os litigantes, para defender ou excluir interesses próprios que possam ser atingidos pelos efeitos da sentença. Segundo explica Fredie Didier Jr:

A intervenção de terceiro no processo pendente justifica-se, em regra, por manter ele um vínculo com a relação jurídica discutida que: a) ou lhe diz respeito diretamente: discute-se relação jurídica de que faz parte o terceiro; b) ou está ligada a outra relação jurídica, que daquela é conexa/dependente; c) ou que, embora não lhe diga respeito, possa ser por ele discutida, em razão de também possuir legitimação extraordinária para tanto (é o que ocorre nos casos de intervenção de co-legitimado). (DIDIER JR. Fredie, 2012)

A intervenção é um tema de matéria processual, ocorrendo comumente no processo de conhecimento. Entretanto, poderá ocorrer, também, em processo de execução e em processo cautelar. Para tanto, as intervenções de terceiro devem ser expressamente previstas em lei e tem como propósito a economia processual, de modo a evitar a repetição de atos processuais, e a harmonia dos julgamentos, para evitar decisões contraditórias.

O terceiro pode ocupar diferentes posições em relação ao litígio e na relação processual ao intervir, dependendo do tipo de intervenção aplicada no processo. Ressalva-se também que o terceiro só torna-se parte ao intervir na relação processual, intervir em um processo significa ingressar na relação processual. Todo e qualquer espécie de processo permite sempre alguma modalidade de intervenção de terceiro, no processo de conhecimento as modalidades de intervenção são, em sua maioria, voltadas a ampliar o objeto de um julgamento de mérito.

De acordo com Humberto Theodoro Júnior (2007), as intervenções de terceiro podem ser classificadas segundo dois critérios: I- conforme o terceiro vise a ampliar ou modificar subjetivamente a relação processual, podendo ser ad coaduvandum (quando o terceiro procura prestar cooperação a uma das partes primitivas, como na assistência) ou ad excludendum (quando procura excluir uma ou ambas as partes primitivas, como na nomeação à autoria e na oposição). II- conforme a iniciativa da medida, podendo ser espontânea (quando a iniciativa é do terceiro, decorre de ato de vontade, geralmente ocorre na assistência e na oposição) ou provocada (quando, embora voluntária a medida adotada pelo terceiro, foi ela precedida por citação promovida pela parte primitiva, não podendo jamais ser determinada de ofício pelo juiz, ocorrendo na nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo).

As modalidades de intervenção de terceiro se dividem em seis: oposição (arts. 56 a 61, CPC), nomeação à autoria (arts. 62 a 69, CPC), denunciação da lide (arts. 70 a 76, CPC), chamamento ao processo (arts. 77 a 80, CPC), assistência (arts. 50 a 55, CPC) e recurso de terceiro (art. 499, CPC).

2 DO CHAMAMENTO AO PROCESSO

Essa modalidade de intervenção de terceiro encontra-se prevista nos arts. 77 a 80 do Código de Processo Civil, o art. 77, em especial, elenca um rol de possibilidades de seu cabimento. O chamamento ao processo tem como similar o “chamamento à demanda” do Direito português e se define, segundo Cândido Rangel Dinamarco como:

“ato com que o réu pede a integração de terceiro ao processo para que, no caso de ser julgada procedente a demanda inicial do autor, também aquele seja condenado e a sentença valha como título executivo em face dele”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. 2009)

Tal modalidade está ligada às situações de garantia simples, nas quais se verifica uma relação de coobrigação gerada pela existência de mais de um responsável pelo cumprimento da obrigação perante terceiro. A mera citação do terceiro já é suficiente para sua integração como parte do processo, posto que é tipo de intervenção forçada, para que este suporte não só os efeitos da sentença a ser proferida, como também a coisa julgada materialmente.

Uma questão que gera diversas discussões doutrinárias no tocante ao chamamento, é a consequência jurídica que este gera na demanda inicial. Parte da doutrina afirma que seu cabimento gera a formação de um litisconsórcio passivo ulterior, tendo como consequência a ampliação subjetiva da relação processual e do objeto do processo, ou seja, de um réu, passa-se agora a dois ou vários e, do reconhecimento de um obrigação/pedido do autor, passa-se agora a ter duas prestações (objeto dúplice).

A crítica da doutrina a esse instituto baseia-se no fato de acreditar que é destinado a proteger, de certa forma, o devedor, como explica Alexandre Freitas Câmara:

Com o chamamento ao processo o legislador cria um instituto nitidamente destinado a proteger o devedor que, demandado sozinho pelo cumprimento de uma obrigação, traz para o processo, a fim de que figurem a seu lado como litisconsortes passivos, os demais devedores. Com isso se retira do credor a vantagem que lhe foi assegurada pelo instituto da solidariedade passiva, criado com óbvia intenção de favorecê-lo. Tal afirmação é facilmente constatável. A solidariedade passiva permite ao credor escolher, entre os devedores solidários, em face de quem pretende demandar em juízo. A escolha de um dos devedores permite ao credor ter a segurança de um processo mais rápido (afinal, haverá apenas um demandado) e mais barato (com menos despesas processuais, em razão de não se ter formado um litisconsórcio que, afinal de contas, era facultativo). (CÂMARA, Alexandre. 2012)

Portanto, o chamamento ao processo pode constituir uma exceção ao princípio de que ninguém deve ser coagido a pleitear direito em juízo. Ou seja, ao permitir que o devedor demandado, chame ao processo todos os outros, força o credor também a demandar contra devedores com os quais ele pode ter vários motivos pessoais, de negócio, de parentesco ou amizade, etc, para não querer litigar. Dessa forma, a efetividade do processo torna-se praticamente impossível.

Entretanto, outra parte da doutrina, pelo contrário, acredita que o terceiro, ao intervir no processo, acarretaria uma ampliação objetiva da demanda. Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves:

Outra parcela da doutrina entende que, a exemplo da denunciação da lide, haverá uma ampliação objetiva da demanda, que passará com o chamamento ao processo a ter duas ações: a originária entre credor (autor) e o(s) devedor(es) que o autor escolheu para formar o polo passivo e a ação criada pelo chamamento ao processo entre o(s) réu(s) e o(s) chamado(s) ao processo. (NEVES, Daniel Amorim. 2010)

A doutrina majoritária, entretanto, manifesta-se afirmando que o chamamento ao processo implica uma ampliação subjetiva da demanda/relação processual originária ao incluir no polo passivo, como litisconsortes passivos ulteriores, os chamados. Dessa forma, a sentença condenatória proferida no processo recairá diretamente sobre todos eles (chamante e chamados), formando uma relação de coobrigação.

Ressalvam-se ainda os casos em que tal modalidade de intervenção de terceiro é cabível. De acordo com o art. 77 do Código de Processo Civil, é admissível o chamamento ao processo do devedor, na ação em que o fiador for réu; dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles; de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum.

Entretanto, vale destacar que o dispositivo, de certa forma, apresenta lacunas posto que não é possível abarcar todas as formas possível de chamamento ao processo cabíveis em todas as espécies de processo. Um exemplo disso é o caso do contrato de seguro, no qual, a vítima entra com ação direta de danos contra o segurado e a seguradora, como coobrigada, é chamada ao processo, ou, a vítima entra com ação contra a seguradora e o segurado, como coobrigado, é chamado ao processo. Este caso é exposto no Código Civil, em seus arts. 787 e 788, entretanto, deveriam ser dispostos no CPC, que trata de matéria processual e dos casos de chamamento ao processo. Tal conflito será abordado em sequência.

3 CHAMAMENTO NO CASO DE AÇÃO DIRETA DA VÍTIMA CONTRA SEGURADO OU CONTRA A SEGURADORA

O contrato de seguro de responsabilidade civil, com o Código Civil de 2002, ganhou uma nova roupagem, tento grande repercussão o chamamento ao processo em ação de dano causado contra vítima por segurado. De acordo com o art. 757, CC, conceitua-o não mais como causa de instituição da obrigação de indenizar o prejuízo pelo segurado, a nova definição tipifica a função de “garantir interesse legítimo do segurado”. (CC, art. 757)

Nesse mesmo sentido, o art. 787 do CC expões que no contrato de seguro de responsabilidade civil o segurador é colocado como garantidor de pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. Portanto, a vítima tem ação que pode exercer tanto contra o segurado como contra a seguradora. De acordo com Humberto Theodoro Jr:

Ema razão dessa natureza de contrato de garantia, o Código Civil de 2002 prevê a obrigação da seguradora de pagar a indenização diretamente ao terceiro prejudicado, na hipótese de seguro obrigatório de responsabilidade civil (art. 788, caput). Embora não se tenha feito expressa menção a igual direito da vítima, para o seguro facultativo de responsabilidade civil, a solução não pode ser diferente, uma vez que, por definição da lei, a obrigação da seguradora, em qualquer seguro da espécie (obrigatório ou facultativo) é a de garantir “o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”. (THEODORO JR, Humberto. 2007)

O contrato de seguro de responsabilidade civil trata-se de procedimento comum ordinário e visa a celeridade processual, tento ainda caráter indenizatório. Desse modo, a seguradora assume a obrigação de indenizar o segurado no que acarretasse no pagamento de perdas e danos a terceiros em razão de ser responsabilizado civilmente. O antigo CC restringia a intervenção de terceiros nesses casos em seu art. 280, entretanto, esse dispositivo é passível de crítica e foi modificado no Novo Código Civil, permitindo a intervenção em tal caso.

Com isso, a doutrina se dividiu quanto à modalidade de intervenção aplicada ao contrato de seguro de responsabilidade civil. Parte alegava ser a denunciação da lide a mais adequada, enquanto outra parte alegava ser o chamamento ao processo a modalidade aplicada.

 José Augusto Delgado, por exemplo, afirmou tratar-se de denunciação da lide, amparando-se no art. 77, § 3º do CPC que utiliza a expressão dar “ciência da lide ao segurador”. Uma vez que a solidariedade em favor da vítima resulta da relação jurídica entre denunciado e denunciante.

A partir da figura de seguro-indenização, parte da jurisprudência e doutrina associou o seguro de responsabilidade civil à figura material do direito de regresso, na qual, o seguro de dano assimilava-se ao dano ressarcido com o valor que o segurado desembolsou para reparar os prejuízos causados à vítima. Portanto, seria cabível a denunciação da lide nesse caso.

Por outro lado, parte majoritária da doutrina acredita ser o chamamento ao processo a modalidade interventiva adequada, pois é a figura própria para se trazer a juízo terceiro que tem também responsabilidade junto ao autor. Em tempos atuais, o incremento da responsabilidade objetiva em detrimento da responsabilidade civil, decorrendo em preocupações cada vez mais éticas e sociais, visando o grande alcance tutelar.  

Diante de tais mudanças o Código Civil 2002, atualizado, foi deixando para trás a noção de seguro-indenização e incluindo a noção de seguro garantia.  Desse modo, foi adequando-se ao mecanismo que o CDC (Código de Defesa do Consumidor) institui nas relações de seguro.

O CDC (Lei nº 8078/90), em seu art. 101, dispões sobre ação de responsabilidade civil. Todavia, segundo esse dispositivo, é cabível a aplicação do chamamento ao processo em lugar da denunciação da lide, pois, esta última se aplica apenas às hipóteses referentes de defeitos em produtos comercializados com consumidores, segundo o art. 88 do CDC, não se aplicando, portanto, ao caso aqui tratado, posto que se trata de prestação de serviço.

Diante do exposto, a seguradora não deve ser convocada como denunciada à lide e sim como chamada ao processo para ser incluída solidariamente à condenação com o segurado. Entretanto, em ação promovida pela vítima diretamente contra a seguradora, esta pode voltar-se contra o segurado, como relação de coobrigação, em prestação regressiva diante do fato de que este vinha descumprindo cláusulas do contrato de seguro.

Tratando do art. 101 do CDC, Athos Gusmão Carneiro esclarece que:

A norma, em seu inciso II, refere que quando o fornecedor houver contrato de seguro de responsabilidade civil, poderá ele, fornecedor, como réu, “chamar ao processo” a empresa seguradora, fazendo-se remissão ao art. 80 do Código de Processo Civil. Para assegurar a celeridade procedimental, é inclusive expressamente defesa a “integração do contraditório” pela Brasil Resseguros S.A. (antigo Instituto de Regresso do Brasil). (CARNEIRO, Athos Gusmão. 2010)

A sentença, portanto, nos termos do art. 88 do CPC, poderá condenar tanto o réu original (o segurado) como o segurador, visto que o réu originário também pode ser o segurador e a sentença se estende ao segurado, chamado ao processo. A sentença também valerá como título executivo em favor do que satisfazer a dívida, comumente em favor do segurado.

Entretanto, o CDC estabelece maior garantia ao consumidor (segurado), colocando o segurado como devedor solidário deste. Portanto, o chamamento ao processo amplia a garantia do consumidor e conjuntamente possibilita ao segurador convocar este (o segurado) sem a necessidade de ação regressiva autônoma.

Diante do exposto, com a observância do disposto no art. 101, II do CDC juntamente com os art. 757, 787 e 788 do CC que abrangem os casos de chamamento ao processo em ação majorada pela vítima contra o segurado ou diretamente contra a seguradora, é possível a ampliação do rol do art. 77 do CPC, incluindo tal caso em seu dispositivo. Sendo, portanto, mais adequada tal mudança, posto que o caso é de matéria processual devendo ser disciplinado pelo CPC e não pelo CC ou CDC que tratam de assuntos material civil.

4 RESOLUÇÃO DE ACORDO COM DECISÃO DO STJ

De acordo com decisão recente tomada pelo STJ, por sua 4ª Turma, similar ao caso aqui exposto, dispõe que:

nos casos de ação indenizatória promovida pelo passageiro vítima de acidente de trânsito, o chamamento da seguradora da ré, empresa de transporte coletivo, seria possível não obstante se cuidasse de demanda sob rito sumário . Todavia, achando-se a causa já em adiantado estágio de instrução, a anulação do feito causaria não apenas tumulto processual, mas prejuízo ao consumidor, autor da ação, salientando-se que de qualquer forma a ré não perderia o direito de regresso contra a empresa seguradora. (REsp 313.334, Rel. Min. Barros Monteiro, ac. de 5-5-2001).

Ressalta-se ainda, segundo a mesma 4ª Turma do STJ em relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo, que considerou possível o chamamento ao processo ou denunciação da lide da seguradora da ré (art. 101, II, CDC) em ação de responsabilidade promovida pela vítima de acidente caudado pelo segurado, não se aplicando na espécie a vedação do art. 280, I do CPC. (REsp 258.076, ac. de 13-9-2000)

Entretanto, nos casos em que não é cabível a denunciação da lide, como no aqui trabalhado, se esta for promovida de forma equivocada, aceita e processada , o processo não será prejudicado, sendo possível seu aproveitamento, pois o efeito já fora produzido e não causaria prejuízo ou desvantagem ao consumidor e nem ao demandante. (acórdão-líder, REsp. 741.898, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi; idem REsp. 439.233, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. 4-10-2007)

Diante do exposto, conclui-se que de forma unânime pela jurisprudência e doutrina, o chamamento ao processo é manifestação de intervenção de terceiro cabível nos casos de ação de responsabilidade civil do segurado ou seguradora em ação de dano direto causado na vítima.

O Código Civil de 2002 irá passar por futuras modificações em seus dispositivos, entre elas é possível e devido elencar no rol do art. 77 o caso de responsabilidade civil em contrato de seguro, tratado equivocamente pelo CC em seus arts. 787 e 788. Tal fato equívoco caracteriza caso de norma heterotópica, ou seja, quando, no caso, normas processuais encontram-se de forma equivocada e errônea em diplomas de direito material.

Tal conflito é passível de solução, além da mudança do CPC, enquanto tal não ocorre, com a utilização dos princípios normativos da hierarquia, especialidade ou temporalidade.

O princípio da hierarquia normativa (“Lex superior derogat legi inferiori”), pelo qual a norma superior revoga a inferior, não pode ser utilizado no caso exposto, pois, não existe hierarquia entre o CC e o CPC, sendo diplomas normativos de igual valor aplicativo em caso concreto.

Já o princípio da especialidade (“Lex specialis derogat legi generali”), pelo qual a lei especial revoga a geral poderia ser utilizado, no caso trabalhado de responsabilidade civil, em favor da aplicação do CC que estabelece expressamente o caso tratado de chamamento ao processo nas ações majoradas pela vítima, ema caso de dano direto contra esta, pelo segurado ou seguradora, em detrimento do CPC que é vazio em tal relação processual.

Concluindo, o princípio da temporalidade (“Lex posterior derogat legi priori”), pelo qual a lei posterior revoga a anterior, seria possível sua aplicação na resolução do caso, somente após a modificação do CPC a emenda ao art. 77 de tal dispositivo, pois, este seria posterior ao CC, revogando-o, e, portanto, seria aplicado de forma privilegiada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente relatório foi produzido com o objetivo de expor de forma clara sobre o conflito de normas reguladoras de intervenção de terceiros. Com destaque ao conflito existente quanto ao chamamento ao processo, art. 77, CPC, do segurado ou seguradora em casos de ação de dano direto contra vítima, art. 787 e 788 do CC.

Tal conflito gira em torno do fato de a relação processual no contrato de seguro gerar uma situação de coobrigação ente segurado e segurador. Nas situações em que o segurado provoca dano direto a terceiro (vítima), este pode entrar com ação de responsabilidade civil, ação de danos contra o segurado e a seguradora é chamada ao processo, ou contra diretamente a segurado e o segurado é chamado a intervir.

A seguradora ainda tem direito de regresso contra o segurado nos casos em que sanar o dano da vítima, de forma que esta (seguradora) tenha garantias em casos em que o segurado descumpra cláusulas do contrato.

O chamamento ao processo e não a denunciação da lide é manifestação adequada para intervir o terceiro. Este, ao tornar-se parte do processo, forma um litisconsorte passivo ulterior facultativo, aumentando, assim, o liame subjetivo da relação e ampliação da demanda processual.

O fato do CC tratar do caso de chamamento em ação de responsabilidade civil no contrato de seguro, em seus art. 787 e 788, é ponto chave do conflito, pois, causa situação de norma heterotópica posto que é dispositivo de direito processual e deve ser tratado em tal diploma processual e não em diploma material como ocorre no caso. Portanto, a solução para tal conflito é possível com a modificação do CPC, com inclusão, no rol de seu do art. 77, dos casos de chamamento ao processo do segurado ou seguradora em ação direta contra vítima. Outra solução possível é a utilização dos princípios da temporalidade (com a mudança, o CPC se torna legislação posterior, revogando o CC, que se tora anterior) e especialidade normativa (o CC, por ser mais específico é aplicado de forma preferencial em detrimento do CPC que é mais geral e vazio em relação ao caso aqui exposto).

REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. V.1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros. 19 ed. Saraiva, 2010.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 14 ed. Jus Podium, 2012.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. Malheiros, 2002.

______. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 4ª Ed. São Paulo: Malheros, 2004.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: editora Método; Rio de Janeiro: Forense, 2010.

THEODORO JR, Humberto. O Novo Código Civil e as regras heterotópicas de natureza processual. In: DIDIER JR, Fredie et MAZZEI, Rodrigo. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. 2ª Ed. Salvador: JusPODIUM, 2007. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo52.htm>. Acesso em: 12 mai. 2012.

______. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 

______. Novidades no Campo da Intervenção de Terceiros no Processo Civil: a denunciação da lide “per saltum” (ação direta) e o chamamento ao processo da seguradora na ação de responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235067126174218181901.pdf.> Acesso em: 12 mai. 2012.



[1] Alunos do 4º período vespertino do Curso de Direito da UNDB.