Cristina Maria de Queiroz[1]

RESUMO: Neste trabalho, buscamos refletir e apresentar uma breve discussão teórica da Análise do Discurso de linha francesa analisar, bem como refletir sobre os fatores que influenciam na construção do discurso. Para isso, respaldamo-nos em alguns teóricos que propõe discussões e esclarecimentos a respeito da teoria e, a partir dos aspectos teóricos discutidos a respeito da AD, mostramos que a AD vem contribuindo essencialmente para os estudos lingüísticos, bem como para a compreensão de discursos produzidos e padronizados pela sociedade por ser uma teoria que busca compreender a multiplicidade de sentidos nos discursos.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A linguagem sempre esteve associada ao caráter interativo/dialógico que assegura a comunicação entre os indivíduos e revela a formação e a sua participação social. É por apresentar essas particularidades que as pesquisas lingüísticas que vêm sendo desenvolvidas ultimamente apontam para a necessidade de estudar a língua na sua funcionalidade, já que muitos de seus aspectos só têm sentido quando relacionados ao contexto sócio-histórico de produção.

Para Brandão (2004), a linguagem é um espaço conflituoso de "confronto ideológico" que não pode ser estudada fora das condições de produção, já que é constituída dos aspectos históricos e sociais. Assim, a Análise do Discurso ao se propor analisar o discurso, analisa-o ultrapassando os aspectos formais, aprofunda-se em aspectos extradiscursivos, a fim de chegar à construção de sentidos, considerando o contexto social, histórico e ideológico em que o discurso foi produzido.

Uma das principais razões de se desenvolver um estudo voltado para a Análise do Discurso foi o fato de a linguagem ser vista como um processo de interação social e que é por meio dela que o homem pode ter a capacidade de construir significados da realidade que o rodeia e que seus valores, seus pensamentos são reflexos dela, até mesmo suas ações são condicionadas por uma série de fatores que o assujeita. Diante dessa perspectiva, vemos que o discurso é o meio pelo qual o processo de interação verbal se concretiza, ou seja, "o discurso é a palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando", conforme explicita Orlandi (2005, p.15).

Partindo desse conceito de que o discurso é a palavra em movimento, isto é, uma prática do sujeito sobre o mundo, compreendemos que sua construção deve vista como um acontecimento, tendo em vista que a ser enunciado estabelece uma interpretação, assim como funda uma vontade de verdade, pois quando emitimos um discurso, estamos agindosobre o mundo, sobre o outro e marcando uma posição no processo comunicativo. Assim, a visão interacionista e dialógica da linguagem envolvem a ação humana.

Mediante esses fundamentos elencados até o momento, reforçamos que os teóricos vêm discutindo as propostas de Análise do Discurso, buscando compreendê-lo com instrumento de materialização da linguagem que está carregado de efeitos ideológicos e manipuladores. A partir dessa visão, buscamos refletir e apresentar uma breve discussão teórica da Análise do Discurso de linha francesa analisar, bem como refletir sobre os fatores que influenciam na construção do discurso.

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA

A Análise do Discurso[2] surgiu na década de 60 na França, tendo o discurso como objeto de estudo. Ao se propor estudar o discurso, a AD busca ver a língua não apenas como transmissão de informações ou o simples ato de fala, mas a língua numa visão discursiva que busca a exterioridade da linguagem como a ideologia e o fator social. Orlandi (2005), ao discorrer sobre o objetivo da AD, menciona que na Análise do Discurso toma a linguagem como mediadora indispensável entre o homem e o meio social e natural em que vive, assim, a AD não toma a língua como um sistema abstrato, mas a língua como método de interação.

Um dos precursores da AD francesa foi Michel Pêcheux. Para a sua criação, Pêcheux (1993) realiza rupturas com as pesquisas estruturalistas que via a língua apenas como um veículo para a comunicação, limitada em si mesma e busca analisá-la a partir de aspectos que vão além do ato comunicativo, ou seja, aprofunda-se nos aspectos extralingüísticos do discurso a fim de chegar à construção de sentidos do contexto social, histórico e ideológico no qual um determinado enunciado está inserido. Isso implica dizer que a língua é tomada como produto da interação entre os falantes, é um veículo de interação com o mundo e tem o propósito de ocultar questões ideológicas materializadas na linguagem.

A esse respeito, Brandão (2004, p.07) ressalta que Bakhtin vê a língua como "um fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação." Ele vê a língua com objeto concreto que decorre da expressão individual de cada falante. Em outras palavras, há a valorização da fala e a enunciação é tomada como produto da interação entre os falantes. É nessa visão bakhtiniana que a AD vê a linguagem.

Neste sentido, a linguagem é a materialização do discurso e carrega consigo as manifestações ideológicas de ordem sócio-histórica enunciadas pelos sujeitos do discurso. Parafraseando Mussalim (2004), o contexto sócio-histórico contribui essencialmente para parte da construção de sentido de um enunciado e não deve ser considerado como um mero acessório, já que para a AD, os sentidos também são construídos historicamente.Assim, a linguagem é a materialização do discurso e carrega consigo as manifestações ideológicas de ordem sócio-histórica enunciadas pelo sujeito do discurso.

Partindo do pressuposto de que o discurso ou qualquer enunciado está relacionado com o contexto e a situação em que este enunciado foi produzido, Pêcheux (1993) emprega ao contexto a denominação de condições de produção. É nessa perspectiva que o sujeito ao produzir o seu discurso entra num jogo de imagens, ou seja, ele faz uma imagem do local em que ele enuncia, a imagem de si mesmo e do seu interlocutor, já que a existência do interlocutor é uma condição para que um sujeito se expresse de uma forma e não de outra.

Assim, vemos que um enunciado de um locutor só ocorre quando este imaginariamente antecipa e organiza o seu discurso de modo estratégico de acordo com aquilo que o seu receptor espera desse enunciado. É nessa perspectiva que o sujeito ao produzir o seu discurso entra num jogo de imagens, ou seja, ele faz uma imagem do local em que ele enuncia, a imagem de si mesmo e do seu interlocutor, já que a existência do interlocutor é uma condição para que um sujeito se expresse de uma forma e não de outra.

Vale salientar também que no momento em que um sujeito se inscreve num ato discursivo, o vemos como um receptor de vários outros discursos através dos quais assume o papel de enunciador de discursos a fim de justificar a sua própria atuação por meio de crenças imaginárias da realidade que o cerca. Em outras palavras, o princípio básico que rege a noção de sujeito é o fato de que este é influenciado por uma ideologia.

De acordo com os princípios básicos da AD, o sujeito não pode ser concebido como um ser único que é se constitui na fonte do próprio discurso, mas sob uma relação entre o "eu" e o "tu" em que o outro é parte constitutiva do "eu", ou seja, do sujeito. O que se pretende dizer é que a AD vê o sujeito como heterogêneo, não como um ser centralizado que é dono do seu próprio dizer, uma vez que é assujeitado. O sujeito do discurso é, pois, submetido às coerções sociais.

Assim, não se pode conceber um sujeito único e egocêntrico. Conceber o sujeito como um ser ideológico, cujo discurso é na verdade "um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social" (BRANDÃO, 2004, p. 59), implica dizer que para a AD a língua/linguagem não corresponde a um ato homogêneo, mas como um produto de interação social entre os homens. A linguagem é concebida como um fato dialógico em que o "Outro" é essencial para a constituição do sujeito. O "Outro" não representa apenas o interlocutor ou o destinatário, mas outro discurso que foi enunciado em outro contexto, em outra condição de produção. É sob essa visão que Mussalim (2004) esclarece que o sujeito não se encontra no campo consciente, mas se encontra clivado, submetido ao inconsciente. A autora ainda esclarece que

Nesse sentido, o "eu" perde a sua centralidade, deixando de ser senhor de si, já que o "outro", o desconhecido, o inconsciente, passa a fazer parte de sua identidade. O sujeito é, então, um sujeito descentrado, que se define agora como sendo a relação entre o "eu" e o "outro". O sujeito é constitutivamente heterogêneo, da mesma forma como o discurso o é. (MUSSALIM, 2004, p. 134)

Com base na citação, percebemos que o sujeito do discurso se encontra dividido entre o consciente e o inconsciente. Desse modo, nota-se que não existe um sujeito que tenha consciência daquilo que diz, mas que é levado, inconscientemente, a produzir um discurso de uma forma e não de outra.

O sujeito discursivo cria para si uma realidade discursiva imaginária, ilusória. Sofre, neste sentido, de uma dupla ilusão. Primeiro porque se coloca como dono, fonte do sentido de seu discurso, ou seja, tem a ilusão de que é ele o senhor absoluto daquilo que enuncia; segundo, porque crer que tem consciência de tudo aquilo que diz no instante em que retoma o seu discurso para tentar explicar o que diz ou ainda no momento em que se utiliza de diversos discursos e estratégias para produzir os efeitos desejáveis com a sua fala. Evidenciamos essa dupla ilusão do sujeito quando atentamos para o fato de que o sujeito passa por dois tipos de esquecimento. De acordo com Orlandi (2005), o esquecimento número um, conhecido também por esquecimento ideológico: ele é da instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos. Já o esquecimento número dois é da ordem da enunciação, ou seja, ao falarmos, o fazemos de uma maneira e não de outra, e ao longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro.

Assim, confirmamos que de fato o sujeito passa por uma realidade ilusória do sujeito clivado e assujeitado pela ideologia, além de validar a inexistência de um sujeito consciente daquilo que fala.

Com relação às formações discursivas, elas se caracterizam como um espaço determinante daquilo que pode ou não ser dito num dado contexto. De acordo com Brandão (2004, p. 48), "são as formações discursivas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma relação de classe, determinam 'o que pode e deve ser dito' a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada".

Partindo desse ponto de vista, percebemos que a exteriorização do discurso regula o conceito do assujeitamento ideológico do sujeito do discurso, visto que é a formação discursiva que possibilita o fato de o sujeito, enquanto enunciador do discurso inserido numa determinada conjuntura histórica, ser capaz de concordar ou não com o sentido a ser dado às palavras. Assim, as FDs são o espaço em que é articulado o discurso e a ideologia, são componentes de uma formação ideológica, que por sua vez, pode revelar uma ou mais FDs. Assim, no interior dessas formações discursivas ocorrem diversos embates ideológicos que constituem o enunciado.

Tomando como ponto de partida a relação da ideologia com os aspectos teóricos da AD, vale ressaltar aqui a grande significação da FI no que se refere à exteriorização do discurso, o qual está marcado por conflitos sociais num dado momento.

Remetendo-nos aos conceitos de Brandão (2004), verificamos que é no campo da superestrutura ideológica ligada ao modo de produção dominante em uma formação social que a teoria do discurso vai demonstrar interesse, interpretando e analisando o modo de produção, chegando a uma instância ideológica.

Mencionando as relações de produção como processo de produção da instância ideológica, é viável salientarmos o fato da interpelação e do assujeitamento do indivíduo no momento da produção do enunciado. Isso faz com o sujeito do discurso "seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social", (BRANDÃO, 2004, p.46-47) mesmo que não tenha consciência disso e pense que é dono do seu próprio querer.

Mediante as atitudes e representações que não são individuais, nem universais, mas que estão relacionadas às diferentes posições de classes sociais que estão em conflito umas com as outras, a FI é capaz de intervir como uma força que encara outras forças na conjuntura ideológica peculiar de uma formação social.

Nesse contexto, compreendemos que os enunciados mudam de sentido segundo o lugar ideológico, as posições defendidas por quem as empregam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos discutir neste trabalho acerca da função da linguagem, sua importância para a comunicação, para a atuação do homem na sociedade e como meio de interação social que viabiliza a consciência crítica, salientamos também a relevância do estudo da língua/linguagem em funcionamento, já que o sujeito está intrinsecamente ligado à linguagem e às práticas sociais e é justamente essa relação que determina o papel da linguagem nos diferentes contextos sociais.

Por essa razão, procuramos mostrar uma abordagem teórica sucinta da AD, uma vez que ela se propõe a refletir e analisar a linguagem como mediadora entre o homem e o meio social e que, por isso, tem como foco o próprio discurso, analisando aspectos que vão além da frase e procurando compreender aquilo que não está dito e não-dito naquilo que é dito.

Nesse sentido, a partir dos aspectos teóricos discutidos a respeito da AD, acreditamos que a AD vem contribuindo essencialmente para os estudos lingüísticos, bem como para a compreensão de discursos produzidos e padronizados pela sociedade por ser uma teoria que busca compreender a multiplicidade de sentidos nos discursos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: UNICAMP, 2004.

MUSSALIM, F. Análise do discurso. In: BENTES, A. C; MUSSALIM, F. (Org.) Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. vol.2.; 4 ed. São Paulo: Cortez, 2004.

ORLANDI, E.P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2005.

PÊCHEUX, M. Por uma análise automática do discurso. Campinas: UNICAMP, 1993.



[1] Aluna do curso de Especialização em Lingüística Aplicada - CAMEAM/UERN

[2] Doravante AD