CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EMERGENCIAL: Uma análise da responsabilidade penal médica¹

 

Larissa Silva Almeida²

Rejanne Silva Pinheiro²

 

 

Sumário: Introdução; 1- Crimes omissivos e as teorias da ação; 2- O dever médico de cuidar e seus aspectos jurídico-penais; 3- A omissão penal médica;4- A lei n°12.653/2012 e suas implicações penais; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O médico tem o dever de cuidar de seus pacientes e em quaisquer circunstânciasutilizar todos os recursos necessários para que a vida seja preservada. A lei n°12.653/2012 criminaliza o condicionamento do atendimento médico-hospitalar emergencial por exigência de nota promissória ou cheque-caução. Isto traz novas implicações penais para os profissionais que exercem a medicina e, põe como ponto chave de discussão a responsabilidade penal omissiva em sua dupla possibilidade de aplicação: a omissão própria e a imprópria.

 

PALAVRAS-CHAVES

Médico; responsabilidade; penal; omissão; ética.

 

INTRODUÇÃO

O profissional da medicina possui o dever ético e legal de cuidar de pessoas e, portanto, de atuar como garantidor do direito fundamental à vida de todos os seus pacientes. A desobediência do dever de cuidar do médico pode trazer implicações na esfera penal para este profissional da saúde.A responsabilidade penal médica pode estar tanto sob a forma culposa quanto sob a dolosa, esta se dá quando o médico comete crime omissivo impróprio. A omissão imprópria é aquela cuja norma constante do tipo penal é de natureza proibitiva, ou seja, contém uma proibição, prevê um comportamento comissivo. No entanto, o agente goza de um status de garantidor, portanto a ele se aplica a norma do §2° do artigo 13 do Código Penal e ele responderá pela sua abstenção de agir como se tivesse agido (GRECO, 2007, p. 94).

A ação e a omissão são amplamente discutidas no seio da doutrina penal, o que levou a criação de várias teorias da ação das quais merecem destaque a naturalista, a finalista e a personalista. Estas teorias buscaram a diferenciação do conceito de ação e omissão tendo em vista a sua aplicação no caso concreto. A análise de tais teorias se faz muito importante em uma pesquisa cujo escopo é definir o tipo de modalidade criminal, comissiva ou omissiva, verdadeiramente aplicável na esfera penal aos profissionais que exercem a medicina. Paulo Vinícius Sporleder de Souza associa de maneira muito interessante o dever de cuidado do médico a sua responsabilidade penal.

A lei n°12.653/2012 criminaliza a exigência de cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar em casos emergenciais, além disso, obriga a exposição de cartazes nos respectivos estabelecimentos de saúde pra informar a população a respeito desta proibição legal. A pena para quem infringir esta lei varia de três meses a um ano de detenção e multa, podendo seraumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. A questão que se coloca é a de que tipo de responsabilidade penal se aplica ao médico caso concreto, analisando os conceitos de omissão própria e imprópria, já que este possui o dever legal de cuidar, mas está subordinado às instruções administrativas do estabelecimento privado no qual exerce a sua profissão.

 

1- Crimes omissivos e as teorias da ação

Durante muito tempo a doutrina penalista procurou estabelecer um conceito de omissão capaz de suprir as necessidades do sistema jurídico vigente, fenômeno este que motivou o surgimento das teorias naturalísticas. Porém não havia efetivamente uma busca pela natureza da omissão, pelo estudo da ontologia da mesma. Dentre as teorias naturalistas está a do aliudagerede Luden que define a omissão como uma ação positiva caracterizada pela realização de conduta diversa simultaneamente ao momento em que o indivíduo deveria estar agindo conforme ordenado pela lei. Outra teoria naturalista é a de Beling na qual a omissão equipara-se a ação, pois ambas são atos volitivos internos ao ser humano. Sobre isto Fábio Roberto Dávila (2005 p. 186) enfatiza:

“Tais elaborações, todavia, á não mais encontram repercussão no espaço da discursividade jurídico-penal. Em realidade, a busca por elementos ontológicos que, por ventura, contivessem a verdadeira essência do fenômeno omissivo – na qual obteve ensejo a elaboração de tantas outras teorias vivamente empenhadas em compreender, nos limites explicativos do real-verdadeiro, esta particular forma de manifestação do ilícito-típico – encontra-se hoje sabidamente ultrapassada.”

Estas teorias buscavam definir tanto ação quanto omissão quanto a causa de um resultado por isso enquadravam-se em uma categoria maior: a teoria causal. ArminKauffman buscou conceituar os crimes omissivos sob a ótica do princípio da inversão, o que significaria subordinar a existência da omissão ao conceito de ação e reduzi-la ao patamar de subespécie da comissão. A doutrina penal moderna busca definir o ato omissivo de maneira diversa dos causalistas, pois o concebe como sendo de natureza normativa. Neste caso a omissão não seria apenas um antônimo da ação e sim uma conduta de natureza jurídico-penal dotada de autonomia. A verdade é que conceituar a omissão sempre foi um problema para a doutrina penalconforme elucida Juarez Tavares (1996, p.21):

“A omissão sempre representou, na verdade, um ponto nebuloso da teoria do delito, que não foi elucidado nem pela teoria causal e suas variantes e nem pelas teorias que se sucedem, por exemplo, a teoria finalista, as quais continuaram a defrontar-se com dificuldades para equacioná-la.”

A teoria finalista classifica a ação como parte integrante da dimensão ontológica do ser, logo sob este ponto de vista a omissão seria tida como um “não-agir”. A crítica a esta teoria se dá no sentido de que esta classifica a omissão como ontológica, mas esta somente seria integralmenteconceituada se fosse relacionada com um dever de agir ao qual o indivíduo estivesse vinculado em determinada situação fática. Caso não houvesse este vínculo entre indivíduo e dever de agir positivamente em uma situação específica, o seu “não-agir” pouco importaria.

Baseada no princípio da evitabilidade surge a teoria negativa de ação sob a concepção de que tanto a ação quanto a omissão decorreriam de uma não evitação da produção de um resultado. Os principais defensores desta teoria são Hezeberg, Khars, Behrendt e Jackobs. Todavia esta teoria sofreu muitas críticas pela vagueza deste conceito de evitabilidade que vinha a confundir ainda mais as já obscuras noções de ação e omissão.

ClausRoxin propôs a teoria personalista da ação segundo a qual todo e qualquer agir seria uma manifestação da personalidade humana. Esta teoria reconhece a relação entre a ação e aos juízos de valor subjetivos gerados pela sociedade e sistema jurídico vigente. Só faria sentido conceber a ação como forma de manifestação da personalidade tendo como referencial a ação esperada pelos valores sociais os quais geram deveres posteriormente manifestos no sistema jurídico-normativo. A crítica a Roxin se dá no sentido de sua teoria ser muito vaga ao qualificar a ação, enquanto manifestação da personalidade, como “centro da ação anímico-espiritual”. Contudo nem sempre as manifestações do espírito humano podem ser concebidas como manifestações de personalidade.

A proteção dos bens jurídicos se faz através de deveres impostos pela dimensão normativa que tem por escopo evitar a concretização de resultados reprováveis socialmente. Através disso surgem os conceitos de crimes comissivos e omissivos.Na omissão a proteção do bem jurídico pode acontecer de duas maneiras: ou se estabelece um dever generalizado a todos os cidadãos de evitar a produção de um resultado ou individualiza-se este dever a um indivíduo específico que encontra-se sob o status de garantidor. Estas duas espécies de omissão podem ser classificadas respectivamente como crimes omissivos próprios e omissivos impróprios os quais também recebem a denominação de comissivos por omissão.

A diferença entre comissão e omissão deve ser observada nas normas que obrigam ou que proíbem que a conduta seja realizada, pois “a norma jurídica compõe um conjunto de proibições e comandos, num mesmo contexto, como forma de ampliar os limites da proteção do bem jurídico” (TAVARES, 1996, p. 38). A doutrina estabeleceu três critérios para fazer possível a diferenciação entre ação e omissão: a) critério da energia; b) critério da causalidade; c) critério do ponto de gravidade da conduta.

O critério da energia diferencia os crimes omissivos dos comissivos pelo emprego de energia por parte do agente para a realização de determinada conduta, caso não haja esse dispêndio enérgico o ato é considerado omissivo. O critério da causalidade considera o delito comissivo todo aquele no qual o indivíduo desencadear um processo causal material que produza um resultado defeso em lei. Já no critério do ponto de gravidade da conduta “a caracterização do comportamento como ação ou omissão, no entanto, só pode ser inferida pelo sentido imprimido pela ordem social, jamais por critérios objetivos materiais” (TAVARES, 1996, p. 47). No entanto esses critérios diferenciadores entre ação e omissão têm sido duramente criticados pela doutrina, pois estes feririam o princípio da legalidade ao colocarem as valorações sociais em um patamar mais elevado que a própria norma jurídica o que geraria instabilidade no campo decisório jurídico-penal.

Outra diferenciação que se faz necessária está localizada dentro da própria omissãoé ela a separação entre crimes omissivos próprios e impróprios. A primeira etapa da diferenciação se dá na dimensão subjetiva dos crimes omissivos, pois nos delitos omissivos próprios o sujeito ativo não é concebido na sua individualidade mas em uma dimensão coletiva, pelo fato do dever de agir positivamente não ser dirigido diretamente a ele mas a todos o grupo social do qual faz parte. A segunda etapa se dá na dimensão legislativa da omissão na qual o texto normativo é sempre objetivo ao definir os crimes omissivos próprios.

Nos crimes omissivos impróprios o indivíduo transgride um dever legal de impedir que um resultado valorado negativamente pela sociedade ocorra. Nestes crimes há um núcleo normativo que determina um “agir” por parte do indivíduo que com isto se comprometeu. Damásio (2009, p. 239) define os crimes omissivos impróprios como:

“São delitos em que a punibilidade advém da circunstância de o sujeito, que a isto se encontrava obrigado, não ter evitado a produção do resultado, embora pudesse fazê-lo. Ele se omite, ocorrendo o resultado. Isso não quer dizer que ele produz o resultado, uma vez que da omissão, fisicamente, nada surge. Ocorre que a lei considera que o não fazer tem o mesmo valor do fazer.”

2- O dever médico de cuidar e seus aspectos jurídico-penais

O dever médico de cuidar de seus pacientes, além de fazer parte dos fundamentos éticos da profissão, é estabelecido legalmente no artigo 13 parágrafo 2° do Código Penal que versa sobre os crimes omissivos e dispõe que “o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. Existem duas possibilidades de o médico ser penalizado no âmbito penal pelo descumprimento do dever de cuidado para com os seus pacientes: a responsabilidade culposa e a omissiva. De acordo com Sporleder (2009, p. 25-26):

“Em direito penal, a responsabilidade do médico por culpa deriva da constatação dos seguintes elementos: a) violação do dever objetivo de cuidado; b) previsibilidade objetiva do resultado; c) princípio da confiança; d) previsibilidade subjetiva o resultado; e) imputabilidade, potencial consciência de ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.”

Para que o médico seja responsabilizado por culpa é necessário que a sua conduta tenha nexo causal com o resultado que produziu. Este resultado deve ter sido gerado de maneira involuntária e conduta do profissional deve ter violado o dever objetivo de cuidado. Bittencourt (2007, vol. 1, p. 283) considera:

“dever objetivo de cuidado consiste em reconhecer o perigo para o bem jurídico tutelado e preocupar-se com as possíveis conseqüências que uma conduta descuidada pode produzir-lhe, deixando de praticá-la, ou então, executá-la somente depois de adotar as necessárias e suficientes precauções para evitá-lo.”

Contudo mesmo diante da existência do dever objetivo de cuidado do médico a culpa pode ser admitida mediante três requisitos, a imprudência, a negligência e a imperícia. O primeiro deles ocorre quando o resultado é fruto de imprudência a qual é caracterizada por uma conduta precipitada. O segundo ocorre quando há negligência caracterizada pela falta de atenção por parte do médico. E o último ocorre pela imperícia que é o desconhecimento das normas técnicas para a prática de determinado ofício.

3- A omissão penal médica

A omissão penal tem como natureza a violação de normas mandamentais, que são aquelas que contém em seu núcleo uma obrigação de agir. Há crime por omissão quando o agente deixa de agir conforme lhe fora imposto por uma norma mandamental, agindo simultaneamente de maneira diversa ou abstendo-se de agir, quando lhe era possível e exigível o cumprimento da lei.

A omissão penal própria configura crime de “mera conduta”, pois não exige a produção de um resultado naturalístico para que seja consumado, não admitindo tentativa e, na maioria das vezes admitindo apenas a forma dolosa e em raras exceções a forma culposa. O artigo 135 do Código Penal dispõe sobre o crime de omissão de socorro que é omissivo próprio, pelo fato de seu sujeito ativo ser qualquer indivíduo desde que este não tenha causado de maneira dolosa ou culposa a situação de perigo. Sobre este crime Luiz Regis Prado (2006, vol. 2, p. 210) enfatiza:

“O crime de omissão de socorro é delito de perigo. Na hipótese de assistência omitida a criança extraviada ou abandonada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo, o perigo é abstrato. Consuma-se ainda que no caso concreto não se tenha produzido qualquer perigo para o bem jurídico tutelado. Já no caso da pessoa em grave e iminente perigo, é indispensável sua efetiva demonstração (perigo concreto).”

A omissão penal imprópria, diferentemente da omissão própria, é crime de natureza material, pois tem como essência a exigibilidade da ocorrência de resultado naturalístico para que seja consumado. Neste tipo de crime “o agente não tem simplesmente o dever de agir, mas o dever de agir para evitar o resultado” (SPORLEDER, 2009, p. 34). O que justifica este dever de agir do sujeito ativo do crime omissivo impróprio é a posição de garantidor em que este se encontra em relação ao bem jurídico alheio. Este é o caso dos médicos que ao assumirem a responsabilidade de cuidar da vida de seus pacientes passam a gozar deste status de garantia.

Autores como Silva Sanchez discutem a respeito da responsabilidade penal médica nos crimes omissivos impróprios e de suas possíveis limitações visto que “não parece aceitável tornar os médicos garantidores da vida ou da saúde das pessoas que não se comprometeram a tratar porque isso estenderia sua responsabilidade a limites absurdos” (SANCHEZ, 1988, p. 125, apud, SPORLEDER, 2009, p. 35). Porém este mesmo autor defende a tese de que a postura do médico plantonista é de garantidor, independentemente de estar comprometido com o paciente ou não, pois naquela situação tem o dever de evitar a consumação do resultado naturalístico.

Se faz necessária uma diferenciação entre os casos de urgência e emergência para tornar mais clara essa responsabilização penal médica por omissão. A emergência ocorre quando uma situação é crítica, perigosa e iminente e necessita de atendimento médico imediato. A urgência apesar de dizer respeito a algo inadiável para a resolução do qual não deve haver demora, tem um caráter menos grave e imediatista do que o emergencial.

Disso pode-se extrair que nos casos de emergência em que houver omissão penal médica será configurado crime omissivo impróprio também chamado de comissivo por omissão, na qual o profissional de plantão tem o dever de garantidor da saúde física e psíquica de todo e qualquer paciente a que ele recorrer independentemente do estabelecimento de vínculo prévio ou não, pois á risco de morte. Cabendo também condenação por homicídio ou lesão corporal grave sob a forma culposa.

Já nos casos de urgência o médico que se abstiver de agir estará cometendo omissão própria, pois não está na posição de garantidor do paciente, a não ser que tenha se comprometido previamente a cuidar da saúde do mesmo. A posição assumida pelo médico nesse caso é colocada em patamar de igualdade com os demais cidadãos que nos termos do artigo 135 do Código Penal se omitirem da prestação de socorro. Poderá também responder por homicídio culposo caso haja resultado morte ou por lesão corporal culposa.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação Criminal 2002.050.00605, que teve como Relator Adilson Vieira Macabu, reconheceu a condenação de médico por homicídio culposo por omissão de atendimento à parturiente que teve como resultado naturalístico sofrimento fetal seguido da morte do recém-nascido. Ficou comprovado que neste caso houve ausência de deveres objetivos de cautela atribuída ao médico que deveria ter prestado o atendimento emergencial à paciente e, além disso, ele era o único profissional desta especialidade presente no hospital no momento do ocorrido.

Outra decisão do TJRS se deu no Conflito de Jurisdição 1999.055.00018, que teve como relator José Lucas Alves de Brito, que afirmou a configuração de crime de omissão de socorro e, não do crime de homicídio doloso, em um caso no qual os acusados recusaram-se a receber a vítima em um Posto Médico e posteriormente esta veio a falecer.

4- A lei n°12.653/2012 e suas implicações penais

Na data de 29 de Maio de 2012, foi sancionada e publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 12.653, de 28 de Maio de 2012, que adicionou o artigo 135-A ao Penal, para tipificar o crime de condicionar atendimento médico-hospitalar emergencial a exigência de qualquer garantia financeira. O acréscimo na legislação do tipo penal de “condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial” criminalizou a prática da seguinte atitude:

“Art. 135-A- Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. Pena-detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”

Este novo tipo penal configura crime de perigo abstrato, presumido ou de “mera conduta”. Para que haja a consumação deste crime basta a prática da conduta tipificada pelo agente. No artigo 135-A há uma presunção absoluta de que ocorreu crime de perigo pelo simples ato de exigir qualquer garantia como condicionante para o atendimento médico-hospitalar emergencial.

Os sujeitos ativos deste crime podem ser os responsáveis administrativos ou funcionários, nos quais se incluem os médicos, do hospital que oferecer serviço médico-hospitalar emergencial. No caso dos funcionários que cometerem este crime não há como alegar obediência hierárquica conforme o artigo 22 do Código Penal que dispõe:

“Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.”

É perceptível no artigo que a obediência hierárquica, como excludente de ilicitude para o agente do ilícito só é possível quando esta foi praticada “em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico”. Porém nos casos dos funcionários da empresa de saúde, tais como médicos e atendentes, que condicionarem o atendimento médico-hospitalar por ordem de seus superiores responderão pelo crime, pois lhe era exigível conduta diversa da praticada e a ordem superior era manifestadamente ilegal.

Nos casos emergenciais devido à sua natureza os médicos respondem pelo crime na forma omissiva imprópria ou culposa, pois neles o profissional da saúde está no patamar de garantidores. Porém no novo tipo penal estabelecido pelo artigo 135-A do Código Penal não admite-se a forma culposa pois o delito é naturalmente doloso. O parágrafo único do referido artigo dispõe que “a pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte”, isto estabelece a causa de aumento de pena do tipo penal de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

O médico possui o dever legal de cuidado para com os seus pacientes, por isso, goza de um status de garantidor do direito fundamental à vida e a saúde física e psíquica de todos com que se comprometeu a cuidar. A violação do dever de cuidar do médico traz implicações penaispara este profissional. Sua penalização pode se dar tanto sob a forma culposa forma de omissão própria e imprópria.

Para que o médico seja responsabilizado sob a forma culposa é necessário que a conduta praticada com ele mantenha nexo causal com o resultado produzido. Este resultado naturalístico deve ter sido originado da violação do dever objetivo de cuidado e de maneira involuntária.Além disso, devem ser observados na aplicação da pena os requisitos de admissibilidade da culpa são: a imprudência, a negligência e a imperícia. A responsabilidade por omissão médica pode ser dar sob as formas omissivas própria e imprópria. A primeira delas ocorre quando o médico se omitir de socorrer uma vítima que tenha urgência em ser atendida, já a segunda ocorre quando o estado de saúde da vítima inspira cuidados emergenciais nas situações na qual o médico plantonista é considerado um garantidor.

ALei n. 12.653, de 28 de Maio de 2012, acrescentouo artigo 135-A ao Penal, tendo como escopo a tipificaçãodo crime de “condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial” sob a exigência de alguma garantia por parte do paciente. Este crime trouxe novas implicações penais para a classe médica a qual responderá por ele na forma dolosa, tendo a pena aumentada até o dobro se desta recusa de atendimento resultar lesão corporal grave ou até o triplo se tiver como resultado a morte do paciente. Neste caso não admite-se a alegação de estrito cumprimento de ordem de superior como excludente de ilicitude, visto que há exigibilidade de conduta diversa por parte do médico e as ordens obedecidas são ilegais. Portanto o artigo 135-A veio a somar responsabilidades ao dever ético-legal de cuidado objetivo atribuído à classe médica.

 

 

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal.Vol1. São Paulo: Saraiva, 2007.

D’AVILA, Fábio Roberto. Ofensividade e crimes omissivos próprios: contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol.2. 3ed.Niterói: Impetus, 2007.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2002.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol.2. 5ed. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais.

SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Direito Penal Médico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

TAVARES, Juarez. As controvérsias em torno dos crimes omissivos. Rio de Janeiro: Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal, 1996.

Disponível em :<http://www.jvascbr.com.br/03-02-03/simposio/03-02-03-241.pdf> Acesso em 07 de novembro de 2012.

Disponível em :<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302002000200039> Acesso em 07 de novembro de 2012.

SIENA, David Pimentel Barbosa de. Lei nº 12.653/2012: criminalização do “condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial”.Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3254, 29maio2012 .Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21900>. Acesso em 9 de novembro de 2012.