INTRODUÇÃO

As constantes denúncias envolvendo médicos e pacientes no que tange a cobranças pecuniárias e administrativas, que condicionam o atendimento médico hospitalar urgente aos pacientes que deste serviço necessitam, gerou dentro do seio da sociedade brasileira a necessidade de criminalizar tal conduta reprovada moralmente, administrativamente e judicialmente. Foi assim que em maio de 2012 foi publicada no Diário Oficial da União a lei 12.653∕12 que acrescentou o artigo 135-A ao Decreto Lei 2.848∕40 tipificando o que se chama hoje de crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial.

Este artigo incrimina a conduta de “exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulário administrativos como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial”, sob pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Desta forma, o legislador ao tipificar tal conduta possui como objetivo proteger o bem jurídico vida e saúde, estes postos a mercê de condições abusivas.

No presente trabalho, objetiva-se discorrer sobre a conduta penal incriminadora presente no artigo 135- A, analisando a estrutura geral do tipo penal incriminador, como a objetividade jurídica, o tipo penal objetivo e subjetivo, os sujeitos do crime e a modalidade de prática desta conduta criminosa. Porém, a responsabilidade penal de quem se presta a realizar esta conduta reprovável, ou seja, as sanções cabíveis destinadas àqueles, previstas na lei Penal brasileira, é o ponto chave do trabalho em questão, buscando auxílio na doutrina e na jurisprudência que aferiram sobre o assunto abordado. Logo, o núcleo deste paper destina-se a desvendar o sujeito ativo no crime de condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial. A tese apresentada é no sentido da possibilidade de falar-se em concurso de pessoas em um contexto onde implicitamente exista o domínio final do fato.

Diante do exposto, conclui-se que o estudo desta conduta criminosa tem como objetivo desvendar quem são os sujeitos ativos, de forma a destrinchar teorias envolvidas e necessárias para a compreensão, bem como inibir a prática deste comportamento, resguardando o direito fundamental à vida e à saúde.
 

1 Estrutura Penal do tipo penal elencado no art. 135-A do Decreto-lei 2.848/40

            O art. 135-A foi incluído a esse Decreto-lei pela Lei nº 12.653/12, e diz respeito ao condicionamento de atendimento médico emergencial a uma garantia de pagamento por parte daquele que deve (e precisa, urgentemente) ser atendido. Ele é um desmembramento do crime de omissão de socorro, de modo que, caso não haja essa garantia, não há atendimento. Diz o dispositivo: “Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial”. A simples exigência, portanto, de qualquer dos instrumentos citados ou qualquer outra garantia é suficiente para a configuração do crime. A pena cominada, de forma diferente da omissão de socorro em si, é de 3 meses a um ano, e multa, devendo ser destacada a presença da mesma causa de aumento de pena: será aumentada do dobro se a negativa resultar em lesão corporal grave e do triplo se resultar em morte.

            Antes de dar prosseguimento a este artigo, porém, é necessário fazer distinção essencial neste tipo penal: a distinção entre crimes omissivos próprios e impróprios. Os crimes omissivos próprios são aqueles cuja omissão vem narrada expressamente pelo tipo penal incriminador. Não há necessidade, nesses crimes, de qualquer resultado naturalístico, e, assim, existe, nestes crimes o dever genérico de proteção. Os crimes omissivos impróprios, por outro lado, são aqueles que não estão tipificados expressamente na lei penal (GRECO, 2012, p. 344). Este último tipo de crime (os omissivos impróprios) apenas podem ser cometidos por aqueles indivíduos dotados do status de garantidor, de modo que, segundo o art. 13, § 2º do Código Penal, “devia e podia agir para evitar o resultado”. Há, aqui, portanto, por parte do agente, deve especial de proteção.

            Adequando para o caso em questão, que é a omissão mediante ausência de garantia de pagamento, o agente tem o dever especial de proteção, na medida em que pode e deve agir para evitar o resultado danoso (lesão corporal ou morte). Configura, portanto, crime omissivo impróprio, de modo que apenas pode ser cometido por aquele que estiver enquadrado na disposição do art. 13, § 2º do Código Penal. O art. 135-A não é taxativo. Ele é, portanto, meramente exemplificativo ao trazer algumas das condutas que podem ensejar o cometimento deste crime, havendo, no entanto, outras possibilidades de figurar como sujeito ativo deste crime, o que pode ser comprovado pelo termo “ou qualquer outra garantia”.

1.1  Objetividade Jurídica

O crime de omissão de socorro (e, como supracitado, este é um tipo de omissão de socorro, sendo observadas, portanto, todas as elementares deste crime) tem como objeto material ou bem juridicamente protegido a vida e a saúde, como bem destaca Rogério Greco. Assim, será configurado o crime de omissão de socorro quando o agente deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, à criança abandonada, extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo para a sua vida ou para a sua saúde (GRECO, 2012, p. 345)

A vida, mais importante bem jurídico de nosso ordenamento, é constitucionalmente garantida no art. 5º, dispositivo que trata dos direitos fundamentais. É desse direito que decorrem todos os outros direitos, pois não haveria sentido em tutelar outros bens jurídicos se não há, propriamente, um direito à vida, e, por consequência, este bem jurídico fica à mercê das vontades de cada indivíduo. Dessa forma, o Estado tem o dever de garantir a vida aos detentores desse direito, bem como o de garantir que tenham, não apenas uma sobrevida, mas uma vida saudável. O Estado, destinatário desses direitos fundamentais, tem à sua disposição diversas maneiras de garanti-lo, seja através de políticas de saúde pública, e isso envolve hospitais públicos, distribuição gratuita de medicamentos, seja através de normatização e punição daqueles que negligenciarem esse direito tendo o dever e a possibilidade de agir no sentido de garanti-lo, que é o caso dos garantes.

Para o estudo do crime aqui tratado, é importante que se faça a distinção entre urgência e emergência, visto que o dispositivo que trata deste crime fala, claramente, em seu caput, que ele é cometido pela omissão de socorro em atendimento médico-hospitalar emergencial, e esses são dois termos bastante confundidos pela sociedade como um todo. Emergência deriva de emergir, ou seja, aparecer de forma repentina, necessitando ser logo sanada. Para a medicina, uma situação emergencial é aquela que precisa de intervenção cirúrgica imediata. A urgência, por outro lado, é também uma situação que não pode ser deixada para depois e deve ser logo resolvida, mas é menos intensa que a emergência, tem um caráter menos imediatista.²

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²VILARINHO, Sabrina. Emergência e Urgência, qual a diferença. Disponível em: http://www.brasilescola.com/gramatica/emergencia-urgencia-qual-diferenca.htm. Acesso em: 01.11.2012

Neste caso, no entanto, diferentemente da omissão de socorro própria, por se tratar de crime semelhante, mas de caráter impróprio, algumas divergências podem ser constatadas. Aqui, não é qualquer pessoa que pode figurar como sujeito ativo, ele deve, como disposto no art. 135-A do Decreto-lei 2.848/40, estar enquadrado na condição de garante, e, também de forma diferente da omissão própria, não basta a simples abstenção de atendimento médico emergencial. Para que o garante cometa este crime, ele deve se omitir do seu dever e da sua possibilidade de agir para evitar o resultado danoso mediante a ausência de qualquer que seja a garantia de por parte do sujeito passivo.

1.2 Sujeitos do Delito

            Segundo Rogério Greco, “o delito de omissão de socorro é comum com relação ao sujeito ativo, podendo, portanto, ser praticado por qualquer pessoa que não goze do status de garantidora” (GRECO, 2012, p. 350). Para esse autor, nesse caso (o de o indivíduo gozar do status de garantidor), ele deve responder pelo resultado que devia e podia ter evitado.

            Novamente é válido ressaltar que o crime aqui retratado não é a omissão de socorro do art. 135 do Código Penal, que é a omissão própria. Diz-se respeito ao crime omissivo impróprio retratado no art. 135-A do Decreto-Lei 2.848/40, que trata da abstenção de um indivíduo em realizar tratamento médico-emergencial àquele que não lhe deu garantia de pagamento. É válido destacar que, por se tratar de tratamento médico-emergencial, o indivíduo que possivelmente estará no pólo ativo deste crime, figurando como sujeito ativo, será consequentemente, um médico ou indivíduo associado a essa função, ou seja, um garantidor. Não é qualquer pessoa que pode figurar como sujeito ativo deste crime, portanto, é necessário que o sujeito ativo seja um garantidor. Por outro lado, sujeito passivo deste crime pode ser qualquer indivíduo que esteja necessitando de tratamento médico-emergencial. Não há qualquer enquadramento de natureza objetiva, pois a saúde e a vida são bens jurídicos dotados por todos os indivíduos, e podem estar em risco, sem qualquer distinção.

1.3  Tipo Penal Objetivo e Subjetivo

Para Rogério Greco, (GRECO, 2012, p. 353) o delito de omissão de socorro apenas admite a modalidade dolosa, seja o dolo direto ou o dolo eventual. O próprio Greco faz a distinção entre ambos os tipos de dolo. Ele afirma: “Diz-se direto o dolo quando o agente quer, efetivamente, cometer a conduta descrita no tipo, conforme preceitua a primeira parte do art. 18, I do Código Penal. O dolo eventual, por outro lado, segundo este autor, é aquele no qual “o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir, e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito” (GRECO, 2005, ps. 208-209). Não há possibilidade, segundo este autor, de punibilidade de um indivíduo por omissão de socorro própria (a do art. 135, CP) por culpa (GRECO, 2012, p. 354). Isso ocorre porque a recusa de socorro é elementar deste crime, e ela apenas pode ser realizada na modalidade dolosa.

Cezar Roberto Bittencourt afirma (BITTENCOURT, 2003, p. 299), acerca da omissão de socorro própria:

“É necessário que o dolo abranja somente a situação de perigo; o dolo de dano exclui o dolo de perigo e altera a natureza do crime. Assim, se o agente quiser a morte da vítima, responderá por homicídio. Elucidativo, nesse sentido, o exemplo de Damásio de Jesus, que reflexiona: ‘Suponha-se que o agente, sem culpa, atropele a vítima. Verificando tratar-se de seu desafeto, foge do local, querendo a sua morte ou assumindo o risco de que ocorra em face da omissão de assistência. Responde pelo delito de homicídio’”. Greco, no entanto, discorda, afirmando que “mesmo querendo a morte da vítima que se encontrava numa situação de perigo grave e iminente, somente poderia responder pelo resultado morte a título de homicídio se gozasse do status de garantidor” (GRECO, 2012, p. 354).

            No crime aqui estudado, o sujeito não deu causa àquela situação de risco ou perigo iminente à vida ou à saúde de outrem, mas, por ser garantidor, pode e deve agir no sentido de canalizar todos os seus esforços, dentro daquilo que estiver ao seu alcance para evitar o resultado danoso. Havendo essa recusa mediante a ausência de garantia de pagamento por parte da vítima, o art. 135-A do referido Decreto-Lei dispõe penalização cabível, que é de três meses a um ano e multa, sendo observadas as mesmas causas de aumento de pena da omissão própria. A penalização, como se pode ver, é maior que a da omissão de socorro própria, da qual qualquer indivíduo pode ser sujeito ativo.

2. O sujeito ativo do crime

Dado o crime de condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial, presente no art. 135-A configurar como espécie do crime de omissão de socorro tipificado no art. 135 do Código Penal é necessário que se faça uma relação entre estes dois crimes, ressaltando o sujeito ativo de cada conduta incriminadora, objeto do presente tópico. A análise do tipo penal elencado no art. 135 CP, o crime de perigo omissão de socorro, portanto, faz-se necessário.

 O crime omissão de socorro é cometido por àqueles que descumprem a obrigação de assistência a outrem que se encontra em iminente perigo de vida. Desta forma como diz Delton Croce (1998, p. 323):

“Qualquer pessoa que, podendo fazê-lo sem risco pessoal, mesmo que não tenha o dever jurídico e desde que não seja o agente causador, por dolo ou culpa, do estado de perigo, deixa de prestar assistência a quem se encontra ao desamparado ou em risco vital incorre no delito previsto no art. 135”.

Como explícito no dispositivo legal, o crime de omissão de socorro caracteriza-se por ser um crime comum, pois o sujeito passivo pode ser qualquer um, não necessitando de qualquer qualidade específica para caracterizá-lo como sujeito ativo.

Porém, fato diverso ocorre com o gênero omissão de socorro. O crime previsto na lei 12. 653∕12 necessita de qualidades específicas para caracterizar o sujeito ativo, este necessariamente deve ser o responsável pelo hospital ou funcionário subordinado que atende às ordens emitidas pelo seu superior dentro da instituição de saúde, estabelecendo alguma condição, seja ela pecuniária ou administrativa para que se forneça o atendimento.

Assim, para que se caracterize o crime é necessário figurar como sujeito ativo um grupo específico, voltado diretamente à administração hospitalar, como diz Cezar Roberto Bitencourt³:

“(...) normalmente, deve figurar como sujeito ativo desta infração penal quem determina a necessidade de atendimento das condições relacionadas no tipo penal sub examine, seja diretor do estabelecimento de saúde, seja gestor, gerente ou encarregado do departamento responsável.”

O que o doutrinador busca com esta afirmação é aferir sobre a possibilidade do sujeito ativo ser muita das vezes aquele que ordena, porém não executa o tipo penal incriminador, aproveitando-se de um status de hierarquia profissional e de certa forma,

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³ BITENCOURT, Cezar Roberto. Condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/cezarbitencourt/2012/07/24/condicionamento-de-atendimento-medico-hospitalar-emergencial/. Acesso em: 23.10.2012.

obrigando aquele funcionário a cumprir sua ordem sob pena de perder o emprego.

Verifica-se, portanto, que há uma divergência doutrinária no que diz respeito à figura do agente ativo no crime de condicionamento médico hospitalar emergencial. Sob a perspectiva de que o sujeito ativo é apenas aquele vinculado à conduta incriminadora que pressupõe exercício no âmbito hospitalar chega-se a conclusão que se trata de um crime próprio. Porém, sob a interpretação de outros doutrinadores, como Cezar Roberto Bitencourt trata-se de crime comum, por não exigir qualidade ou condição dos agentes, visto que qualquer pessoa pode apresentar a instituição de saúde.

2.1. A possibilidade de concurso de pessoas no delito

            O crime de condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial caracteriza-se como visto, por ser um crime próprio, podendo ser praticado somente por responsáveis ou prepostos do serviço médico hospitalar emergencial. Este crime, por conseqüência, é praticado na maioria das vezes, por mais de um agente já que o lócus da conduta criminosa, dar-se nos hospitais, lugar que pressupõe relação de ordem e obediência entre funcionários, como qualquer instituição administrativa. Desta forma, surge a necessidade de investigar a possibilidade de concurso de pessoas no crime tipificado pela lei 12.653∕12, uma vez que geralmente o acusado é o atendente, balconista, que está obedecendo a uma ordem de seu superior.

            Para entender esta relação, necessita-se permear a teoria penal do domínio do fato, que trata sobre a “divisão de tarefas” nos crimes, sobre isto traz GRECO (2006, p.466):

“Quando nos referimos ao domínio do fato, não estamos querendo dizer que  agente deve ter o poder de evitar a prática da infração penal a qualquer custo, mas sim que, com relação a parte do plano criminoso que lhe foi atribuída, sobre esta deverá ter o domínio funcional. O domínio será, portanto, sobre as funções que lhe foram confiadas e que tem uma importância fundamental no cometimento da infração penal.” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – 7ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 466).

Logo, sob a perspectiva do domínio de fato, existe uma articulação criminosa por parte do autor intelectual, mediato ou indireto que planeja e ordena a execução para o autor executor ou direto ou chamado coautor que serve como instrumento para a prática desta conduta criminosa fracionada, sendo ela distribuída uma função para cada.

Segundo Damásio (2001, p.19) “na autoria intelectual o sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade”, ou seja, é aquele que se aproveita de outrem, como instrumento para a prática da infração penal.

Já o coautor ou autor imediato, segundo Welzer (1987, p.129) “é quem possuindo as qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em virtude disso toma parte na execução do delito”.  Enquanto o autor mediato teria o domínio de fato, o coautor possuiria apenas o domínio funcional dos fatos.

Efetuando a subsunção do que diz a norma penal incriminadora e doutrinas com o que ocorre nos casos concretos de crimes de condicionamento médico hospitalar emergencial, um funcionário que obedecendo a regras editadas pelo Diretor do hospital, nega-se a prestar atendimento a um paciente sem que este lhe confira alguma prestação pecuniária ou administrativa, este funcionário configurar-se-á como coautor do crime, ou autor imediato ou executor, respondendo na medida de sua culpabilidade ao passo que o Diretor da instituição responderia como autor intelectual, ou mediato ou indireto.

Sendo o subordinado cumpridor de ordens superiores, poderia este alegar para sua absolvição obediência hierárquica?

O art. 22 do Código Penal trata da coação irresistível e obediência hierárquica:

Art. 22- Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Ocorre que embora obediência hierárquica seja causa de excludente da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa, um dos pressupostos para o reconhecimento desta causa de excludente de ilicitude é a relação de direito público a qual o sujeito está inserida, como ensina o doutrinador Rogério Greco (2006, p.466):

“Hierarquia é relação de Direito Público. Para que a máquina administrativa possa funcionar com eficiência, é preciso que exista uma escala hierárquica entre aqueles que detêm o poder de mando e seus subordinados. Isso quer dizer que não relação hierárquica entre particulares.” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – 7ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 466).

 No caso analisado no presente paper, porém, não se enquadraria tal proposta visto que se trata de relação particular, hospital privado e empregado. Desta forma, nota-se totalmente possível o concurso de pessoas neste crime.

 

3. Modalidades de prática da conduta criminosa

 

A concretização do crime segundo o tipo penal descrito no art. 135-A do Decreto Lei 2.848∕40 admite duas práticas possíveis, sendo elas: a exigência de cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, ou o preenchimento prévio de formulários administrativos. Sendo assim, o condicionamento pode concretizar-se pelas cobranças pecuniárias ou exigência de procedimentos administrativos.

Quando o legislador ao elaborar a norma penal insere o termo “qualquer garantia”, visa intencionalmente abranger uma vasta demanda de possibilidades de cobranças ilegais por prestação de serviço médico urgente. Nesse contexto, Bitencourt  afirma ser crime exigir:

“qualquer documento que represente o reconhecimento de dívida, e que, posteriormente, possa fundamentar uma ação de cobrança ou de execução, como se fora uma espécie de contrato. Aliás, essa é a finalidade da exigência de garantia, que o presente tipo penal visa proibir. Por isso, essa exigência deve ser satisfeita, em regra, pelo próprio paciente, por seus familiares, ou alguém por ele responsável, tornando segura os eventuais débitos do paciente” (4).

Assim, a exigência de prestação pecuniária, na maioria dos casos externadas sob forma de cheque-caução ou pagamento à vista, que condicione o atendimento a esta conduta configura o tipo penal presente no art. 135 – A, exigir. Porém a prática do crime também pode dar-se com a exigência de preenchimento prévio de formulários administrativos. Esta exigência acaba por retardar o atendimento do paciente que espera determinado tempo, considerado decisivo para piora do seu quadro clínico, para que possa usufruir de cuidados médicos. A conduta tipificada visa então favorecer um cenário em que as instituições de saúde preocupam-se primeiramente com a vida e a saúde daqueles que necessitam de socorro e para depois, como toda instituição particular fornecedora de serviços, demandem o consumidor ou sua família ao débito da conta.                                                                                                                                            Dessa forma, para que o crime se constitua é necessário que a solicitação da garantia seja com o propósito de condicionar o atendimento médico, sendo apenas a solicitação de garantia uma conduta ainda atípica pelo direito penal brasileiro. Assim o condicionamento do atendimento configura uma prática constante, sendo as modalidades pelas quais se manifestam combatidas veementemente pelo direito penal através dos tribunais, como exemplo no acórdão a seguir:

____________________                                                                                                             (4) BITTENCOURT, Cezar Roberto. Condicionamento de atendimento médico hospitalar  emergencial.Disponívelem:http://atualidadesdodireito.com.br/cezarbitencourt/2012/07/24/condicionamento-de-atendimento-medico-hospitalar-emergencial/. Acesso em: 23.10.2012

Plano de Saúde Corré que se recusou a cobrir as despesas de internação do autor, sob o fundamento de descredenciamento do hospital Falta de comunicação do associado quanto ao descredenciamento Recusa que causou danos morais ao autor, que era idoso e estava com a saúde debilitada - Fixação em R$ 9.000,00 Razoabilidade Exigência de cheque caução pela corré para prestar atendimento médico Danos morais Ocorrência Fixação em R$ 2.000,00 Recurso do autor provido em parte, improvido o do réu. O corréu Centro Transmontano causou dano moral ao autor, pessoa de idade e que sofria de sérios problemas de saúde, ao negar-se a cobrir as despesas de internação, pois não o informara do descredenciamento do hospital.Ao que tudo indica, o hospital condicionou a prestação de serviço médico à emissão de cheque caução, o que configura prática abusiva e, em face das circunstâncias, notadamente o fato de que paciente era idoso e sua internação era emergencial, acarretou danos morais.                                                         (Apelação nº  0131319-87.2006.8.26.0000, Relator: Jesus Lofrano, Data de Julgamento: 08/02/2011, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/02/2011, undefined).

      É evidente que a tipificação destas condutas é de extrema importância para a sociedade brasileira, que vivia sob os abusos administrativos em hospitais quando em situações de urgência que demandavam agilidade, não obtinham o direito ao atendimento médico. A legislação passou a proteger o consumidor e titular do direito fundamental à saúde das exigências pecuniárias e administrativas dos hospitais. Estes alegavam fazer parte do “procedimento”, parecendo esquecer que o procedimento fundamental o qual os profissionais da área de saúde juram ao formar-se, que é o de salvar a vida humana.

“(...)conforme vem decidindo esta C. Câmara, toda vez que o consumidor alega que foi coagido a assinar contrato de prestação de serviço hospitalar ou o chamado cheque-caução numa internação de emergência, inverte-se o ônus da prova para que o hospital demonstre o inverso.                                           Isto é, há mesmo presunção juris tantum de que, em internações hospitalares de urgência, os funcionários dos hospitais impõem seus contratos aos próprios pacientes ou seus acompanhantes em flagrante violação ao sistema legal. Infelizmente, trata-se de prática conhecida que vige no setor.                 Com efeito, a prática é claramente abusiva, conforme definido pelo Código de Defesa do Consumidor, no inciso V do artigo 39, que assim dispõe:                    ‘Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:                                                                                                  V- exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.”               (Apelação nº 9226644-96.2007.8.26.0000 - Comarca de São Paulo. Relator: Sergio Shimura. Julgamento em: 18-04-2012. Publicado em: 24-04-2012.

           

CONCLUSÃO

 

É fato que o Direito Penal ao longo de sua história evolui consoante valores, princípios e aplicabilidade das sanções. Esta evolução faz-se necessária à medida que surgem práticas que afetem os bens jurídicos mais importantes tutelados pela sociedade. Uma destas condutas que há muito indignava o cidadão brasileiro era a surpresa revoltante a qual eram submetidos quando em casos de necessidade ao atendimento médico hospital urgente, eram então demandados a cumprir certa exigência para que a concessão do atendimento fosse realizada. Esta conduta deixava o cidadão em estado vulnerável e obrigava o mesmo a dispor de recursos abusivos ou perder tempo precioso para atendimento quando em casos de exigências de formulários, visto que não dispunham de legislação específica para tanto, configurando a conduta como atípica. Com isso, verifica-se que a imposição do Direito Penal em tipificar esta conduta no art. 135 – A do Decreto Lei 2.848∕40 objetivou proteger o cidadão de situações que colocavam em risco sua saúde e vida ou de outrem. Princípios constitucionais como o Princípio da Dignidade, Igualdade, Humanidade são resgatados, deixando o infrator exposto a sanções cabíveis.

Sobre o objeto principal do presente paper, conclui-se que embora se trate de um crime próprio, o concurso de pessoas no crime de condicionamento médico hospitalar emergencial é totalmente possível, considerando a teoria penal do domínio do fato. O sujeito ativo caracteriza-se tanto por aquele que emite a ordem, geralmente na figura do gestor ou dono do hospital, quanto por aquele que executa a ordem, geralmente na figura do subordinado, atendente ou funcionário, respondendo cada um destes sujeitos na medida de sua culpabilidade.   

Dados os argumentos expostos ao longo deste trabalho, nota-se a necessidade das instituições de saúde em cumprir o que legislador brasileiro completou no art. 135-A, não exigindo qualquer condição que obste o atendimento urgente aos pacientes. Assim, o atendimento médico só terá caráter humanitário quando, aplicada dentro dos moldes constitucionais, respeitando limites mínimos e máximos para sua aplicabilidade, não se admitindo no Ordenamento Jurídico brasileiro qualquer forma que impeça ou dificulte os direitos constitucionais à vida e à saúde.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal Presidência da República. Visto em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acesso em 27 outubro 2012.

 

BRASIL, TJ SP. APELAÇÃO nº  0131319-87.2006.8.26.0000, Relator: Jesus Lofrano, Data de Julgamento: 08/02/2011, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/02/2011, undefined.

BRASIL, TJ SP. APELAÇÃO nº 9226644-96.2007.8.26.0000 - Comarca de São Paulo. Relator: Sergio Shimura. Julgamento em: 18-04-2012. Publicado em: 24-04-2012.

 

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/cezarbitencourt/2012/07/24/condicionamento-de-atendimento-medico-hospitalar-emergencial/. Acesso em: 23.10.2012.

_____________________________. Tratado de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

_____________________________. Tratado de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

CROCE, Delton; JUNIOR, Croce Delton. Manual de Medicina Legal 4ª ed. Ver. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 1998.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 9ª ed. Niterói: Impetus, 2012.

 

______________. Curso de Direito Penal – 7ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008

JESUS, Damásio E. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. São Paulo: Saraiva, 2001.

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yañes Peréz. Chile: Jurídica de Chile, 1987.

VILARINHO, Sabrina. Emergência e Urgência, qual a diferença. Disponível em: http://www.brasilescola.com/gramatica/emergencia-urgencia-qual-diferenca.htm. Acesso em: 01.11.2012