CONCURSOS PÚBLICOS: NOVOS TEMPOS

João Francisco Neto

         Todo mundo já ouviu alguma história sobre pessoas que não puderam fazer um concurso público para as carreiras militares porque não tinham a altura exigida; e outros tantos porque não apresentavam uma folha de antecedentes sem manchas; ou que foram reprovados porque tinham tatuagens; ou porque eram casados ou obesos; ou, ainda, porque tinham idade superior ao limite fixado, ou eram arrimo de família. Houve, há pouco tempo, o curioso caso de um concurso para guarda municipal na cidade do Rio Janeiro em que se exigia que os candidatos tivessem um mínimo de vinte dentes naturais. Enfim, a lista de impedimentos e limitações para o acesso aos cargos públicos em geral sempre foi imensa e, como não era costume se questionar isso, aceitava-se tudo como se fosse lei. Hoje as coisas estão mudando. De uns tempos para cá, muitos candidatos a cargos públicos não aceitam passivamente certas regras impostas pelos editais, e recorrem à Justiça. O Poder Judiciário, ao apreciar as demandas, muitas vezes tem decidido de forma contrária aos organizadores dos concursos. Exemplos: tanto a Justiça Estadual (TJ-SP) quanto a Justiça Federal (TRF-2ª Região) já decidiram que candidatos tatuados podem, sim, ingressar na carreira de soldado da Polícia Militar ou das Forças Armadas, mesmo que os editais contenham vedação expressa às pessoas nessa situação. Em regra, as decisões têm acentuado o fato de que os editais não são leis e que, em se tratando de concurso público, as limitações ficam restritas aos termos da lei, que não prevê nenhuma limitação às pessoas tatuadas. Um candidato ao cargo de soldado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foi reintegrado à corporação, após ter sido reprovado porque apresentava tatuagens em locais visíveis do corpo. A decisão foi do Supremo Tribunal Federal (STF), que vem firmando jurisprudência no sentido de que apenas por meio de lei é possível impor restrição ao acesso a cargos públicos. Outra limitação muito comum, fixada por editais, e sem base legal: a idade limite. Num caso ocorrido em Florianópolis (SC), a Marinha vedou a participação de um candidato de 36 anos ao processo seletivo para ingresso na Escola de Aprendizes Marinheiros - o edital previa a idade máxima de 32 anos. A Justiça Federal autorizou a participação do candidato, argumentando que a limitação prevista no edital era apenas um ato administrativo sem fundamento em lei. Aliás, o próprio STF já editou a súmula 683, nos seguintes termos: “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do artigo 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. A partir de então, em 2006, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deixou de impor o limite de 45 anos para o concurso de ingresso à magistratura. Afinal, até os 70 anos é possível ingressar na mais alta corte de Justiça do País (o STF). Nos Estados Unidos, como regra geral, não há limitação para ingresso no serviço público ou para a saída compulsória. Por exemplo, um dos mais ilustres juízes da Suprema Corte americana, Oliver Wendell Holmes Jr., aposentou-se, voluntariamente, pasmem, aos 90 anos.

            O fato é que essas limitações constituem um terreno fértil, onde prospera todo tipo de discriminação e arbitrariedades, como o ocorrido em um concurso público em que o edital previa uma “investigação social para avaliar a situação econômica e financeira dos candidatos”. O Tribunal Superior do Trabalho não aceitou a argumentação do organizador do concurso, classificando de ilegais essas exigências, que, no fundo, são verdadeiras normas em branco que permitem ao administrador eleger o critério de seleção que melhor lhe aprouver. No final do ano de 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) interveio num concurso para juiz do TJ-SP, em que candidatos haviam sido reprovados com base no resultado de entrevistas secretas, não previstas no edital, e que continham perguntas extremamente subjetivas e até constrangedoras. Na época, os candidatos reprovados constituíram o então advogado Luís Roberto Barroso (hoje ministro do STF), que refutou duramente o procedimento adotado pelo TJ-SP. Os candidatos obtiveram o direito de refazer a prova oral, sem entrevistas secretas, e perante uma nova banca. Como se vê, todos estamos sujeitos a sofrer ilegalidades dessa natureza, até porque, é bom ter em mente, os editais não mudaram, e continuam com as mesmas exigências, muitas das vezes, ilegais. Nesses casos, restará sempre o recurso à Justiça.

João Francisco Neto

Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)

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