CONCESSÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE AO TRABALHADOR RURAL

Meirislei Gama Paiva1

Hugo Passos2

RESUMO

Um estudo sobre a possibilidade de concessão do adicional de insalubridade ao trabalhador rural, diante da falta de lei regulamentadora. O problema envolve direitos fundamentais tais como: condição digna de trabalho, proteção e preservação da saúde, segurança, integridade física e moral do trabalhador rural. Procura-se analisar o papel do Estado na promoção e proteção dos direitos fundamentais relacionados ao trabalho, bem como, mencionar preceitos internacionais sobre proteção ao trabalhador, com o intuito de averiguar a possibilidade de concessão desse direito ao trabalhador rural.

PALAVRAS-CHAVE

Dignidade da pessoa humana. Trabalhador rural. Insalubridade. Saúde. Justiça social

INTRODUÇÃO

Sabe-se que, a partir de lutas sociais, um conjunto de direitos, que visa à proteção do trabalhador, foi incorporado na Constituição Brasileira de 1998, assumindo uma posição de destaque, elevando-se à condição de cláusula pétrea. Dentre os valores defendidos pelo Estado Democrático de Direito e reconhecidos como supremos, têm-se as condições dignas de trabalho, a proteção e promoção da integridade física e moral do trabalhador. Tais valores têm vínculo direito com o bem jurídico maior qual seja, a vida humana, sem a qual não tem sentido a existência do direito

Qualquer forma de agressão ao corpo humano, é de certa forma, agressão à própria vida. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo. Daí a importância de se analisar as questões trabalhistas que

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1 Aluna do 7° período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). ([email protected]);

2 Professor da disciplina Direito do Trabalho da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB)

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envolvem o trabalhador rural, no que diz respeito às condições de trabalho, tendo como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, tomando secundária a questão econômico-patrimonial.

A constituição de 1988 traz um capítulo próprio dos direitos sociais. Eles estão dentro da dimensão de direitos fundamentais, os quais devem ser proporcionados pelo Estado de forma direta ou indireta, com vistas a possibilitar melhores condições de vida aos mais fracos, procurando, dessa forma, diminuir as desigualdades sociais e promover o livre desenvolvimento. Essa é, na verdade, a função declarada do Estado Democrático de Direito.

Na seara trabalhista, percebem-se constantes faltas de respeito aos direitos do trabalhador. Em se tratando dos trabalhadores rurais, os quais exercem atividades agropastoris, a situação parece ser bem mais grave, pois, além de terem menos força na voz para se fazerem ouvidos, têm sido vítimas do descaso público, ao longo da história, onde são marcantes as restrições de seus direitos e a diferenciação, dentre as demais categorias. Estão constatemente expostos a condições desfavoráveis à saúde, como as variações do tempo e temperatura. Por isso, o Estado não pode mais se eximir de sua responsabilidade, em relação à proteção dos trabalhadores rurais, e deve lançar mãos dos meios efetivos para protegê-los.

A partir da análise do instituto do adicional de insalubridade, dos preceitos constitucionais, que asseguram a saúde e proteção do trabalhador, de algumas legislações internacionais, bem como da função do Estado, nas questões trabalhistas, este estudo pretendo buscar as razões pelas quais a não concessão de adicional de insalubridade ao trabalhador rural se torna injustificável, pois ele normalmente trabalha exposto ao sol e chuva; e em meios insalubres. Estas são condições suficientes para que o trabalhador rural seja beneficiado com a percepção do adicional de insalubridade.

 

1 O PAPEL DO ESTADO EM RELAÇÃO À PROTEÇÃO DOS TRABALHADORES

A ordem social, como a ordem econômica, adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-las sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a primeira Constituição a

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inscrever um título sobre a ordem econômica e social foi a de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, o que continuou nas constituições posteriores. No entanto, foi na Constituição de 1988 que a ordem social foi elevada ao patamar de cláusula pétrea (MARQUES, 2011, p. 99).

A Constituição Federal consagra, em seu artigo 170, o princípio de que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tendo por finalidade assegurar, a todos, existência digna conforme os ditames da justiça social.

Segundo José Afonso da Silva (2009, p.125), cabe ao Estado Democrático de Direito assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, livre, justa e solidária e sem preconceitos (art. 3°, II e IV), com fundamentos na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho deve ter as condições do mínimas necessárias de dignidade. Não há que se falar em desenvolvimento à custa da saúde do trabalhador, como assevera a Constituição Italiana, segundo a fala de Evaristo Moraes Filho (2003, p. 521)

A Convenção da OIT n. 155 visando à proteção da saúde do trabalhador faz a seguinte determinação:

O estado-Membro da OIT, deve periodicamente, encontrar-se com as organizações mais representativas de empregados e de empregadores para rever e modificar a política nacional em matéria de segurança e medicina do trabalho. Esta política terá por objeto prevenir os acidentes e os danos à saúde que sejam conseqüência  do trabalho, guardem relação com a atividade laboral ou sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em que seja razoável e factível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.

Percebe-se que o trabalho e as questões decorrentes do exercício dele têm grande relevância e ganha atenção especial do direito, tanto em âmbito nacional, quando internacional. No entanto, quando se particulariza a questão relacionada à saúde do trabalhador, ganha maior relevância, visto estar em jogo a própria vida. Por isso, a Constituição, em seu art. 7° inciso XXII, prevê a segurança do trabalhador, mediante a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. E no inciso XXIII, do mesmo artigo, prevê a remuneração adicional para as atividades realizadas em meios insalubres.

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É, portanto, evidente que as condições dignas de trabalho constituem objetivos dos direitos dos trabalhadores, por meio das quais alcançam a melhoria de sua condição social. Para assegurar a consecução de tal intento, o art. 23 da Declaração dos Direitos Humanos traz a seguinte contribuição: "todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego."

Apesar das garantias constitucionais e das legislação internacionais, o direito do trabalhador tem sido violado, na medida em que o Estado não efetiva a proteção devida. Sabe-se que o §1° do art. 5° considera de aplicação imediata as normas definidoras de direitos de garantias fundamentais, no entanto, tem-se procurado justificar a impossibilidade de concessão do adicional da insalubridade ao trabalhador rural, por falta de uma lei infraconstitucional regulamentadora, como se a lei tivesse força maior que a própria constituição e todas as demais legislações trabalhistas nacionais e internacionais.

Percebe-se que a importância, nesse caso, da atividade jurisdicional, como meio efetivo de realização da justiça, pois a ela cabe dirimir os conflitos de interesses entre empregador e empregado. Assim, como é, também, de fundamental importância a atuação do Ministério Público que exerce função de preservação dos valores fundamentais do Estado. A Constituição, em seu artigo 127, define o Ministério Público como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

É necessária a mudança de postura, diante dos casos concretos, quando a lei silencia. A lei não representa o Direito. Deve-se lançar mão da acepção principiológica. É necessária a construção de uma abordagem hermenêutica no Estado Democrático entre os direitos dos trabalhadores e os direitos fundamentais, mais uma vez que nas relações privadas há ameaças contra a dignidade humana pelos mais fortes em face dos mais fracos. Deve-se buscar aplicar, no caso concreto, soluções que coadunem com a finalidade do Estado Social que é a plena realização dos valores humanos (GRINOVER, 2009, P. 43).

No que concerne à promoção de justiça através do Direito, Eduardo Bittar (2009, p. 510) traz a seguinte contribuição:

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O que se percebe é que Direito e justiça são conceitos diferentes, e que às vezes andam em sintonia às vezes em dissintonia. Há que se ressaltar, no entanto, que nem sempre o Direito caminha pari passu com a justiça, ainda assim ele a busca, ele nela deposita sua finalidade de existir e operar na vida social. O Direito deve ser o veículo para a realização da justiça. Em outras palavras, a justiça deve ser a meta do Direito.

Corroborando com entendimento, acima exposto, tem-se o seguinte posicionamento:

O estado não deve assumir uma postura de mero espectador dos abusos e iniqüidades perpetuadas contra o trabalhador, mas participe na criação de condições materiais adequadas de dotem os cidadãos de condições mínimas para viver e dando soluções aos conflitos resultantes as relações de trabalho.

A constitucionalização impõe ao Direito do Trabalho um reencontro com as suas origens, enquanto ramo do Direito em que o "social" se impõe como limite ao "econômico" e em que o lugar central é o da pessoa humana como indivíduo, cidadão e trabalhador (GUERRA, 2011, p.51)

O trabalhador rural, em relação às demais categorias, no exercício de suas atividades, sempre foi acometido de injustiças. Por muito tempo, as regulações de proteção do trabalhador ocorreram de forma diferenciada, de maneira que os direitos do trabalhador rural e urbano, conferindo-lhes os mesmos direitos. Mas, apesar das garantias constitucionais, internacionais com tratados e convenções que são recepcionados com força de emenda constitucional, percebe-se o grande descompasso entre o Direito e a realidade do trabalhador. É preciso que o trabalhador rural saia do limbo em que se encontra e experimente a proteção do Estado que tem o dever de lhe proporcionar uma vida mais digna (DELGADO, 2006. p.381).

2 REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

 

Segurando Evaristo Moraes Filho (2003, p. 532), o adicional de insalubridade, desde sua instituição, tem gerada discussões doutrinárias, controvérsias jurisprudenciais em trono de vários aspectos, principalmente no que diz respeito à  base de cálculo, abrangência do benefício, tempo de exposição às condições insalubres, integração no contrato e eliminação e redução da insalubridade.

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O artigo 7° caput e inciso XXIII, da Constituição de 1988 diz que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas na forma lei". Por sua vez, o art. 189 da CLT define essas atividade insalubres da seguinte maneira: "serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites toleráveis fixadas em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos".

Portanto, uma vez caracterizado o trabalho em condições de insalubridade, o empregado fará jus ao adicional de, respectivamente, 40%, 20% ou 10% do salário mínimo, segundo se classificam tais condições em graus máximo, médio e mínimo, como preceitua o art. 192 da CLT. Segundo o Enunciado n.47 do TST, o trabalho executado, em caráter intermitente, em condições insalubres, não afasta, só por esta circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional.

Convém mencionar, que a percepção do adicional saúde só ocorre, enquanto persistem as condições que a justifiquem, pois, tem a seguinte redação:

            

A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:

I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;

II - com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância

No mesmo sentido o Enunciado n. 248 do TST esclarece que: "A reclassificação ou descaracterização da insalubridade, por ato de autoridade competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial".

 

 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dignidade e proteção ao trabalhador estão amplamente defendidos pela legislação trabalhista: Constituição, CLT, Enunciados do TST, tratados e convenções internacionais. Mas quando se parte para analisar a realidade do trabalhador rural, e mesmo urbano, percebe-se um verdadeiro absurdo e incoerência com tudo o que está posto como meio de proteção e principalmente com a função declarada do Estado.

O tratamento que se tem dado ao trabalhador rural, chega a ser desumano, quando se observa as condições de trabalho, por exemplo, dos cortadores de cana, dos intitulados bóias-frias. É injustificável a não concessão do adicional de insalubridade ao trabalhador rural que se encontra exposta ao sol e à chuva. Sabe-se do dano que o sol, cumulativamente, causa ao trabalhador. Sendo um dos agente cancerígenos mais freqüentes, em termos de câncer de pele. Os requisitos para concessões desse benefício se fazem presentes, de forma permanente, no ambiente do trabalhador rural. Difícil se criar medidas de redução do perigo, quando se trata desses agentes que põe em risco, constatemente, a saúde do trabalhador rural.

Enquanto, não se desenvolver a consciência e participação política do trabalhador rural, seus direitos vão sendo desconsiderados. É preciso cobrar do estado os direitos assegurados. Do Contrário, de nada valerá tantas legislações "protetivas". É de fundamental importância que o Ministério Público atue para mudar essa triste realidade.

            

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REFERÊNCIAS

 

 

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006.

GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. Os trabalhadores rurais, o trabalho a céu aberto e o adicional de insalubridade. Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Ematra XV, v. 2, n. 1, jan./fev. 2006.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

GUERRA, Yolanda. Direitos sociais e sociedade de classes: o discurso do direito a ter direitos. In: Ética e Direitos. Ensaios críticos 3ª Ed. (Org.) Valéria forti e Yolanda Guerra. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

MORAES FILHO, Evaristo. Introdução do direito do trabalho. 9 ed. São Paulo: Ltr, 2003.