Inara Pinheiro Lages[2]

José Mauro dos Santos Carvalho Filho[3]

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da Fazenda Pública; 1.1 Conceito; 1.2 Princípios; 1.3 prerrogativas processuais; 2 Da tutela antecipada; 2.1 Definição; 2.2 Disposição legais; 2.3 requisitos; 3 Da tutela antecipada contra Fazenda Pública; 3.1 Óbices À aplicabilidade da tutela  antecipada; 3.2 Aplicação da tutela antecipada; Conclusão.

RESUMO

O presente trabalho, através de uma revisão bibliográfica, analisa o instituto da tutela antecipada, introduzido pela Lei 8.954, de dezembro de 1994, ao nosso ordenamento jurídico, no que concerne a sua aplicabilidade nas ações em que a fazenda pública figura o pólo passivo da demanda, principalmente no âmbito dos Juizados Especiais.

PALAVRAS- CHAVE: Juizados Especiais, tutela antecipada e Fazenda Pública.

INTRODUÇÃO

A tutela antecipada é prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, e em vistas do referido artigo, não percebe-se qualquer limitação da concessão desta em face da Fazenda Pública. Por outro lado encontra-se, na Lei 9.494/1997, previsão legal que contraria esta universalidade, no que concerne a possibilidade de antecipação de tutela, em desfavor da Fazenda Pública. O art. 1º da supramencionada lei, dispõe que:

Art 1º: Aplica-e à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no seu art. 1º e seu parágrafo 4º da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.

A referida lei já foi motivo de Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal e pela Mesa da Câmara dos Deputados, pois os juízes federais de primeira instância estavam deferindo tutela antecipada contra o ente público por entender ser inconstitucional a referida lei. Ao deferir a tutela antecipada os juízes constrangiam o ente público ao pagamento da dívida.

No entanto, ainda no pedido de ADC, foi deferida uma liminar em favor da constitucionalidade da supracitada lei, liminar esta que estancava as tutelas já concedidas e, somente em 2008, a ação teve seu desfecho com a procedência da mesma.

Nas palavras de Theotonio Negrão, não se pode tomar esta decisão como rigorosamente certa, pois a tutela antecipatória pode ser deferida em casos especialíssimos, em que se não concedida a tutela, haverá frustração do próprio direito.

No que se refere especificamente aos Juizados Especiais Fazendários estes também são vítimas das discussões doutrinárias acerca da possibilidade de concessão da medida de tutela antecipada. Entretanto, são excluídos do regime de reexame necessário e têm previsão legal expressa sobre o tema no art. 3º da Lei 12.153, de 22 de dezembro de 2009, o qual dispõem que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação.”  


1 FAZENDA PÚBLICA

Da fazenda pública, em um sentido não tão aprofundado, pode-se dizer que é uma reunião das finanças municipais, estudais ou federais, também conhecida como fisco. Em suma, pode-se explicar então, desta que será objeto do nosso presente estudo, que se trata do aspecto financeiro do Estado (CUNHA, p.15, 2009).

Importante pontuar que não somente entes federativos restringirão a concepção no que tange à Fazenda Pública em virtude da similitude daqueles como as autarquias e Fundações Públicas – que também são pessoas jurídicas de direito público com finalidade administrativa - (MACHADO, p.1037, 2007).

Vale também frisar que não basta somente estar ligado a economia dos cofres públicos, como aponta Délio José Rocha Sobrinho, não estão inseridos neste conceito, o Banco do Brasil, que é sociedade de economia mista, e a Caixa Econômica Federal, que é empresa pública. Essa distinção torna-se importante porque os exemplos supracitados não gozarão de prerrogativas concernentes à Fazenda Pública.

 

  1. Princípios concernentes à questão

I – Constitucionalidade

Quando a Fazenda Pública é parte em uma ação judicial, goza de certos “privilégios” que são peculiares ao órgão público, tornando a relação jurídica um tanto que desnivelada. Em exemplo, apresentemos o art. 188, CPC: “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”.

O supracitado artigo já foi objeto de discussão em recurso extraordinário, questionando a ofensa à paridade de armas em virtude do aumento descomunal de prazos. No entanto, decidiu o STF que em nada ofende o artigo trazido à baila ao princípio antes citado.

Afrânio Costa, Ministro do Supremo Tribunal Federal, defende que a Fazenda Pública está intrinsecamente ligada a prerrogativas e privilégios, que são garantias indispensáveis a sua salva-guarda, pois seu patrimônio é comum de todos os cidadãos, devendo, assim, o patrimônio do Estado ser acautelado por prerrogativas especiais (AFRÂNIO COSTA, RE 8574, STF).

Ora, conclui-se então, que por ser a Fazenda Pública, fruto das finanças não só do Estado, mas de todos aqueles que contribuem com este, abrange então toda sociedade. A Fazenda Pública então, trata de defender o erário e quando esta sofre uma derrota em juízo, quem adimple com as custas são os cidadãos.

 

II- A Supremacia do Interesse Público

Como já abordado anteriormente, a Fazenda Pública é de interesse de todos os cidadãos brasileiros, por isso, faz-se salutar entender o que preserva o interesse da Supremacia do Interesse Público, que entende que o interesse individual não pode tornar-se superior ao interesse coletivo.

É importante mencionar que não há norma constitucional o assegure, entretanto, é prerrogativa do Estado Democrático de Direito que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual.

O interesse coletivo pode-se dizer como o bem estar público, e só começou a desenvolver-se quando superado o Direito Civil e a individualidade, tornando-se assim, prerrogativa mister do direito público, assim foi garantida a supremacia daquele sobre este.

Em acórdão, o Desembargador Stélio Muniz do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão afirma que acima da própria legalidade estrita existe um princípio maior no direito constitucional, o da supremacia do interesse público, princípio este, que no caso concreto sempre será mais relevante que o interesse particular (JOSÉ STÉLIO MUNIZ, TJMA, Mandado de Segurança n.: 013780/2008).

Visa o princípio em pauta, proteger os direitos da coletividade, com o dever na prestação consistente em adotar medidas positivas e eficientes, capazes de proteger o exercício de seus direitos perante a atividade de particulares que venham afetá-los (CUNHA JÚNIOR, p. 165, 2004).

 

III- Princípio da Isonomia

Desde a ética aristotélica defende-se que deve-se “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”, tal preceito ainda é adequado para o Direito vivenciado na contemporaneidade, por isso estabelece-se que o Direito pode sim, estabelecer diferenças entre partes, ainda que em situação paritária, conferindo assim, não um tratamento igual, mas um tratamento adequado às circunstâncias.

Na Constituição Federal de 1988 o princípio da isonomia encontra alicerces, e prevê que os cidadãos tem tratamento idêntico frente à Lei, no entanto, em consonância com todo o ordenamento jurídico, transcreve-se, em partes, o citado artigo: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”

No âmbito da aplicação deste princípio, assevera Hans Kelsen:

 

A igualdade do indivíduos sujeitos à ordem jurídica, garantida pela Constituição, não significa que aqueles devam ser tratados por forma igual nas normas legisladas com fundamento na Constituição, especialmente nas leis. Não pode ser uma tal igualdade aquela que se tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos a todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças e adultos.

Com a garantia de igualdade perante a lei, no entanto, apenas se estabelece que os órgãos aplicadores do Direito somente podem tomar em conta aquelas diferenciações que sejam feitas nas próprias leis a aplicar. Com isso, porém, apenas se estabelece o princípio, imanente a todo o Direito, da juridicidade da aplicação do Direito em geral e o princípio imanente em todas as leis da legalidade da aplicação das leis, ou seja, apenas se estatui que as normas devem ser aplicadas de conformidade com as normas (KELSEN, Hans, p. 76, 2006).

 

Este princípio claro também integra o processo de conhecimento, pois é parte fundamental no devido processo legal, já que tanto juízes, quanto partes, submetem-se à este, como assevera o art. 125, inciso I do Código de Processo Civil:

 

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento

 

O artigo traduz o dever do juiz, que, ao prestar atividade jurisdicional às partes, deve tratá-las com igualdade, percebe-se então, que tal princípio está ligado com o acesso ao Poder Judiciário.

A finalidade do princípio da isonomia, permite ao órgão público, o exercício de uma atividade que não proporcione maiores prejuízos ao erário, já que é promotora do interesse coletivo, justificando assim, os privilégios processuais à Fazenda Pública.

 

IV – Privilégios

Como abordado anteriormente, a própria Constituição Federal por meio dos princípios da supremacia do interesse público e o da isonomia, é garantida à Fazenda Pública alguns privilégios processuais, o privilégio a ser abordado aqui, será principalmente no que concerne ao procedimento de execução, que é distinto dos demais, em vistas do reexame necessário e do precatório judicial.

 

V – Do reexame necessário

O reexame necessário é objeto de discussão na doutrina processual, defende este privilégio, que será imposto o duplo grau obrigatório quando a sentença for desfavorável à Administração Pública.

O reexame necessário era feito ex officio, porém esse entendimento já encontra-se ultrapassado, pois em nada faz sentido um juiz ordenar a reforma de seu próprio entendimento. O reexame necessário é condição essencial para que se dê o trânsito em julgado da decisão, como descrito na súmula 423, STF: “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio que se considera interposto ex lege”.

No entanto, há casos em que não há a obrigatoriedade do exame necessário, como nas causas que não excedem sessenta salários mínimos, ou quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente, como exemplificado no parágrafo 3º do artigo 475 no Código de Processo Civil.

A finalidade do reexame necessário é dar à sentença uma maior segurança, protegendo ainda, o interesse coletivo. O objetivo do reexame é também “melhorar” a sentença proferida no primeiro tribunal, já que é proibida a reformatio in pejus em virtude da súmula nº 45 do Superior Tribunal de Justiça: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

 

VI – Do precatório judicial

O precatório judicial é a carta expedida pelo juiz para o presidente do Tribunal para que este possa então, ordenar a ordem de pagamento, se a carta não é expedida, pode o próprio presidente pedir pelo processo, para que este proceda à execução.

O precatório é então, a forma de pagamento do Estado ao jurisdicionado, já que trata-se de mais um dos privilégios processuais da Fazenda Pública, privilégio este que garante um procedimento especial para o pagamento da sentença condenatória.

Resume-se esse procedimento em duas fases: a expedição da carta pelo juiz para o presidente do Tribunal, e na segunda fase observa-se a ordem do presidente do Tribunal para requisitar o pagamento ao respectivo órgão, exercendo assim o presidente, mera atividade administrativa, como entendem o STF e o STJ.


2 DA TUTELA ANTECIPADA

 2.1 Conceito

A tutela antecipada consiste na antecipação dos efeitos da sentença, concedidos de forma provisória, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo, por decisão motivada do juiz, bem como ser confirmada na decisão de mérito. Preenchidos os pressupostos legais, torna-se direito subjetivo da parte obter a providência, não podendo o magistrado agir sob qualquer forma de discricionariedade (DIDIER JR. 2011 p. 497).  

Nas palavras do douto jurista Fredie Didier Jr. (2011, p. 469) “a tutela antecipada é decisão provisória (sumária e precária) que antecipa os efeitos da tutela definitiva (satisfativa ou não) – permite gozo imediato” divergindo-se da tutela cautelar por esta se tratar de “decisão definitiva (exauriente, malgrado com eficácia temporária) que garante os futuros efeitos da tutela definitiva satisfativa. Nesse contexto, observa-se que nota distintiva entre os dois institutos diz respeito à temporariedade ou não de seus efeitos, visto que a tutela cautelar possui eficácia temporária e a tutela antecipada, embora provisória, pode ter seus efeitos perenizados se satisfativa e confirmada por tutela definitiva.

 

2.2 Disposição legal

O instituto da tutela antecipada está previsto no art. 273 ou no § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil não devendo ser entendido como elemento da petição inicial. Primeiro por não estar inserido no rol de requisitos elencados no art. 282, CPC, mas também porque nem sempre a hipótese fática levada ao Estado-juiz se amolda àqueles comandos legais que ensejam a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional liminarmente (BUENO. 2010, p.136).

Foi através do movimento conhecido como “reforma do CPC” que a Lei nº 8.952 de 13 dezembro de 1994, alterou a redação do art. 273 daquele Código, para assim torná-la genérica e aplicável em princípio a todos os processos, não seguintes moldes:

 

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§3ºA execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do Art. 588.

§4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§5º Concedida ou não a antecipação de tutela, prosseguirá o processo até o final do julgamento.

 

Posteriormente, a Lei nº. 10.444, de 7 de maio de 2002, modificou o § 3º do art. 273 e ainda acrescentou os §§ 6º e 7º, passando o referido artigo a gerar efeitos na seguinte forma:

 

Art. 273 […]:

§3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos Arts. 588, 461, §§4º e 5º, e 461-A

§6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

§7º Se o autor , a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

 

2.3 Requisitos

A concessão de tutela antecipada é medida de exceção, cabível somente quando da concorrência ordinária dos elementos da prova inequívoca e verossimilhança das alegações e, alternativamente, o receio justificável de dano irreparável ou de difícil reparação, ou quando fique caracterizado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Na verdade, a tutela antecipada é aceita nos casos em que os elementos constantes dos autos mostrarem-se suficientemente convincentes de modo a permitir, ao menos, que se vislumbre indícios de plausibilidade do direito alegado.

Ordinariamente, a antecipação da tutela requer, para que haja concessão, a presença de dois pressupostos genéricos e essenciais, quais sejam: a existência de prova inequívoca que conduza a um juízo de verossimilhança das alegações. A prova inequívoca é aquela envolta de consistência e credibilidade, que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade, ou seja, "só pode ser entendida como aquela que não é equivoca, e que serve como fundamento para a convicção quanto à probabilidade das alegações" (DIDIER JR. 2011, p. 499). Paralelamente a este conceito, trata-se o juízo de verossimilhança como aquele que permite o alcance de indícios de plausibilidade do direito alegado, sem que se refira unicamente à matéria de fato, como também à subsunção dos fatos à norma invocada induzindo aos efeitos pretendidos (DIDIER JR. 2011, p. 500).

Cumulativamente ao preenchimento dos pressupostos supramencionados, exige-se, pois, a reversibilidade dos efeitos proporcionados pela concessão da medida. Tal requisito assegura a provisoriedade/precariedade da medida, de modo que, ao final do processo, o ideal é que o status quo anterior à concessão seja recuperado sem prejuízos a parte adversária.

O magistrado, após a verificação do preenchimento dos requisitos cumulativos do art. 273 CPC, buscará uma situação que acarrete fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que tenha ocorrido abuso do direito de defesa por parte do demandado (art. 273, I e II, CPC). Há, ainda, a possibilidade de concessão da medida de tutela antecipada referente à parcela do mérito que tenha se tornado incontroversa no curso do processo, afastando a tutela sumária em virtude do nível de certeza que a torna final e definitiva (CAMARA, 2011, p. 89).

No que se refere aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o juiz poderá deferir, de ofício ou a requerimento das partes, medidas antecipatórias no curso do processo para evitar dano de difícil ou incerta reparação (art. 3º da Lei 12.153/2099). É importante ressaltar que será analisado na espécie de tutela antecipada, a disciplina legal geral do Código de Processo Civil (art. 273) e a especial (Lei 9.494/1997) (THEODORO JR., 2010, p. 09).

 

3 DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA FAZENDA PÚBLICA

3.1 Da impossibilidade de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública

A tutela antecipada deve preencher os requisitos autorizadores da prova inequívoca e da verossimilhança das alegações objetivando prevenir o dano ou fazer com que não ocorra. Como já abordado, a Fazenda Pública é privilegiada processualmente, e um dos principais argumentos a combater a possibilidade no deferimento de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública encontra força no art. 475, CPC, que disciplina o reexame necessário.

Ora, entende parte da doutrina que se toda decisão condenatória é alvo de nova apreciação de um tribunal superior, como seria cabível uma antecipação de tutela? Quem a reexaminaria?

Na legislação em vigor, a Lei nº. 8.437 em seu artigo 1º trata da vedação na concessão de tutela contra a Fazenda Pública:

Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

 

É necessária a percepção de que o artigo é bem claro quando afirma que o jurisdicionado tem o direito de ação, na forma prevista pela Constituição Federal, podendo obter do Poder Judiciário a tutela adequada. No entanto, tal vedação só é aplicável se não violar o princípio do direito de ação.

A posição da doutrina é de que a tutela antecipatória não pode intervir no devido processo legal, o que acabaria por acontecer se fosse a Fazenda Pública constrangida em tutela antecipada o direito a esta concernente.

Antonio Raphael Silva Salvador (1997, p. 69) é ainda mais esclarecedor quando assevera que nem mesmo a sentença de mérito gera efeitos imediatos no que tange à obrigação de pagar quantia certa, quanto mais um julgamento provisório.

 

II - Da possibilidade de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública

Quando visa-se garantir a prevalência desta doutrina sobre a outra, faz-se necessário citar Leonardo José Carneiro da Cunha, que defende a possibilidade da tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública:

 

Muito se discute sobre a submissão da decisão concessiva da tutela antecipada ao reexame necessário, quando contrária à Fazenda Pública, eis que satisfativa e antecipatória do mérito. A melhor solução é a que aponta para a não sujeição de tal decisão ao duplo grau obrigatório, porquanto não se trata de sentença. Haverá, isto sim, proibição de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas hipóteses elencadas na Lei nº 9.494/97, de que é exemplo a concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. Nesse caso, não se admite a antecipação de tutela. Em razão de vedação legal que toma como premissas regras financeiras e orçamentárias. Em se tratando, no entanto de caso em que seja permitida a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, não há razão legal para submeter a correspondente decisão ao reexame necessário (CUNHA, p. 247, 2004).

 

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que não são todas as sentenças que se sujeitam ao duplo grau de jurisdição obrigatória, como se vê, por exemplo, no § 2º do art. 475 do CPC que dispõe, que “não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimo”. Dessa forma, sendo a competência de foro dos mencionados órgãos para “processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários-mínimos” (Lei nº. 12.153, art. 2º, caput), inclusive aquelas pertinentes às respectivas autarquias, fundações e empresas públicas (idem, art. 5º, II), resta claro que estes não se sujeitam ao regime de reexame necessário, e, portanto, exclui-se este eventual “óbice” à concessão da tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública. Nesse sentido também aponta Fredier Didier Júnior. (2011), que se trata de mera decisão interlocutória, portanto não estaria esta, submetida ao reexame necessário.

Além disso, dispõe claramente o art. 3º da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação”. Ou seja, no que alude à antecipação de tutela, além de poder ser concedida, considera-se ainda a possibilidade de concessão ex officio.

 

CONCLUSÃO

O Estado Democrático de Direito, atendendo às necessidades da sociedade, introduziu no seu ordenamento jurídico institutos que se caracterizam pela celeridade, como ocorre com a tutela antecipada.  Para a sua concessão, prima-se pela presença dos requisitos ordinários e essenciais da verossimilhança das alegações, proporcionados pela prova inequívoca apresentada em juízo.

A Fazenda Pública, por sua vez, goza de prerrogativas processuais inerentes que não estão presentes para os particulares. Entretanto, não se vislumbra coerência para que os privilégios assistidos pela Fazenda Pública sirvam de óbice para a concessão da medida de tutela antecipada, visto que a proteção do direito do indivíduo revela-se de substancial importância.

Desta forma, não há como considerar, principalmente o reexame necessário, como obstáculo à concessão da medida, visto que possui previsão legal para a sua viabilidade, bem como o art. 475 do CPC, excluiu os Juizados Especiais Fazendários do instituto referido.

Além disso, prima-se pelos direitos do indivíduo em detrimento do Estado, garantindo-lhes a igualdade entre as partes no processo e a efetividade da prestação jurisdicional.

REFERÊNCIAS

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CUNHA JÚNIOR, Derley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 165, 247.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 2006, p. 76.

DIDIER JR. Fredier. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2, 6º ed, Revista ampliada e atualizada; São Paulo: JusPodim, 2011.

MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Manole, 2007, p. 1037.

NEGRÃO, Theotinio e GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 412-413.

ROCHA SOBRINHO, Délio José. Prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 72.

STF – RE 8564, Relator: Min. AFRÂNIO COSTA – CONVOCADO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/1952.

SALVADOR, Antonio Rafael da Silva. Da ação Monitória e da Tutela Jurisdicional Antecipada. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 69

THEODORO JR. Humberto. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública. Disponível em : . Acesso em: 12 mai 2012

TJMA – Mandado de Seguraça nº. 013780/2008 – São Luís, Relator Des. José Stélio Nunes Muniz, Acórdão n. 83.757/2009.

[1] Paper apresentado à disciplina de Processo Civil II do 5° período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) ministrada pelo Professor Hugo Assis Passos para obtenção de nota.

[2] Aluna do 5° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] Aluno do 5° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.