Chiovenda (2002, p. 18), entendendo a jurisdição como a atividade pela qual o Estado faz cumprir a vontade da lei, assevera:

Toda norma encerrada na lei representa uma vontade geral, abstrata, hipotética, condicionada à verificação de determinados fatos, que, em regra, podem multiplicar-se indefinidamente. Cada vez que se verifica o fato ou grupo de fatos previstos pela norma, forma-se uma vontade concreta da lei, ao tempo em que da vontade geral e abstrata nasce uma vontade particular que tende a atuar no caso determinado.

Numa concepção chiovendiana da função jurisdicional, esta seria conceituada como a atividade pela qual é aplicada a lei, cabendo ao juiz analisar se determinada hipótese tem previsão legal, para então proferir sua decisão acerca do caso que lhe foi apresentado, ou seja, ao juiz restaria apenas uma atuação desveladora do alcance e do sentido das normas em abstrato, e sua consequente subsunção e aplicação ao caso específico.

A generalidade e a abstração defendidas por Chiovenda, apontavam para o impedimento de o juiz interpretar a lei ou levar em consideração circunstâncias concretas, ignorando para tanto, as discrepantes necessidades sociais. Assim o Estado estava impossibilitado de interferir na sociedade, não podendo proteger as classes sociais menos favorecidas, pois qualquer forma de tratamento diferenciado, era entendida como ofensiva ao principio da igualdade.

Já Carnelutti apud Luiz Guilherme Marinoni(2008), partia da ideia delitigiosidade para conceituar a jurisdição, sendo que a existência do litígio é característica fundamental para a presença de jurisdição, assim, à jurisdição era atribuída a função de justa composição da lide. Nesse diapasão, a sentença, na visão carneluttiana, tinha a missão de tornar concreta a leiabstrata e torná-la particular para as partes, compondo assim, a lide.

Para Chiovenda (2002), a função da atividade judicante é meramente declaratória; o juiz, nessa linha de pensamento, através da sentença declara ou atua a vontade da lei. Carnelutti, adotando posicionamento contrário, entende que a sentença tem o condão de declarar a vontade da lei, tornando concreta a norma abstrata e genérica, fazendo particular a lei para os litigantes.

Apesar dessa divergência, os entendimentos de Chiovenda e Carnelutti não se desligam da ideia de que o juiz está subordinado á lei, não deixando, em ambos casos, de declará-la.

 A diferença a ser apontada entre as concepções de Chiovenda e Carnelutti, é que para o primeiro a jurisdição declara a lei, mas não produz uma nova regra, que integre o ordenamento jurídico. Já para o segundo autor, a jurisdição declara a vontade da lei, criando para tanto uma regra individual que passa a integrar o ordenamento jurídico.

Essa concepção da função jurisdicional foi decorrente da necessidade que o Estado Liberal teve de pôr fim aos descalabros do regime absolutista, guindando a lei a um patamar de ato supremo, fazendo dela o fundamento do novel regime, que tinha por princípios informadores a liberdade e a igualdade (no aspecto formal).

No entanto, como bem ensina Luiz Guilherme Marinoni(2008), a legalidade foi apenas o meio que a burguesia encontrou para substituir o absolutismo do antigo regime.

A lei, acaba por se transformar num critério de identificação do direito; o direito portanto, estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não estava condicionada à sua correspondência com os postuladosdejustiça, sua validade residia somente no fato da mesma ter sido produzida pela autoridade encarregada da função de legislar.

Nesse raciocínio, o conteúdo da norma ignorava a sua justiça intrínseca, interessando tão-somente se foi elaborada pela autoridade competente e obedecendo a um procedimento regular previamente estabelecido.

Seguindo essa perspectiva, diante do absolutismo parlamentar, o executivo e o judiciário assumiram posições de patente submissão; o executivo somente poderia agir se devidamente autorizado pela lei e nos exatos termos de sua literalidade, e ao judiciário cabia apenas aplicá-la, sem poder ao menos interpretá-la; o poder legiferante, assim, assumia uma nítida condição de superioridade, pois segundo a teoria da separação dos poderes, formulada por Montesquieu, a criação do direito era tarefa única e exclusiva das casas legislativas (MARINONI, 2008).

O direito, ao ser resumido à literalidade da lei, e a validade desta sendo considerada, exclusivamente, com base na autoridade responsável por sua elaboração, não guardava nenhuma relação com os princípios de justiça, não havendo, portanto, sintonia entre a produção normativa e as reais aspirações da sociedade.

Nesse contexto, o Estado-juiz ao exercer o seu poder de julgar, o fazia como uma atividade estritamente mecânica, assim, o poder dos juízes ficaria circunscrito a reafirmar aquilo que já havia sido dito pelo poder legislativo.As leis que embasavam as decisões àquela época, apresentavam, pelo menos formalmente, um caráter homogêneo.

A concepção de uma lei genérica e abstrata, que teve seu auge durante o Estado legislativo, partia do pressuposto de uma sociedade homogênea, que tinha por base a liberdade e a igualdade, onde os homens seriam movidos pelas mesmas necessidades.

É óbvio que essa concepção foi rapidamente rechaçada pela realidade da vida em sociedade, que é indubitavelmente formada por pessoas e classes sociais distintas com necessidades e aspirações também distintas. Àquela época, a lei não poderia levar em consideração determinados bens ou estratos sociais, por consequência, o juiz estava proibido de interpretar a norma analisando a diferença entre as pessoas.

Ocorre que o esvaziamento do conteúdo da lei e da própria jurisdição, fez perceber que a igualdade social constituía um pressuposto para a concretização da liberdade.

Em apertada síntese, concluiu-se, que a liberdade só poderia ser, de fato, usufruída por aquele que ostentasse condições materiais capazes de propiciar uma existência digna.Essa tomada de consciência faz surgir um Estado voltado para as questões sociais que dificultavam a inserção do cidadão na comunidade.