1. Concepção teórica e o ato de Ensinar-Aprender

Nildene Nogueira

Especialização em Língua Portuguesa: Leitura e Produção de Textos (Faculdade do Vale do Jaguaribe – FVJ) e Gestão Escolar (Universidade Federal do Ceará – UFC).  Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará –UECE e em Letras pela Faculdade do Vale do Jaguaribe-FVJ.

Os desafios que se impõem ao campo educacional são variados e complexos. Visto que, a educação vem passando por constantes transformações ao longo dos anos, exigindo cada vez mais de seus atores uma postura consciente de pensar e fazer educação.
Isso nos leva a refletir sobre as práticas pedagógicas que estão imbuídas nesse contexto, do descompasso em que há entre o discurso e o ato pedagógico, uma vez que hoje não faz sentido, e nunca fez, agir sem um conhecimento teórico e prático da ação pedagógica, pois este orienta toda prática educativa.

Agir na prática educativa (tal como em qualquer outra prática) com consciência clara da teoria que sustenta nossa ação nos dá força, pois dessa forma não só temos ciência do que queremos, mas também sabemos para onde estamos querendo caminhar e como queremos caminhar para lá, o que implica ter clareza dos fins que desejamos atingir (nossos objetivos filosófico-políticos) e da metodologia que vamos utilizar para chegar aos resultados desejados. (LUCKESI, 2011, p. 62)

Assim, frisamos a necessidade de ter clara a teoria epistemológica que embasa toda a ação pedagógica, já que nenhuma prática é neutra, estando consciente ou não, toda ação pedagógica está atrelada a uma concepção teórica, sobre o que é a aprendizagem, o que é ensinar.

Partindo desse pressuposto, a teoria epistemológica que fundamentam as práticas pedagógicas da Educação Infantil e das séries iniciais, na qual compreende o sujeito como ser biológico e histórico é a teoria socioconstrutivista, em que tem como principal precursor Vygotsky. Essa teoria pressupõe uma concepção de sujeito ativo e capaz de construir seu próprio conhecimento na interação com o objeto de conhecimento e, principalmente, com as pessoas, as linguagens e a cultura.

Para Vygotsky o pensamento e a linguagem não podem ser pensados separadamente, uma vez que atribui à atividade simbólica, viabilizada pela fala, uma função organizadora do pensamento. A criança enquanto fala organiza o pensamento. Vygotsky evidencia a importância do papel do outro social na interação, trazendo à tona um conceito de sua teoria nas relações entre o desenvolvimento e o aprendizado, a ideia de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). É de suma importância o professor entender desse conceito para melhor mediar e intervir pedagogicamente. Simonetti (2005), nos esclarece que,

Para Vygotsky, ZDP é um espaço que separa o conhecimento atual (CA) do conhecimento potencial (CP), isto é, do conhecimento possível de alcançar. Dizendo de outra forma, ZDP é a distância entre o que a criança sabe no momento e o que potencialmente poderá saber com a ajuda da professora, dos colegas, da família. Por exemplo, num certo momento uma criança escreve silabicamente, mas potencialmente ela pode chegar à escrita alfabética. Nesse caso a ZDP é essa distância entre a escrita silábica (CA) e a alfabética (CP).

É essencial que a professora identifique os conhecimentos prévios das crianças, esteja consciente do que elas sabem no momento (CA) para poder atuar com intencionalidade pedagógica na ZDP. A professora deve ser capaz de identificar o delicado momento em que a criança está apta a dar um passo à frente no seu processo de aprendizagem, encurtando a ZDP, isto é, diminuindo a distância entre o CA e o CP. (SIMONETTI, 2005, p. 47)

Portanto, o papel da escola será proporcionar o desenvolvimento de atividades desafiadoras que estimulem os alunos a atuarem na construção de zonas de desenvolvimento proximal, sendo a intervenção do professor uma ação didática efetiva na qual objetiva alcançar avanços na aprendizagem que não ocorreriam de maneira espontânea.

Nesse sentido, na escola a aprendizagem se dá através da interação da criança com o professor, com os colegas e com os materiais pedagógicos. Conforme Simonetti (2005), o conhecimento surge da ação, da experimentação incidindo sempre a uma ação mental/prática, em que os conteúdos escolares surgem de uma intenção pedagógica, ou seja, das atividades didáticas planejadas e sistematizadas pelo professor. Assim, na escola as crianças aprendem de forma ativa e mediada pela intervenção didática do professor.

1.1 Psicogênese da Língua Escrita

Os estudos da Psicogênese da Língua Escrita pesquisada pela Emília Ferreiro e Ana Teberosky têm colaborado para compreendermos como a criança desenvolve sua aprendizagem e em particular a escrita.

Esses pressupostos teóricos explicitam os caminhos percorridos pela criança na apropriação da língua escrita, ou seja, como as crianças escrevem antes mesmo de escrever convencionalmente as palavras.

Dentre as observações apontadas, as pesquisadoras visualizam que as crianças criam suas próprias regras e que são coerentes a elas até as últimas consequências, que ler não é decifrar e escrever não é copiar. A concepção da escrita como cópia inibe a verdadeira escrita, assim como a da leitura como decifrado. Ressalta ainda que para chegar compreender a escrita, a criança pré-escolar raciocinou inteligentemente, emitiu boas hipóteses a respeito de sistemas de escrita, superou conflitos, buscou regularidades, outorgou significado constantemente (FERREIRO:1991. p. 276). Essa teoria considera que as crianças elaboram conhecimentos sobre a lecto-escrita, passando por diferentes hipóteses até a apropriação do sistema de escrita alfabética. São elas: hipótese pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e a alfabética.

Vale frisar que essa apropriação ocorre por meio das assimilações, generalizações, dos conhecimentos prévios da criança e de suas interações com as outras pessoas e com os materiais escritos que circulam no seu meio social. É nesse processo interativo que a criança constrói e reconstrói suas hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da escrita e que esse conhecimento ele se dá mesmo antes da criança frequentar a escola. É importante frisar que a passagem de uma hipótese a outra é gradual e depende muito das intervenções realizadas pelo professor.

Daí a necessidade do professor conhecer como se dar o processo de apropriação da escrita pela criança, de aprofundar seus estudos sobre a psicogênese da escrita. Essa teoria contribui com o trabalho pedagógico na escola, no sentido de buscar práticas alfabetizadoras focadas na criança, como o centro de todo o processo educativo, bem como,    repensar conceitos,    ainda tão     impregnados    no fazer   pedagógico, como

imaturidade, prontidão, incapacidade e dificuldade de aprendizagem. De fazer com que a escola se torne lugar de muita aprendizagem e que essa seja significativa para a criança no seu convívio social, pois como diz Ferreiro (2008: p. 21) a escrita é importante na escola porque é importante fora da escola.

1.2 Alfabetização e Letramento: processos indissociáveis

Hoje na escola já não basta apenas alfabetizar ou somente letrar. O processo educacional de acesso à leitura e a escrita modificam-se, pois o educando é instigado a inserir-se nas práticas sociais de leitura e de escrita, ultrapassando a mera transcrição da tecnologia do ler e do escrever. Para Soares (2003: p. 20) não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente. Assim, é imprescindível que possamos alfabetizar e letrar. Visto que ambos os processos são indissociáveis, se processam no ensinar e no aprender de forma concomitante. Porém, cada um com suas especificidades.

Segundo Magda Soares alfabetizar, [...] é um processo de representação de fonemas em grafema, e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito (SOARES: 2003, p. 16).  A alfabetização é um processo que insere a criança no mundo da escrita pela aquisição de um sistema convencional, compreendendo como a escrita é construída e quais as regras que organizam seu funcionamento. Conforme Soares, o

Letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender a ler e escrever. O estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita. (...) Já alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da escrita, incorporando as práticas sociais que as demandam. (SOARES: 2003, p. 18)

Nesse sentido é salutar que a escola propicie um ambiente letrado, em que a leitura e a escrita sejam usadas com sentido e considerando a sua função nos usos sociais. Pois, aprender implica compreender: aprender a linguagem escrita é compreender seu significado e funcionalidade (GARCIA:1993, p.105) Desse modo, acreditamos numa prática pedagógica que organiza seu trabalho numa perspectiva de alfabetização e letramento considerando a necessidade dos alunos e não apenas no aprender a ler e escrever, mas do saber fazer uso desses conhecimentos nas situações do cotidiano respondendo aos anseios que a sociedade tem apresentado. Além de formar alunos leitores e escritores competentes.

1.3           Avaliação: elemento encadeador para subsidiar o planejamento e a prática pedagógica

Muito se tem falado em mudanças e sabemos que elas são necessárias para superarmos nossos limites e aprendermos a buscar saberes que atendam nossos anseios e perspectivas. Assim, não dá para pensar em um novo agir sem antes avaliar os caminhos já percorridos e rever estratégias que auxilie a modificar. Para Luckesi (2010) a avaliação é um ato subsidiário do processo de construção de resultados satisfatórios.

Daí a necessidade dos gestores e educadores ter clareza do que se quer avaliar e o que fazer a partir dos resultados. Não basta mais pensar e fazer educação de qualquer jeito. Cada vez exige-se mais que os protagonistas educacionais tenham como prática constante, ação – reflexão – ação, isto deve está imbuído em seu trabalho pedagógico.

A evolução das teorias avaliativas vislumbra essa prática como algo integrante e intrínseca ao ato avaliativo. Desse modo, a avaliação conquista seu verdadeiro papel educativo, concebida como problematização, questionamento e reflexão para a ação. Segundo Luckesi (2010) a avaliação da aprendizagem subsidia a construção da aprendizagem bem-sucedida, na qual deverá assumir o papel de auxiliar o crescimento do educador e do educando e a escola na sua responsabilidade social.

Nesse sentido, é consenso no campo educacional que é de fundamental relevância o papel da avaliação para melhor compreender a realidade, conhecer os seus resultados, sejam eles satisfatórios ou não, para que possam orientar o planejamento das ações tanto de cunho pedagógico ou de gestão. Vislumbrando assim, o alcance da meta estabelecida que é atingir a aprendizagem de todos os alunos. Entendemos então que,

Planejamento e avaliação são atos que estão a serviço da construção de resultados satisfatórios. Enquanto o planejamento traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia os redirecionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da ação (LUCKESI, 2010, p. 165).

Vale lembrar, que essa tomada de decisão deve envolver todos que fazem parte da instituição: família, alunos, professores, grupo gestor, funcionários, conselho escolar. Pois é importante frisar que o sucesso ou o fracasso na aprendizagem é coletivo, ou seja, da escola como um todo. Considera-se, portanto, uma vez sabendo os principais problemas enfrentados pela escola torna-se mais fácil pensar e planejar estratégias na busca de solucionar as dificuldades.

Avaliar um aluno com dificuldades é criar a base do modo de como incluí-lo dentro do círculo da aprendizagem; o diagnóstico permite a decisão de distanciar ou redimensionar aquilo ou aquele que está precisando de ajuda” (LUCKESI, 2010, p.173).

Nessa perspectiva, é crucial que se leve em consideração a existência dos conhecimentos e ideias já presentes no educando, pois estas servirão como ponto de apoio à nova aprendizagem. Esse pensamento está fundamentado nos estudos de Piaget, no qual qualquer ideia nova que o sujeito acomoda pode, potencialmente, modificar toda sua estrutura cognitiva (assimilações e acomodações). Assim o novo aprendizado

precisa ser significativo para o sujeito. Lembrando que “uma aprendizagem jamais é impossível, que jamais se ‘tentou tudo’ para levá-la a cabo” (PERRENOUD, 1999, p. 155).

Partindo desse pressuposto, enfatizamos o papel do professor como mediador desse processo, da tomada de consciência sobre o que e como executa e pensa o seu fazer pedagógico, numa dinâmica de observação e intervenção em tempo real. Na visão de Perrenoud (1999, p.104), 

Para reorientar a ação pedagógica, é preciso, em geral, ter uma ideia do nível de domínio já atingido. É possível também interessar-se pelos processos de aprendizagem, pelos métodos de trabalho, pelas atitudes do aluno, por sua inserção no grupo, ou melhor, dizendo, por todos os aspectos cognitivos, afetivos, relacionais e materiais da situação didática.

Refletir sobre tudo isso é necessário para que os atores educacionais possam delinear caminhos, estratégias de aprendizagem no intuito de formular novas perguntas que enriqueçam e complementem hipóteses iniciais numa ação recíproca com seu aluno, com vistas a ensiná-lo e, ao mesmo tempo aprender com ele. Pois o encantamento do ato de avaliar está na descoberta da complexidade do aprender.

Referências Bibliográficas

FERREIRO, Emília. Com todas as letras. Trad. Maria Zilda da Cunha Lopes; retradução e cortejo de textos Sandra Trabucco Valenzuela. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

____________ e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

GARCIA, Regina Leite (org.). Revisitando a Pré-Escola.2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

________, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem: Componente do Ato Pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

SIMONETTI, Amália. O desafio de Alfabetizar e Letrar. Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2005.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

_________ . Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.