AUTORAS:

ANA MARINA SOEIRO PEREIRA

FRANCYANE SOUZA FERNANDES DOS SANTOS

  

CONCEITOS E CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ATO DE INDICIAMENTO NO INQUÉRITO POLICIAL

INTRODUÇÃO

As questões envolvendo o indiciamento no inquérito policial são sempre provocadoras e complexas. A partir do afastamento da autotutela como instrumento de defesa do indivíduo, o Estado assumiu o dever de garantir bem estar e segurança à sociedade. Assim, no momento em que um fato ou conduta previamente estabelecida em lei ocorra no seio social gerando ameaça à paz e segurança, o Estado é chamado a intervir, estabelecendo o status quo e mantendo a ordem (REIS, 2010).

Nesse contexto, foram inseridos no ordenamento jurídico métodos cabíveis para que o Estado com respeito à justiça e dignidade da pessoa humana, persiga a infração penal. Dentre os meios existentes tem-se o inquérito policial como procedimento por excelência utilizada na fase persecutória, sendo o instrumento mais comum para a coleta de provas, tendo este funcionado no sistema penal pátrio como fundamento para a grande maioria das ações penais e sentenças proferidas (CABETTE, 2010).

Desta forma, o inquérito policial consiste em um procedimento administrativo, escrito e formal que busca colher preliminarmente provas a fim de apurar a prática, autoria e materialidade de uma infração penal. Deste simples conceito, surgem outros desdobramentos importantes para a dinâmica processual penal, como o estudo sobre o indiciamento, que diz respeito ao ato que o poder policial possui de, estando baseado em um juízo de probabilidade, formar o seu convencimento sobre a autoria do crime (GUILHERME, 2005).

Sendo assim, observando a importância não só jurídica como também social deste assunto, vê-se a necessidade de um estudo adequado que relacione tais especificações, no sentido de se analisar as características e conceito do inquérito policial, além das peculiaridades e possibilidades de realização do indiciamento neste contexto.

1 O INQUÉRITO POLICIAL E SUAS GENERALIDADES

Diante da inexistência da autotutela como meio de defesa do cidadão no ordenamento jurídico pátrio, o Estado tomou para si o poder-dever de punir, buscando garantir paz e segurança à sociedade. Desta forma, o Estado buscou estabelecer métodos para tal realização, e dentre os meios existentes tem-se o inquérito policial sendo o procedimento por excelência utilizado na fase persecutória. Neste sentido, Lima (2012) afirma que o inquérito é um procedimento que tem como finalidade tornar os fatos relatados no crime esclarecido obtendo desta forma a fundamentação necessária para que se prossiga ou não com a ação penal. Sendo verificado segundo este autor o caráter preservador, pois com sua pré-existência se busca evitar a instauração de um processo penal infundado, temerário, e que ainda prima pela economia processual e que resguarda a liberdade do inocente, tendo também o caráter preparatório no que tange ao fornecimento de elementos para o ingresso em juízo com a ação penal e ainda protegendo os meios de provas.

Nucci (2007) conceitua o inquérito policial como um procedimento administrativo, realizado pela polícia judiciária, escrito e formal que busca colher preliminarmente prova a fim de apurar a prática, autoria e materialidade de uma infração penal, e afirma que seu fim é “estruturar, fundamentar e dar justa causa a ação penal” (NUCCI 2007, p. 126).

Santos e Zanotti (2013), porém com o olhar voltado tanto para o objetivo do inquérito como também em observância aos fundamentos da autoridade policial diz que a finalidade desse instrumento é produzir através da investigação a reconstrução dos fatos, realizando a devida documentação no procedimento, e que poderá encandear ou não uma ação penal, sendo ressaltado pelo autor que por mais que não provoque a ação penal ainda assim o inquérito terá alcançado seu fim.

Dos conceitos e finalidades extraídas fica claro que o Estado exercerá o seu poder-dever punitivo, em observância a existência de uma justa causa, caso contrário estaria indo contra o estabelecido em carta constitucional, desta forma é necessário que os elementos de informação e materialidade da infração estejam disponíveis indicando a existência da infração e um suposto acusado. Este procedimento tem como objeto o fato que consta na notitia criminis, ou ainda aquele obtido da investigação que será realizada. Seguindo assim os entendimentos mencionados, extrai-se que o inquérito busca diminuir a incidência de erros, pois visa afastar dúvidas, evitando a indicação de pessoa equivocada como autora da infração e ainda colhe provas que não esperariam o tempo necessário para o andamento do processo, pois correria o risco de desaparecerem (NUCCI, 2007).

Ressalta-se que no inquérito policial não há a produção de provas, conforme se depreende do artigo 155, CPP, mas elementos de informação que são colhidos sem a necessária participação das partes, e são estes que formarão a convicção da acusação. Quanto à produção desses elementos há entendimentos que afirmam que a partir do momento que se extrai elementos sem que se permita à parte exercer seus direitos,fere o contraditório e ampla defesa, direitos estes inerentes ao acusado, porém é óbvio que em casos que a autoridade policial se encontre diante de elementos perecíveis não há porque deixar que tais elementos pereçam, devendo imediatamente ser averiguadas, não havendo como o juiz deixar de aprecia-las, haja vista serem importantes para a formação de sua convicção e por não ter mais como produzi-las em momento posterior em decorrência de sua depreciação, neste sentido existe um embate entre os divergentes entendimento.

Diversas são as características que particularizam o inquérito policial,sendo considerado um instrumento com procedimento escrito, que conforme disposto o artigo 9,CPP “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”. Lima (2012) entende que em virtude da evolução tecnológica passa também a ser permitido à utilização da gravação audiovisual lançando-se mão para esse entendimento do disposto no art. 405, §1º, CPP.  Sendo ainda considerado um procedimento dispensável no sentido de que se o Ministério Público ou o suspeito disporem dos elementos de informação suficientes para instaurar a ação, este inquérito torna-se desnecessário, vislumbramos esta possibilidade nos artigos 12, 27 e ainda 39, §5º, CPP. Santos e Zanotti (2013) ressaltam que por ser um procedimento com caráter administrativo, pois emite uma informação, caso venha a existir erro que comprometa a sua veracidade e compreensão deverá este ser considerado nulo, não sendo aproveitado para a instauração da ação penal.

O sigilo é característica também marcante apesar de haver na Constituição Federal dispositivos que atestam a exigibilidade da publicidade visando a transparência e fiscalização da justiça, percebe-se que neste caso o sigilo é deveras importante, haja vista estar-se a colher elementos que indiquem a ocorrência de uma infração e o indiciamento de um possível acusado, visa-se portanto, que não ocorra prejuízo a investigação, conforme prescreve o artigo 20 do CPP. Contudo há de se ressaltar que haverá situações nas quais esse sigilo será mitigado em observância a outros fatores, como é o caso da apreciação pelo advogado dos elementos de provas já documentados para o exercício do direito de defesa e ainda nos casos de ser necessária a publicidade para que haja a colheita de elementos como nos casos de divulgação de retrato falado. Ressalta-se ainda que este sigilo não abrange o Ministério Público e o juiz do caso.

 Considerado ainda inquisitivo, pois não garante a ampla defesa e o contraditório ao indiciado, característica esta que é alegada por muitos como uma das causas de celeridade a este procedimento. Contudo, esta característica vem sendo atenuada na medida em que é possibilitado o requerimento de diligências ao Delegado de Polícia não podendo negá-las quando forem importantes ao caso, pode também ser utilizados instrumentos de defesa como o habeas corpus e o mandado de segurança.   A indisponibilidade é outra característica na qual se estabelece que a autoridade policial não pode arquivar o inquérito depois de instaurado. É oficial por ser realizado por órgãos oficiais e tem como autoridade pública incumbida o Delegado de Polícia, sendo considerado oficioso, haja vista ser realizado de ofício, acentua-se que os atos são executados de forma discricionária em observância ao caso concreto, mas sob limites fixados em lei (SANTOS; ZANOTTI, 2013).

Lima (2012) ressalta a importância da existência do inquérito policial, pois através dele torna-se possível a colheita de informações para que seja oferecida a acusação e desta forma ser possível a formação da convicção a fim do arquivamento ou não do processo, e ainda ressalta que o inquérito policial impede que pessoas consideradas inocentes venham a ser submetidas a um processo criminal, sendo consequentemente estigmatizadas ainda que futuramente provada sua inocência.

2 O INDICIAMENTO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Inicialmente é importante que se ressalte que não é necessário que logo que se inicio o inquérito já se tenha determinado uma pessoa como autora do crime, pois esta indicação será obtida a partir da realização da investigação, haja vista que para a instauração do inquérito basta apenas que haja a possibilidade de existência da infração penal.  A terminologia indiciado refere-se conforme Nucci (p. 305, 2007) “a pessoa formalmente submetida ao inquérito e que ainda não foi objeto de denuncia ou queixa...cessando essa condição com o arquivamento solicitado pelo MP e determinado pelo juiz, ou com a admissão da ação penal”.

O ato do indiciamento não é regulado por legislação processual específica e, além disso, não provoca relevantes consequências endoprocessuais, no momento em que não vincula o Ministério Público e o Poder Judiciário. Embora não exista dispositivo expresso tratando sobre o indiciamento do suspeito, em muitas oportunidades é possível perceber o uso do termo ‘indiciado’, como nos artigos 6º, incisos V, VIII, IX, 14, 15, dentre outros. Mesmo na ausência de aparatos legais e de consequências robustas dentro do processo, o indiciamento gera efeitos extraprocessuais, como a forte repercussão social, que costuma atribuir ao indiciamento relevância maior do que ele tem no processo criminal (CABETTE, 2010).

Nesse aspecto, houve inovação com a promulgação da Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, trouxe, em seu artigo 1º, parágrafo 6º, a afirmação de que “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias” (MOREIRA, 2013).

O indiciamento deverá ocorrer conforme CPP durante a tramitação do inquérito até que se realize a denúncia, pois conforme entendimento do STJ observado no voto proferido pelo Ministro Nunes Maia, após a realização desta não há mais que se falar em indiciamento, haja vista este ato tornar-se desnecessário, sendo considerado formal e potencialmente constrangedor à liberdade de locomoção, podendo ser utilizado pelo indiciado o habeas corpus para saná-lo (STJ, HC 165.600).

Conforme Lima (2012) o indiciamento é o resultado concreto dos indícios que indicam a autoria da infração penal a determinada pessoa, podendo ser realizado em face de qualquer pessoa ou ato, sendo exercido na forma direta quando o indivíduo encontra-se em local sabido, e na forma indireta quando em local não sabido ou estando foragido. Esse ato traz como consequência ao indivíduo a transferência de sua situação de suspeito para indiciado, tendo a partir deste instante o direito de não produzir provas contra si e ainda de permanecer calado, podendo o delegado verificar a vida pregressa e caso entenda necessário realizar a identificação criminal do indiciado.  Nos casos de prisão em flagrante, a lavratura do auto somente poderá ser realizada se comprovada à autoria do crime, por ser considerado um ato grave (SANTOS; ZANOTTI, 2013).

Considera-se a existência de duas circunstancias que caso ocorram o indiciamento será considerado ilegal segundo Santos e Zanotti (2013), são eles: a realização do indiciamento nos procedimentos realizado pelo juizado especial criminal em virtude da lavratura do termo circunstanciado, sendo somente possível ocorrer quando o Ministério Público assim o requerer ao juiz o encaminhamento das peças à delegacia de policia e ainda por não se admitir o “indiciamento de pessoas que ocupam cargos como foro por prerrogativas de função de delegado de polícia civil ou federal” (SANTOS; ZANOTTI 2013, p.163). Diante de todo o exposto fica claro que o indiciamento só poderá ocorrer após seguir os requisitos necessários para que se tenham os indícios materiais e objetivos necessários quanto a autoria do crime, pois se não for observado corre-se o risco do suspeito sofrer constrangimento ilegal. Ressalta-se que o indivíduo que achar estar sendo injustamente indiciado pode impetrar habeas corpus, podendo o juiz de forma excepcional, em observância ao caso concreto vir a realizar o trancamento da investigação ou por fim a coação ilegal.

Nesse sentido, Lopes Jr. (2011) diz que em virtude da situação de indiciado ser mais elevada que a de suspeito deve-se evitar o constrangimento, para isso, o indiciamento deve seguir as formalidades para a sua realização devendo a polícia civil ou federal somente o realizar quanto detiver indícios objetivos e com fundamento quanto a autoria da infração, e salienta que  o maior problema do inquérito policial é a inexistência de “indiciamento formal, com momento e forma estabelecida em lei”, pois tendo estes requisitos se teria um indiciamento revestido de maiores garantias ao cidadão (LOPES JR. 2011, p. 258 -301).

O indiciamento não é ato de livre arbítrio, tampouco discricionário da polícia judiciária, portanto, deve ser realizado somente quando existir provas suficientes quanto à autoria, pois havendo provas frágeis deve o indivíduo ser mantido na posição de suspeito, contudo não é exigido pela lei que a autoridade ao realizar o indiciamento fundamente nos autos as razões que o levaram a indiciar tal suspeito, porém é salutar que ao chamar o indivíduo para que seja ouvido e indiciado esta convocação seja feita de forma clara já que a autoridade já tem ciência de que será realizado o indiciamento. Para Nucci (2007), a fundamentação quanto aos motivos para a realização do indiciamento deveria ser uma exigência legal, haja vista que o suspeito passa a ser tido como possível autor da infração penal, e necessariamente ocorrerá o constrangimento, pois ainda que o inquérito policial futuramente venha a ser arquivado, tais informações quanto ao indiciamento continuará na folha de antecedentes do indivíduo.

Lima (2012) afirma que apesar de não haver disposição legal no CPP quanto a realização do indiciamento através de um ato formal, este deve ser feito haja vista as implicações que este ato acarreta ao indivíduo, seguindo esse entendimento este autor ressalta a Portaria 18 de 25/11/1998 de São Paulo, sendo nela instituída que é imprescindível que o indiciamento seja realizado através de despacho fundamentado pela polícia, havendo também essa disposição na instrução normativa da polícia federal.

O indiciado para muitos não é visto como sujeito de direito, contudo o STF já se manifestou dizendo que o indiciado é sujeito de direito sendo detentor de garantias constitucionais e legais e caso tenha seus direitos garantidos, a autoridade policial será responsabilizada penalmente por abuso de poder, e devendo ainda as provas produzidas nessas circunstâncias a serem consideradas nulas. Para Nucci (2007), apesar das considerações que legisladores e diversos doutrinadores vem afirmando quanto a consideração do indiciado como sujeito de direito, isto não implica em torná-lo como tal, pois somente alguns de seus direitos serão preservados, outros ele não poderá lançar mão como o requerimento a produção de provas, o não exercício do contraditório e ampla defesa, sendo, portanto considerado mero objeto de investigação.

Ressalta Santos e Zanotti (2013) que é imprescindível que o delegado esteja atento para que não prossiga com um indiciamento que não se faz necessário, e que sua postergação causará violação a direitos, devendo assim realizar-se o desindiciamento do indivíduo. 

3 CONTROVÉRSIAS JURISDICIONAIS QUANTO AO INDICIAMENTO NO INQUÉRITO POLICIAL

Conforme Santos e Zanotti (2013, p. 161), “o indiciamento consiste no ato formal de se atribuir a autoria de uma infração penal típica, antijurídica e culpável a uma pessoa determinada”. Os autores acrescentam que o ato do indiciamento deve estar fundamentado em suspeitas consistentes no tocante à materialidade e autoria dos delitos, devendo ser banidos os indícios sem fundamentos adequados. Gaviorno (2006) complementa que o indiciamento seria a representação da soma de indícios que apontem certa pessoa como autora de um determinado crime, levando as investigações a se concentrarem sobre o indiciado. 

Dentro deste contexto, inúmeras são as assertivas quanto ao momento de realização do indiciamento e especialmente no que tange à possibilidade de sua propositura no inquérito policial. Não havia, na legislação penal, regras específicas para a realização do indiciamento no inquérito. Para Guilherme (2005), citada diligência, ficaria a critério da autoridade policial, o que gera certa insegurança jurídica ao sujeito indiciado. Apesar disso, o indiciamento não seria arbitrário e a autoridade policial não poderia escolher entre indiciar ou não o suspeito, pois, havendo fortes indícios sobre o liame entre o delito e o indivíduo e sendo preenchidas as condições legais, deveria o infrator ser indiciado.

Aqui, as principais questões se firmam no tocante à defesa do indiciamento no corpo do inquérito policial com a formalização a critério do delegado de polícia e do indiciamento realizado de maneira extemporânea, quase sempre por ordem judicial após o encerramento das diligências específicas do inquérito policial. Para Lopes Jr. (2011), esta falta de indiciamento formal com momento e forma estabelecidos em lei seria um dos maiores problemas do inquérito policial brasileiro.

Na prática e com certa frequência, vê-se que muitos inquéritos, quando encerrados, ao chegarem ao Ministério Público, existindo ou não o ato de indiciamento, ensejam denúncias, normalmente recebidas pelo Poder Judiciário contra os envolvidos. Nestes casos, o Ministério Público costuma requerer e o juiz deferir a realização do indiciamento do denunciado, o qual inicialmente não havia sido levado a efeito pela autoridade policial que presidiu o inquérito (CABETTE, 2010).

Wolker (2011) descreve que a realização extemporânea do indiciamento não seria tão maléfica, afinal, o inquérito não garante direitos reais ao cidadão imputado. Ou seja, estas garantias almejadas ao cidadão em relação ao inquérito policial seriam mais simbólicas que reais.  Um exemplo é a afirmação da existência do contraditório e direito de defesa no inquérito, pois estas garantias não são exercidas na sua essência e nem de longe respeitadas pelo Estado.  O único direito que parece estar sendo respeitado, ainda que timidamente e por ter sido reconhecido pelo Superior Tribunal Federal, é o direito à informação.

Quem combate tal tese, cita que a realização extemporânea do indiciamento consiste em constrangimento ilegal, especialmente no tocante ao suspeito, além de representar um aviltamento da consciência jurídica da autoridade policial competente para tanto (CABETTE, 2010). O ato de indiciamento só será legítimo se proposto no curso do inquérito policial a critério do próprio delegado de polícia, figura que se encontra pautada pela legalidade e que permeará o ato conforme a sua convicção jurídica pessoal (GAVIORNO, 2006).

Neste sentido, Santos e Zanotti (2013, p. 161 e 162) afirmam que

O indiciamento é qualificado como ato privativo da autoridade policial que pode ser feito a qualquer momento durante o curso do inquérito policial, por meio de um despacho fundamentado, ou no relatório final do inquérito policial. Com o recebimento da denúncia, não é mais possível o indiciamento. (...). O magistrado e o membro do Ministério Público não podem requisitar que a autoridade policial proceda ao ato formal do indiciamento.

Reiterando esse pensamento, a nova lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, estabelece claramente que “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”. Logo, está explícito que o indiciamento é ato típico do delegado e que deverá ser devidamente fundamentado pela autoridade policial, assim como são as decisões e pronunciamentos dos Magistrados e do Ministério Público (MOREIRA, 2013).

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE O INDICIAMENTO NO INQUÉRITO POLICIAL

As jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça entoam no tocante a uma tendência garantidora do processo penal, pautado em bases constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Para este Tribunal, o indiciamento é ato privativo da autoridade policial que o deve exercer embasado em critérios legais que sugiram a existência de um mínimo indiciário quanto à autoria e também de prova da materialidade. Acrescenta-se, nesta afirmação, que a manifestação da autoridade policial competente não produz qualquer vinculação processual no seguimento da persecutio criminis in juditio (CABETTE, 2010).

 Nesse sentido, aludiu o Ministro Félix Fischer, no julgamento do HC 8.466 – PR, 5ª Turma, DJ de 24 de maio de 1999, dispondo que o indiciamento só poderá ocorrer se existir, para tanto, suspeita de participação ou autoria fundada e objetiva nos eventuais delitos que estão sendo investigados (ROMANO, 2012).

Assim, o Superior Tribunal de Justiça tem deixado claro o seu entendimento quanto à configuração de constrangimento ilegal nos indiciamentos feitos a requerimento do Ministério Público, por ordem judicial, após o recebimento da denúncia (CABETTE, 2010). Para o Tribunal, após o encerramento da fase investigatória, o ato de indiciar o réu torna-se “coação desnecessária e ilegal”, podendo o ato ser sustado ou anulado por habeas corpus (REIS, 2010).

Romano (2012, p. 01) dispõe jurisprudência neste contexto, onde

 De toda sorte, a requisição de indiciamento é procedimento equivocado. Aliás, assim o entendeu o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do HC 35.639 – SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 21 de outubro de 2004, quando se disse que a determinação de indiciamento formal, quando já em curso ação penal pelo recebimento da denúncia, é tida por desnecessária e causadora de constrangimento ilegal.

Tratando das assertivas do Supremo Tribunal Federal sobre o tema disposto, já com base na lei 12.832/2013, a Suprema Corte tem decidido que, no indiciamento, o delegado de polícia deverá formalizar a sua convicção quanto ao fato de que determinado investigado em inquérito é o suspeito de ser o autor de um ilícito penal. Sendo assim, o juiz não deverá (não poderá, de certo) determinar o indiciamento formal do réu, se já proposta a ação penal, pois, mandando indiciar, o juiz passa a ter função inerente à investigação, atribuição jurisdicional que não lhe compete (MOREIRA, 2013).

O Ministro Joaquim Barbosa se posicionou sobre o assunto, concedendo liminar (habeas corpus) a fim de que fosse suspensa decisão judicial que determinava o indiciamento formal de diretores e representantes legais de empresa de têxteis, já réus em ação penal. Na decisão, o ministro afirmou ser o indiciamento formal ato exclusivo da polícia, devendo esta, com base nos ditames investigatórios, ser capaz de determinar quem é o suspeito de praticar determinado crime (MOREIRA, 2013).

Sobre o mesmo pensamento, tem-se a concessão de habeas corpus com base no voto do ministro Teori Zavascki. Para este, o indiciamento é classificado pela doutrina como “ato de formalização” da ideia do delegado, baseando-se em indícios de autoria sobre o ilícito. Sendo a denúncia recebida pelo Poder Judiciário, o suspeito passa a ser réu e deixa de ser suspeito. Para o ministro também afirmou que a ordem de indiciamento pelo juiz é se contradiz ao conceito e objetivo do sistema acusatório, cabendo ao juiz – tão somente – condenar ou absolver os formalmente acusados (CANÁRIO, 2013).

Quanto à prática do indiciamento extemporâneo, reiteram-se os achados jurisprudenciais quanto à caracterização de constrangimento ilegal. Citando alguns, tem-se:  HABEAS CORPUS HC 990101026252 SP (TJ-SP), HABEAS CORPUS HC 69428 SP 2006/0240668-0 (STJ), HABEAS CORPUS HC 58323 SP 2006/0091850-9 (STJ), e HABEAS CORPUS HC 58323 SP 2006/0091850-9 (STJ). Em todos estes, houve a instauração do inquérito policial, com a ordem de indiciamento extemporâneo, tendo sido, portanto, configurado o constrangimento ilegal e concedido habeas corpus (JUSBRASIL, 2014).

CONCLUSÃO

A investigação preliminar não é um processo penal, mas uma fase preparatória deste processo. Neste âmbito, o inquérito policial é encarado como um procedimento administrativo pré-processual, já que todo o seu trâmite se dá conforme os ditames da Polícia Judiciária, que constitui um órgão vinculado à Administração e, sendo assim, acaba por desenvolver tarefas típicas da Administração. O inquérito policial tem como principal objetivo a reunião de provas que comprovem a existência de um delito de maneira inequívoca e a indicação de um autor provável, fornecendo elementos capazes de convencer o titular da ação penal sobre a deflagração do processo, ou não.

Nesse aspecto, houve inovação com a promulgação da Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal, normatizando ser este um ato discricionário e privativo do Delegado de Polícia, sendo ainda um instrumento dotado de características que o individualizam e que buscam garantir a sua melhor utilização. Assim, o indiciamento vem a se apresentar como um ato concreto no qual a autoridade policial realiza a indicação da autoria do crime, passando este indivíduo a ser considerado indiciado e não mais suspeito. Em virtude da gravidade que este ato acarreta à vida do cidadão é necessário que este indiciamento seja feito somente diante da existência de prova robusta e observada às formalidades necessárias para tal procedimento, devendo-se buscar protegê-los quanto a possíveis erros e eventuais prejuízos diante da estigmatização social.

É de longa data que o inquérito policial não é enxergado por muitos com bons olhos, sendo taxado de instrumento com função política e que serve para proteção dos réus que com maior poder aquisitivo. Sendo, o indiciamento visto como uma forma de constrangimento ilegal e que fere direitos fundamentais, pois muitos entendem que deveriam ser dadas informações claras e precisas quanto às motivações que levaram ao indiciamento, como também o esclarecimento quanto ao enquadramento da infração ao tipo penal elencado.

No Brasil, são várias as acusações realizadas por indiciados que afirmam sofrer constrangimento durante a realização do inquérito policial, sendo tratado como mero objeto de investigação. Contudo, não raros são os casos em que o poder de polícia é ameaçado de realizar o seu trabalho na coleta de provas, e ainda impedido de lançar mão de forma plena a este instrumento tido como de grande valia. Diante das variadas concepções existentes e de tudo que foi abordado nesse estudo entende-se que este assunto é um dos grandes desafios à legislação contemporânea brasileira.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Habeas Corpus nº 165.600. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Disponível em: <http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com.pdf?Signatu(...)BA&response-content-type=application/pdf>.  Acesso em: 24 fev 2014.

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CANÁRIO, Pedro. Juiz não pode mandar delegado indiciar réu em processo, 2013. Disponível em: <www.conjur.com.br>. Acesso em: 07 abr 2014.

GAVIORNO, Gracimeri Vieira Soeiro de Castro. Garantias constitucionais do indiciado no inquérito policial: controvérsias históricas e contemporâneas [dissertação de mestrado]. Vitória: Faculdades Integradas de Vitória, 2006.  

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