A idéia de Liberdade pode, nas ciências sociais( inclusive nas aplicadas), quando não pretendem a exatidão ou a exclusividade da objetividade de seus conceitos, favorecer reflexões para além de casuísmos e oportunismos. Não podemos culpar a alguém por não conhecer a História, mas lamentamos o papel do ensino em não propiciar condições para que tal situação ocorra. A apreensão do conhecimento tende a ocorrer, apesar de várias vozes contrárias, sendo “produto de um cérebro pensante” e da “percepção e intuição”. Ou seja, o professor não obriga o outro a conhecer. Ele pode, como ocorre muito freqüentemente, induzir ao conhecimento equivocado. Mas, em última instância, não cabe a ele decidir quem e como o conhecimento será apreendido.


Posto sob esse prisma resolvemos discutir o conceito de liberdade, tanto aquele defendido nas democracias liberais, centrado na defesa da propriedade, como as cisões críticas que favorecer reflexões sobre a questão. Dentre os grandes pensadores da humanidade que se debruçaram sobre o tema, destacaremos, sucintamente, suas visões por vezes controversas, Kant, Hegel e Marx.


Kant se preocupa em demonstrar a liberdade e a relação desta com propriedade. Assim, parte da premissa de que esta deveria ser usada, de forma quase absoluta. Ou seja, haverá liberdade de propriedade. Os homens livres seriam aqueles que possuem propriedades. Estes proprietários também possuiriam a incumbência de elaborar as leis. Ao preconizar o arbítrio individual sobre a lógica da posse comum, passa a defender que não se pode obrigar outros de se abster sobre a utilização de qualquer coisa. Em sua gênese, a posse comum, seria a possibilidade de uma posse privada. Ao admitir que apenas os proprietários possam legislar, defende a possibilidade de que essa legislação represente a vontade geral e que o aparelho repressivo possa garantir a sua efetivação. Sob a lógica do direito natural, o Estado, teria a função de garantir as prerrogativas dos proprietários, inclusive vigiando-os e punindo-os. Ou seja, existe liberdade, porque existe coação. Liberdade seria o direito de fazer tudo o que a Lei não proíbe, mesmo admitindo que a lei fosse elaborada pelos proprietários e não pelo conjunto da população. A liberdade seria determinada para( e pelos) interesses de poucos.


Já Hegel, mesmo defendendo a propriedade privada, não acredita como Kant, que esta seja indissolúvel. Mas, seria a vontade individual que se objetivaria na propriedade. Quer dizer que “a idéia de liberdade só existe verdadeiramente na realidade do Estado (HEGEL, 1997). Na propriedade estaria a liberdade e, todo individuo ao ser reconhecido como pessoa, na concepção jurídica do termo, deveria ser primeiramente proprietário.


A propriedade, guardando as devidas proporções entre Kant e Hegel, em última instância, seria o elo aglutinador das relações sociais objetivadas no Estado.


Marx, procura realizar o caminho inverso dos autores supracitados. Não entende a propriedade como um bem natural(Kant) nem a dimensão dada ao Estado(Hegel). Entende que “ o direito humano a propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar de seu patrimônio e dele dispor arbitrariamente( a son gré), sem atender aos demais homens, independente da sociedade, é o direito de interesse pessoal (MARX,1980:43). ” Ou seja, na visão marxiana, na propriedade e no suposto direito individual, estaria a visão egoísta de satisfazer interesses pessoais, os quais fundamentam a sociedade burguesa. E complementa: “ Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário a limitação desta” (Marx, 1980: 43).

Assim, a suposta liberdade de expressão, sob a lógica capitalista de percebê-la, não representaria mais do que o direito de advogar para si, o direito de usufruir das benesses que são produzidas coletivamente. O coletivismo esvai-se, restando o individualismo sob a máscara da defesa da igualdade representado sob a lógica do Estado. Este aparece como aquilo que não pode representar: a igualdade para todos. Não pode, devido sua essência ser a perpetuação das desigualdades. Confundi-se aparência com essência. Igualdade passa a ser formalmente estabelecida nas legislações sem, entretanto, sua efetivação ser concretizada. Não pode ser, devido ao fato de que está em voga o direito individual sobre o coletivo, o direito a propriedade privada, objetivada nos interesses das elites, sobre a mágica do direito para todos.


Esconde-se, também, que a produção e a distribuição, são momentos díspares. Ou seja, na forma como concebe a liberdade( neste exemplo), faz com que seja distribuída desigualmente para todos. Seu resultado, apenas aparente, seria formal e não real. Assim, de forma falsa ocorre a possível ampla defesa dos direitos individuais sobre os coletivos, a prerrogativa de que seria realizável fazer o que bem desejar, quando na prática, seria o direito dos proprietários(e daqueles que defendem suas concepções) em defender seus interesses pessoais. Este indivíduo egoísta, alienado por separar aparência de essência não percebe o trabalho como parte constituinte do ser coletivo. Apenas o entende em sua individualidade, como objeto estranho. O que significa dizer que “quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando (ausarbeitet), tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo, alheio (fremd) que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, [e]tanto menos [o trabalhador] pertence a si próprio [...] O trabalhador encerra sua vida no objeto; mas agora ela não pertence mais a ele, mas sim ao objeto (Marx, 2004: 81)”.


Esse ser alienado, não consegue se perceber como ente coletivo. O seu trabalho é algo estranho, aquém de sua vontade, para além de sua essência humana. Neste sentido, Marx, chama atenção para a perda da liberdade do ser. Esta, em última instância, inexiste na sociedade capitalista. Mas como um véu encobrindo o rosto da noiva, o trabalhador tende a não perceber claramente quem são seus pares, o que lhe oprime ou o explora. A liberdade desse ser alienado, separado de sua essência, só poderia ser possível, mediante o reconhecimento desse homem como ser genérico que, em sua individualidade subjetiva, compreenderia e passaria a reconhecer em si o universal objetivo. Para a possibilidade de liberdade, haveria a necessidade de se compreender como ser genérico que se materializa na luta de classe, no processo de dominação e de exploração. Afastaria de si, o direito positivo como prerrogativa, podendo compreender as relações que engendram o ser social na sociedade capitalista e, tomaria posicionamentos ideológicos que não confrontasse interesses coletivos da classe a qual pertence. Mas isto, apenas seria possível, se compreendesse e, abandonasse os interesses burgueses(e pequeno burguês). Situação que é particularmente difícil para as elites ou para quem se posiciona como tal.



BIBLIOGRÁFICA BÁSICA


Hegel, G. W. F . Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes.1997
Kant, Immanuel  (1797) A metafísica dos costumes. São Paulo: EDIPRO, 2003.
Marx, Karl  A questão judaica. São Paulo: Edições Moraes.1980.
Marx, Karl 2005 Crítica da filosofia do direito de Hegel (São Paulo: Boitempo).
Marx,Karl .Manuscritos econômico-filosóficos.São Paulo:Matim Claret,2004