Nestor Garcia Canclini, argentino radicado no México desde 1976, transita entre as áreas de Antropologia, a Sociologia, a Cultura, ciências que dialogam diretamente com a Comunicação. Dentre muitas obras dedicadas ao estudo da América Latina, Canclini é autor de Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade (EDUSP). Nos variados e ricos apontamentos do autor destaca-se o capítulo "O porvir do passado", abordagem sobre o poder dos museus como cenários onde se constrói a história a partir de leituras carregadas de valores e como os museus servem à chamada "teatralização do poder", ou seja, uma forma de mostrar a história a partir da ótica de quem detém o poder: o Estado.
Ao leitor fica claro o quanto a destreza em comunicar a cultura pode determinar uma interpretação conduzida da História. O Poder, ou o desejo por este, manipula a história a seu entendimento e vontade. Assim, o que parece elemento do cotidiano, uma vez teatralizado, pode e será usado para um arremate ou perpetuação ideológica, enfim, clara construção da ideologia dominante na montagem e preparação de um lugar de cultura.
A época que Canclini se instala na América do Norte é a mesma que a Argentina é tomada pelos militares iniciando ali um período ditatorial. Nesse recorte histórico, não só a terra natal de Garcia Canclini é violentada por governos repressores como também Brasil, Paraguai, Chile, enfim, estragos da chamada guerra fria, que ao longo da década seguinte são superados pela reordenação política. Ganham força ao longo dos anos 1980 os movimentos populares pró-redemocratização. No Brasil, a histórica e sempre lembrada campanha política pelas eleições diretas para Presidente da República, as "Diretas Já" passa a abarcar multidões, centenas de milhares de pessoas que tem por meta a abertura política, o fim da censura, o direito a cidadania...
1984 é um ano emblemático na história do Brasil. Numa eleição (indireta), Tancredo Neves vence Paulo Maluf e é eleito primeiro civil Presidente da República desde Jânio Quadros, eleito em 1961. Uma grave enfermidade leva a morte o presidente eleito.
No que tange os meios de comunicação de massa, rádio e cinema foram usados pelo Estado Novo de Vargas na construção do imaginário do grande pai da nação. Rádio, cinema e televisão são recursos que o Estado vê com esmero. Desde os anos 1970, a televisão se tornara o principal veículo informativo. Amparada pelos militares a Rede Globo de televisão propagandeara os feitos de um Brasil sempre ascendente, porém os custos sociais do crescimento eram sempre mascarados quando não, ocultados. Há 41 anos o Brasil se tornou tri campeão mundial de futebol. A primeira Copa do Mundo transmitida em cores, foi abraçada pelo regime militar como uma conquista do povo, de um país sob o signo do desenvolvimento. Com apurada maestria o governo do General Médici com parceria de Roberto Marinho usaram o que os romanos e a Tropicália chamaram de panis et circenses, pão e circo. Esta Rede Globo aderiu na última hora ao calor das Diretas Já. Contudo será esta emissora a responsável por dar suporte em 1989, a Fernando Collor de Mello, candidato a Presidência. Ganhará. Teatralizando, potencializando, exacerbando gestos e falas, Fernando Collor com total respaldo tecnológico será o escolhido do povo para novo chefe da nação. Escândalos sucessivos derrubam o presidente-personagem. Espetáculo e política são recorrentes na história brasileira.
Julho de 1950, recorte da quarta Copa do Mundo sediada no Brasil, foi também ano eleitoral. Quem está nesta disputa presidencial é ninguém menos que Getúlio Vargas. O Brasil não ganha a Copa mas, o chamado pai dos pobres ganha a eleição. No encontro de esporte e política, a cada dois anos o brasileiro vai às urnas; a cada dois anos há um portentoso evento esportivo, são intercaladas Copa e Olimpíadas.
A próxima Copa do Mundo de Futebol será no Brasil, no exato ano da próxima eleição presidencial. A partir do que a história recente do país apresenta e brindado pela leitura de Nestor Garcia Canclini será possível perguntar qual a intensidade da teatralização a ser mostrada daqui quatro anos? Tancredo Neves, o preferido nas massas em 1984 morrera em Brasília em 21 de abril, mesmo dia de fundação da Capital Federal que em 2010 completou sessenta anos, no mesmo 21 de abril que marca a morte de Tiradentes, um brasileiro que lutou pela independência de Minas Gerais. Na especulação pelo futuro há que se lembrar que é de Minas Gerais o Senador eleito Aécio Neves, neto de Tancredo Neves, que este ano foi mostrado como uma peça com considerável peso político dentro da agremiação a que pertence. Enfim, só o tempo trará as respostas para inquietações tão recheadas de comunicação, cultura, história e poder.