Wuíliton Luiz da Rocha. 

Não se pode referir ao crime de infanticídio como homicídio por que a lei o enquadra em um tipo diverso.

No homicídio exige-se para sua consumação, a morte de uma pessoa, enquadrando o agente no tipo “Matar alguém”,  do art.121 do Código Penal Brasileiro.

No infanticídio também é indispensável para a forma consumada, a morte de uma pessoa Humana. Nos dois tipos de crime, a conduta é a mesma, ou seja, é a ação de se tirar a vida do semelhante. A distinção que a lei faz entre os dois casos é a consideração do estado de perturbação da mulher, em decorrência do estado puerperal.

A essência causadora de tal distinção é muito semelhante às causas de redução de pena se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não for inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. No caso da mãe ceifar a vida do filho, a lei, ao invés de atenuar a pena do artigo 121 do CP, lhe dá outra tipificação com pena mais leve. É compreensível a visão do legislador, diante da situação patológica

No entanto, lastreado em princípios jurídicos, o terceiro que participa em conjunto com a mãe em estado puerperal, na morte da criança também se enquadra no crime de infanticídio e não no crime de homicídio, cuja pena é superior. Por um lado, por questões legais e técnicas, a co-participação pressupõe o mesmo tipo penal, Por outro lado, a razão de um tratamento mais benevolente é decorrência de uma anormalidade orgânica que somente influencia a mãe.

O bem protegido pela tipificação do infanticídio é a vida. Isto é ponto pacífico. O Código Penal brasileiro define no art. 123: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. A ação é pública incondicionada, na competência do Tribunal do Júri, ou seja, o crime é julgado pelo Júri popular, por se tratar de crimes contra a vida, tentados ou consumados. Tal competência está prevista no art. 74, Parágrafo 1º, do Código de Processo Penal.

A pena culminada para o infanticídio é de dois a seis anos de detenção. Caso não houvesse tal diferenciação na lei, na hipótese de inexistência do crime de infanticídio, a mãe incorreria no art. 121, do CP, com pena culminada de 6 a 20 anos de reclusão, agravada pelo art. 61, letra “e”, por matar alguém. Segundo o Código Civil brasileiro, art.2º, A personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida. Contrapondo o presente artigo, com o artigo 123, referido acima, extirpa qualquer possibilidade de dúvida, conclui-se que no caso do infanticídio, embora com outra tipificação, ocorre da mesma forma, em essência, o matar alguém, sendo portanto, uma espécie privilegiada de homicídio.

Um dos argumentos utilizados pelos que combatem pela comunicabilidade da elementar do crime é o que preceitua o artigo 29 do Código Penal Brasileiro – “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

O artigo 30 do mesmo Instituto legal reforça tal posição – “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Correntes existem nos dois sentidos. Embasamentos para a comunicabilidade das circunstâncias não faltam.

Tais preceitos demonstram a posição monista adotada pelo Código Penal Brasileiro. Em conseqüência disto, o terceiro que concorre para a morte da criança ao nascer ou logo após o seu nascimento, se acoberta no tipo penal de infanticídio, com a conseqüente pena mais branda.

Para os doutrinadores como Cesar Roberto Bitencourt (2001,) e  Damásio de Jesus (2005), a pessoa que colabora ou executa em colaboração com a mãe, no crime de infanticídio, incorre nas penas a este cominadas. Ensinam eles que mister se faz tal conclusão em virtude da necessidade da observância dos mandamentos legais aqui já descritos.

No entanto, o motivo que os mestres apontam para que assim se entenda é tão somente a observância do mandamento legal. Assim sustentando, equivale  dizer que, dentro da óptica da justiça, constata-se, segundo eles,  incoerência em tal posição, apesar de legal e de conseqüente observância obrigatória.

Para Bitencourt (2001), a justiça ou injustiça do abrandamento da punição de outra pessoa participante no crime de infanticídio não pode ser suficiente para se contrapor à teoria monista do Código Penal brasileiro, art. 29, complementada pelo art. 30 do mesmo Instituto, que determina a comunicabilidade de elementares do crime, independente de serem pessoais.

Aníbal Bruno (1972), defende a incomunicabilidade da elementar do crime de infanticídio, propondo a hipótese da mulher que executa a morte do filho instigada por terceiro. Para ele, esta incorreria no crime de homicídio, em co-participação . Conclui ele que aí incorreria uma grande inversão, uma vez que a mãe se despiria do privilégio de incorrer no devido crime de infanticídio.

Há de se questionar se na hipótese de Aníbal Bruno, existiria o estado puerperal. A mulher no estado puerperal necessitaria de instigação? E por outro lado, a mulher fora do estado puerperal praticaria o crime de infanticídio? Entende-se que não e por um simples e contundente motivo, trata-se de elementar do crime. Com a simples instigação, já não seria afastada em definitivo, a existência do estado puerperal causador do fato?

O que se entende na contraposição dos diversos entendimentos doutrinários é que existe uma convergência essencial de todos, materialmente falando, no entendimento de que os auspícios da lei ao terceiro participante na morte de uma criança, em colaboração com a mãe em estado puerperal não teria razão de ser, caso assim a lei não determinasse.

Em outra mão, poderia se até atentar para uma possível necessidade de prática de socorro, nos casos em que a lei determina, ou seja, no caso específico, condição decorrente de lei ou de profissão. Nessa linha de pensamento, caberia até um questionamento: qual seria a possibilidade de gratidão dessa mãe, quando curada dos males decorrentes do estado puerperal, caso a pessoa, ao invés de colaborar na execução, a impedisse de praticar o crime?

Mas voltemos ao foco principal da questão. Como vinha sendo discorrido, os dois pólos na discussão se harmonizam quanto à incoerência da lei, quando esta privilegia o agente participante no infanticídio. A divergência persiste no tocante ao mandamento legal e a teoria monista.

A lei deve servir à sociedade e é elaborada por esta. É, no mínimo, irracional, conceber a possibilidade de se omitir face à justiça e à devida proteção a bens e pessoas, principalmente pessoas, em decorrência de leis criadas pela mesma sociedade que delas discordam e que engessam os ideais de justiça e proteção do indivíduo.

Caminhos para se sanar cabalmente tal questão existem. É inconcebível o entendimento de ocorrência de dois crimes, a saber, de infanticídio por parte da mulher e de homicídio por parte do terceiro, no mesmo fato? Independente do entendimento, a questão persiste na seara da técnica.

O que não pode ocorrer ao nosso ver, é uma atenuante semelhante a uma semi-imputabilidade concedida à mulher que, em decorrência de um estado de saúde, é afetada em sua capacidade de discernimento ser estendida a um terceiro em pleno uso de suas faculdades mentais, com pleno entendimento da prática de homicídio de uma criança. Isso seria semelhante, em essência, a concessão de atenuante de pena a quem ajudasse um semi imputável a praticar um homicídio. A causa de tal concessão é uma situação individual.

Não obstamos à obediência do princípio monista estabelecido pelo Código Penal Brasileiro. Somente se constata aqui, com estranheza, o engessamento de uma situação que todos comungam de sua falta de lógica, quando podem ser operadas adequações nessa mesma lei.

BIBLIOGRAFIA

JESUS, Damásio Evangelista de. DIREITO PENAL - Editora Saraiva 2005

BRUNO, Aníbal. Direito Penal. CRIMES CONTRA A PESSOA., Editora Forense, 2ª Edição. Revisada. Rio de Janeiro, 1972.

BITENCOURT, Cezar Roberto, MANUAL DE DIREITO PENAL: parte especial / Cézar Roberto Bitencourt. --: São Paulo, Saraiva, 2001.

VADE MECUM, OBRA COLETIVA de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Cúria, Lívia Céspedes e Juliana Nicolett. – 3ª ed. Atual. E ampl. – São Paulo : Saraiva. 2012.