Comunicabilidade da elementar do crime de infanticídio
Publicado em 30 de junho de 2012 por Wuíliton Luiz da Rocha
Wuíliton Luiz da Rocha.
Não se pode referir ao crime de infanticídio como homicídio por que a lei o enquadra em um tipo diverso.
No homicídio exige-se para sua consumação, a morte de uma pessoa, enquadrando o agente no tipo “Matar alguém”, do art.121 do Código Penal Brasileiro.
No infanticídio também é indispensável para a forma consumada, a morte de uma pessoa Humana. Nos dois tipos de crime, a conduta é a mesma, ou seja, é a ação de se tirar a vida do semelhante. A distinção que a lei faz entre os dois casos é a consideração do estado de perturbação da mulher, em decorrência do estado puerperal.
A essência causadora de tal distinção é muito semelhante às causas de redução de pena se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não for inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. No caso da mãe ceifar a vida do filho, a lei, ao invés de atenuar a pena do artigo 121 do CP, lhe dá outra tipificação com pena mais leve. É compreensível a visão do legislador, diante da situação patológica
No entanto, lastreado em princípios jurídicos, o terceiro que participa em conjunto com a mãe em estado puerperal, na morte da criança também se enquadra no crime de infanticídio e não no crime de homicídio, cuja pena é superior. Por um lado, por questões legais e técnicas, a co-participação pressupõe o mesmo tipo penal, Por outro lado, a razão de um tratamento mais benevolente é decorrência de uma anormalidade orgânica que somente influencia a mãe.
O bem protegido pela tipificação do infanticídio é a vida. Isto é ponto pacífico. O Código Penal brasileiro define no art. 123: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. A ação é pública incondicionada, na competência do Tribunal do Júri, ou seja, o crime é julgado pelo Júri popular, por se tratar de crimes contra a vida, tentados ou consumados. Tal competência está prevista no art. 74, Parágrafo 1º, do Código de Processo Penal.
A pena culminada para o infanticídio é de dois a seis anos de detenção. Caso não houvesse tal diferenciação na lei, na hipótese de inexistência do crime de infanticídio, a mãe incorreria no art. 121, do CP, com pena culminada de 6 a 20 anos de reclusão, agravada pelo art. 61, letra “e”, por matar alguém. Segundo o Código Civil brasileiro, art.2º, A personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida. Contrapondo o presente artigo, com o artigo 123, referido acima, extirpa qualquer possibilidade de dúvida, conclui-se que no caso do infanticídio, embora com outra tipificação, ocorre da mesma forma, em essência, o matar alguém, sendo portanto, uma espécie privilegiada de homicídio.
Um dos argumentos utilizados pelos que combatem pela comunicabilidade da elementar do crime é o que preceitua o artigo 29 do Código Penal Brasileiro – “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
O artigo 30 do mesmo Instituto legal reforça tal posição – “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
Correntes existem nos dois sentidos. Embasamentos para a comunicabilidade das circunstâncias não faltam.
Tais preceitos demonstram a posição monista adotada pelo Código Penal Brasileiro. Em conseqüência disto, o terceiro que concorre para a morte da criança ao nascer ou logo após o seu nascimento, se acoberta no tipo penal de infanticídio, com a conseqüente pena mais branda.
Para os doutrinadores como Cesar Roberto Bitencourt (2001,) e Damásio de Jesus (2005), a pessoa que colabora ou executa em colaboração com a mãe, no crime de infanticídio, incorre nas penas a este cominadas. Ensinam eles que mister se faz tal conclusão em virtude da necessidade da observância dos mandamentos legais aqui já descritos.
No entanto, o motivo que os mestres apontam para que assim se entenda é tão somente a observância do mandamento legal. Assim sustentando, equivale dizer que, dentro da óptica da justiça, constata-se, segundo eles, incoerência em tal posição, apesar de legal e de conseqüente observância obrigatória.
Para Bitencourt (2001), a justiça ou injustiça do abrandamento da punição de outra pessoa participante no crime de infanticídio não pode ser suficiente para se contrapor à teoria monista do Código Penal brasileiro, art. 29, complementada pelo art. 30 do mesmo Instituto, que determina a comunicabilidade de elementares do crime, independente de serem pessoais.
Aníbal Bruno (1972), defende a incomunicabilidade da elementar do crime de infanticídio, propondo a hipótese da mulher que executa a morte do filho instigada por terceiro. Para ele, esta incorreria no crime de homicídio, em co-participação . Conclui ele que aí incorreria uma grande inversão, uma vez que a mãe se despiria do privilégio de incorrer no devido crime de infanticídio.
Há de se questionar se na hipótese de Aníbal Bruno, existiria o estado puerperal. A mulher no estado puerperal necessitaria de instigação? E por outro lado, a mulher fora do estado puerperal praticaria o crime de infanticídio? Entende-se que não e por um simples e contundente motivo, trata-se de elementar do crime. Com a simples instigação, já não seria afastada em definitivo, a existência do estado puerperal causador do fato?
O que se entende na contraposição dos diversos entendimentos doutrinários é que existe uma convergência essencial de todos, materialmente falando, no entendimento de que os auspícios da lei ao terceiro participante na morte de uma criança, em colaboração com a mãe em estado puerperal não teria razão de ser, caso assim a lei não determinasse.
Em outra mão, poderia se até atentar para uma possível necessidade de prática de socorro, nos casos em que a lei determina, ou seja, no caso específico, condição decorrente de lei ou de profissão. Nessa linha de pensamento, caberia até um questionamento: qual seria a possibilidade de gratidão dessa mãe, quando curada dos males decorrentes do estado puerperal, caso a pessoa, ao invés de colaborar na execução, a impedisse de praticar o crime?
Mas voltemos ao foco principal da questão. Como vinha sendo discorrido, os dois pólos na discussão se harmonizam quanto à incoerência da lei, quando esta privilegia o agente participante no infanticídio. A divergência persiste no tocante ao mandamento legal e a teoria monista.
A lei deve servir à sociedade e é elaborada por esta. É, no mínimo, irracional, conceber a possibilidade de se omitir face à justiça e à devida proteção a bens e pessoas, principalmente pessoas, em decorrência de leis criadas pela mesma sociedade que delas discordam e que engessam os ideais de justiça e proteção do indivíduo.
Caminhos para se sanar cabalmente tal questão existem. É inconcebível o entendimento de ocorrência de dois crimes, a saber, de infanticídio por parte da mulher e de homicídio por parte do terceiro, no mesmo fato? Independente do entendimento, a questão persiste na seara da técnica.
O que não pode ocorrer ao nosso ver, é uma atenuante semelhante a uma semi-imputabilidade concedida à mulher que, em decorrência de um estado de saúde, é afetada em sua capacidade de discernimento ser estendida a um terceiro em pleno uso de suas faculdades mentais, com pleno entendimento da prática de homicídio de uma criança. Isso seria semelhante, em essência, a concessão de atenuante de pena a quem ajudasse um semi imputável a praticar um homicídio. A causa de tal concessão é uma situação individual.
Não obstamos à obediência do princípio monista estabelecido pelo Código Penal Brasileiro. Somente se constata aqui, com estranheza, o engessamento de uma situação que todos comungam de sua falta de lógica, quando podem ser operadas adequações nessa mesma lei.
BIBLIOGRAFIA
JESUS, Damásio Evangelista de. DIREITO PENAL - Editora Saraiva 2005
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. CRIMES CONTRA A PESSOA., Editora Forense, 2ª Edição. Revisada. Rio de Janeiro, 1972.
BITENCOURT, Cezar Roberto, MANUAL DE DIREITO PENAL: parte especial / Cézar Roberto Bitencourt. --: São Paulo, Saraiva, 2001.
VADE MECUM, OBRA COLETIVA de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Cúria, Lívia Céspedes e Juliana Nicolett. – 3ª ed. Atual. E ampl. – São Paulo : Saraiva. 2012.