1.INTRODUÇÃO

A crítica, em geral, às condições do ensino no Brasil é pública e notória. Todos os meios de comunicação – vez ou outra – publicam ou irradiam matéria a respeito da situação caótica em que se encontram alunos e professores.

Especificamente em relação ao ensino superior, as críticas abordam duas vertentes: a falta de formação nos graus que antecedem ao ensino superior e as mazelas deste próprio.

Contudo, uma lacuna parece ser comum a todos os graus de ensino: a capacidade de compreender uma leitura num sentido mais amplo; a habilidade de estabelecer relações entre os diversos elementos de um mesmo texto; enfim, a competência de ler proeficientemente.

Vários educadores identificaram esta dinâmica e desenvolveram uma série de ponderações, que reunidas, passaram a chamar-se de estudo da interdisciplinariedade. Mas, entre a identificação do problema e as soluções préticas, há um longo e, por quê não?, tortuoso caminho.

A questão da interdisciplinariedade é um tanto semelhante à situação vivida pelas empresas brasileiras no início da década de 90, quando surgiram os primeiros programas de qualificação para a norma ISO-9000. Na época, muitos empresários se perguntavam como atender a algumas exigências da norma, principalmente no que tangia à conscientização dos funcionários a respeito da política de qualidade da empresa. Isto seria fácil se considerados os funcionários de nível médio ou de nível superior. Mas o que dizer dos semi-analfabetos, iletrados, com pouquíssimo grau de cultura? Guardadas as devidas proporções, o educador moderno também se pergunta como trabalhar interdisciplinarmente com alunos que muitas vezes chegam ao ensino superior com um grau baixíssimo de leitura (entenda-se como leitura não só o ato propriamente dito, mas o que foi definido, acima, como leitura proeficiente).

O objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões de como tal objetivo poderia ser alcançado.

2. UM OLHAR INTERDISCIPLINAR

Hugo Assmann (1), com muita propriedade, traça um panorama do contexto em que a sociedade moderna está imersa nas mais variadas fontes de informação. Nunca, na história do homem, houve tantas fontes, tantas referências, tantas motivações tecnológicas que trazem uma quantidade de informação jamais vista. Esta situação cria o que Assmann classifica de "info-ricos" e "info-pobres", na medida que possuam acesso maior ou menor a esta Sociedade da Informação. Discute, ainda, a respeito das organizações modernas que são vertentes na dinâmica de integração das pessoas, afirmando que a equação "educação/empregabilidade/superação" deve se pautar nas prioridades sociais.

Rasco (2) aborda a experiência científica como um motor de desenvolvimento social, evocando filósofos como Comte, Max Weber e Habermas. Afirma que o mundo social é reflexo da atividade de um mundo racional e que este mundo é renovável com dinâmicas oriundas da economia, da indústria, da política e da própria educação. Conclui que a universidade sempre esteve próxima da inovação, contudo observa que houve um distanciamento entre universidade e sociedade, no que concerne aos processos de discussão e questionamentos da própria cultura.

Já a professora Lucarelli (3) estabelece uma série de relações entre a atividade docente e a formação pedagógica do professor, num determinismo do que pode estar ocorrendo com o ensino superior no Brasil.

E assim poderiam ser citados vários outros especialistas que, em geral, procuram demonstrar a necessidade de se resgatar a prática docente com o objetivo de orientar os alunos numa empreitada mais acertada pelo curso superior. Pode-se inferir que há um consenso no sentido de buscar maior qualidade para o ensino superior. E é a partir deste ponto que caberiam algumas considerações.

"Qualidade é a adequação ao uso. É a conformidade às exigências." (4). Esta definição técnica é estabelecida pela ISSO – International Standardization Organization, com sede na Suíça e que estabelece normas de utilização mundial (sendo as mesmas homologadas, em cada país associado, pelos órgãos de normatização dos mesmos – no Brasil, a ABNT). Uma definição um pouco mais abrangente poderia ser dada por Júlio Lobos quando afirma que"Qualidade tem a haver , primordialmente, com o processo pelo qual os produtos ou serviços são materializados. Se o processo for bem realizado, um bom produto final advirá naturalmente. A Qualidade reside no que se faz – aliás – em tudo o que se faz – e não apenas no que se tem como conseqüência disso"(5 – p.14). Em relação ao ensino superior é evidente que uma melhora geral forçosamente passaria pela melhoria de cada etapa do desenvolvimento do ensino, ou seja, uma valorização dos processos. Se o tempo de aula é curto, valorize-se a atividade desenvolvida! se o aluno não é capaz de desenvolver inferências, façam-se exercícios para que os mesmos aprendam! Contudo, esta valorização dos processos é um desafio comum à implantação da qualidade em qualquer setor, seja corporativo, governamental ou educacional. No ensino superior esta questão pode gerar preocupações no que concerne ao conteúdo programático. Ou seja, como conciliar a carga de conhecimento recomendada para o aluno naquele período com a sua necessidade de exercitar-se mais rumo a uma leitura proeficiente? Não há fórmulas prontas, mas a experiência adquirida na implantação da qualidade em outras organizações pode ensejar algumas reflexões.

Apesar de toda a importância da estrutura educacional , desde as grandes diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação e Cultura, até a organização da instituição escolar – suas regras, normas e princípios – é inegável que a experiência mais intensa é aquela obtida no "front", ou seja, diretamente das relações aluno-professor. É realmente na linha de frente que a guerraassume seus contornos mais dramáticos. Mas esta situação não é diferente da encontrada em organizações de outros segmentos – obviamente guardadas as devidas proporções. Júlio Lobos procura ilustrar esta dinâmica afirmando"Qualquer pessoa com vivência de fábrica sabe que, quanto a seu funcionamento, gerentes – e até mesmo diretores – não fazem muita diferença. Numa obra de construção civil acontece coisa parecida com os engenheiros responsáveis. Em todos esses casos, quem 'toca'o negócio pra frente, na prática, são sempre os supervisores, mestres-de-obras ou líderes, ou seja, aqueles que comandam diretamente as equipes de trabalho. Eles podem decretar o sucesso (ou o fracasso) de uma campanha de contenção de despesas, impedir (ou facilitar) a deflagração de uma greve, esclarecer (ou deturpar) as informações que a direção da empresa deseja transmitir a todos os trabalhadores, etc."(5 – p.41).

 

3.CONCLUSÃO

A verdadeira melhoria do ensino superior parece passar pela conscientização daqueles que fazem do ensino um sucesso ou um fracasso. A competência da interdisciplinariedade precisa ser desenvolvida e praticada e somente com a "cumplicidade" do aluno e do professor isto parece ser possível, pois ambos estão envolvidos no processo e o esforço de avançar neste sentido parece ser inócuo se não for conjunto.

A essência deste desafio, que é conciliar a necessidade de aprender melhor, estabelecer relações, fazer inferências e conquistar um conhecimento sólido e uma capacidade crítica, e, ao mesmo tempo, atender às diretrizes do ensino, precisa ser compreendida e compartilhada por professores e alunos, a tal ponto que ambos consigam buscar os caminhos que melhor atinjam estes objetivos. Foi assim, também, com as implantações da ISO-9000: cada empresa buscou caminhos diferentes – posto que todos os envolvidos também são diferentes, no que se refere a segmento empresarial, corpo funcional, etc. – mas, um detalhe foi comum a todos: A PERCEPÇÃO DE UMA RESPONSABILIDADE INTRANSFERÍVEL DE CADA UMA DAS PARTES. Quando as partes se conscientizam disto, o trabalho flui, superando obstáculos que pareciam intransponíveis.

Eugênio Musak afirma que "Vivemos em um país cuja educação tem recebido atenção só há muito pouco tempo e, ainda assim, carregada de alguns vícios que dificultam ações efetivas, eficientes, de qualidade." (6).

Ora, é necessário – alunos e professores – apropriarem-se desta realidade, arregaçarem as mangas e...Comprometerem-se com o interdisciplinar... Talvez seja a receita para mudanças definitivas no ensino superior do Brasil.

4. REFERÊNCIAS

( 1 ) ASSMANN, Hugo. Sociedade aprendente e sensibilidade solidária. IN: Reencantar aeducação: rumo à sociedade aprendente. 2ª. Ed. São Paulo: Vozes, 1998.

( 2) RASCO, José Félix Ângelo. "Inovação, universidade e sociedade". IN: CASTANHO, Sérgio e CASTANHO, Maria Eugênia L.M. (Orgs). O que há de novo na educação superior:do projeto pedagógico à prética transformadora. Campinas,SP: Papirus, 2000.

( 3 ) LUCARELLI, Elisa. "Um desafio institucional, inovação e formação pedagógica do docente universitário". IN: CASTANHO, Sérgio e CASTANHO, Maria Eugênia L.M. (Orgs). O que há de novo na educação superior:do projeto pedagógico à prética transformadora. Campinas,SP: Papirus, 2000.

( 4 ) ROTHERY, Brian.ISO 9000. São Paulo: Makron Books,1993.p.13.

( 5 )LOBOS, Júlio. Qualidade através das pessoas. São Paulo: J.Lobos, 1991.

( 6 ) MUSSAK, Eugenio. Metacompetência: uma nova visão do trabalho e da realização pessoal.6ª. Ed. São Paulo: Editora Gente, 2003.p. 72.