Introdução: As normas de direito interno e sua autolimitação de poder

Não existe uma ordem supranacional que seja capaz de centralizar as decisões e de impor uma limitação de poder a cada um dos Estados, portanto cada um destes é que estabelece os limites de sua chamada Competência Internacional.

Em comentário muito acertado observa Carnelutti que a jurisdição, do ponto de vista lógico, não tem limites. O sistema de um país pode pretender julgar quaisquer causas que sejam propostas perante os seus juízes, sem se importar com a nacionalidade ou domicilio dos demandantes, a natureza do direito discutido, o local onde está o bem, o lugar onde ocorreram os fatos que a originou, ou aquele em que vai ser executada a obrigação. [1]

Esta será o tema deste trabalho, que, segundo Cândido Rangel Dinamarco, os Estados não fazem por altruísmo ou em busca das boas relações internacionais, mas sim por três razões, que segundo ele são:

a)   A impossibilidade ou grande dificuldade para cumprir em território estrangeiro certas decisões dos juízes nacionais;

 b)   A irrelevância de muitos conflitos em face dos interesses que ao Estado compete preservar; e

 c)   A conveniência política de manter certos padrões de recíproco respeito em relação a outros Estados.

 Afirma ainda Cândido Rangel, citando Gaetano Morelli, que a conveniência do exercício da jurisdição e a viabilidade da efetivação de seus resultados são os critérios fundamentais norteadores das normas de direito interno sobre a competência internacional.

Veja que há um critério puramente político no contexto internacional da atribuição de competência dos juízes dos diversos países. Isso, pois o Estado, ema uma realidade política, compõem-se de território (aspecto físico), população (reunião das pessoas que estão sob seu poder e tutela) e instituições políticas (o conjunto de normas positivadoras do poder sobre o território e população). Logo o interesse em atuar a jurisdição, esta sendo uma expressão do poder estatal, concentra-se sobre os três elementos constitutivos do Estado.

Assim existem questões que podem ser examinadas pela justiça brasileira – para as quais ela tem jurisdição – e questões que não podem em regra que não nos dizem respeito, competindo às leis estabelecer o que está no âmbito de nossa jurisdição, e o que não está, ou seja, como dito anteriormente, inexiste um órgão universal que distinga o que todos os pais podem ou não julgar, cumprindo a legislação de cada qual estabelecer a extensão da jurisdição de cada país.

Importante saber que existem várias técnicas legislativas que são empregadas para a definição do âmbito da jurisdição nacional no plano internacional.

No plano internacional podemos observar as seguintes lições de Celso Barbi: “(...) Os Estados preferem determinar as questões que devam ser sujeitas aos seus juízes segundo critérios que a experiência jurídica fornece; e, por questões de conveniência, aceitam, às vezes, a validade de sentenças proferidas por juízes de outros Estados, ou mandam seus próprios tribunais aplicarem normas de processo estabelecidas em leis estrangeiras. Tudo isto com a finalidade de dar tratamento adequado a demandas que interessem à sua ordem jurídica, mas que também podem interessar à de outras nações. As normas que editar para esse fim são de direito público interno e pertencem ao chamado direito processual civil internacional.”[2]

O nosso Código de Processo Civil indica de modo explícito e direto as hipóteses de competência exclusiva do juiz brasileiro (art.89) e as que são de sua competência em concurso com possível competência de juiz de outro Estado (art. 88). Assim no Brasil se adota o sistema direto, entretanto, nosso sistema não chega a apontar as exclusões explicitas, como quando aponta os casos de competência concorrente do juiz brasileiro, no art.88 do CPC, mas não diz qual a competência exclusiva de outros países.

As exclusões

Em geral as legislações costumam definir os casos em que a jurisdição do país é exclusiva, o que significa que eventual sentença ou qualquer determinação proferida em outro Estado não será exeqüível no território nacional. Esta ação é ma afirmação da soberania de cada Estado, ao reservar para se o poder de definir situações e solucionar conflitos referentes a certos bens.

Aqui no Brasil, o STJ negará homologação a sentenças estrangeiras que tenham invadido a esfera de competência exclusiva do juiz brasileiro (CPC, arts. 89 e 483; CF, art. 105, I, i; LINDB, art. 15, a), o que significa que não terá nenhuma utilidade esta sentença.

O conhecimento deste fato leva os Estados em geral a se absterem de exercer a sua jurisdição às causas definidas pela lei estrangeira como de competência exclusiva dos juízes de seu país.

Existem certos motivos que levam a exclusão da competência internacional da autoridade judiciária de um país, são estes:

- Exclusão por inviabilidade de execução;

- Exclusão por desinteresse, utilizando-se o critério do interesse na solução de conflitos, em que pauta-se o direito interno, estabelecendo a competência de seus juízes somente para os litígios que possam interferir de alguma maneira em sua própria ordem pública, pois “não haveria porque um Estado pretender atuar seu poder com o objetivo de proporcionar a paz social no âmbito de outro Estado.” [3]

 - Há também regras de boa convivência internacional que aconselham que o Estado vá além ao respeito á soberania alheia, se abstendo de exercer jurisdição sobre bens e interesses de outros Estados soberanos, de seus agente diplomáticos e certas entidades internacionais, como a ONU e o Mercosul. Estas são as imunidades à jurisdição (limitações internacionais ao exercício da jurisdição de um Estado), pautadas sempre segundo o critério de reciprocidade (cada Estado renuncia à competência de seus juízes também nessa medida). Há, entretanto, a exclusão dessa imunidade, sendo legítimo o exercício da jurisdição nacional para causas relacionadas com imóveis situados no país; com atividades profissionais aqui exercidas pelo agente diplomático (comércio, profissões liberais, etc.) ou quando o agente diplomático for cidadão brasileiro.

Sentença Estrangeira e sua Homologação

Como já mencionado, a jurisdição constitui a manifestação do poder de um Estado, logo, as sentenças estrangeiras são a emanação de um poder soberano externo. Por este motivo, elas não podem ter força coativa entre nós, nem podem aqui produzir efeitos sem que haja a manifestação da autoridade judiciária brasileira, autorizando o seu cumprimento, está é uma exigência que diz respeito à soberania nacional: somente a justiça brasileira pode decidir quais as sentenças estrangeiras que podem ou não ser executadas no Brasil.

O mecanismo pelo qual a autoridade outorga eficácia à sentença estrangeira, fazendo com que a mesma possa ser executada no Brasil, denomina-se Homologação de Sentença Estrangeira, que hoje (antes cabia ao STF, sendo alterada com a edição da EC. 45/2004) é de competência do STJ (art.105, I, i, da CF). Vejamos:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Sem a homologação a sentença é absolutamente ineficaz, independente do seu transito em julgado no exterior, ela não produzirá efeito nenhum.

Somente após a homologação ela se tornará eficaz. Os requisitos e o procedimento vêm regulamentados na Resolução 9, de 4 de maio de 2005, do STJ.

O art. 89 do CPC estabelece quais são as causas de competência exclusiva da justiça brasileira, logo, quando ocorrer de ser levada à homologação uma sentença estrangeira versando sobre que tão de competência nacional exclusiva, será indeferida pretensão, da mesma forma se ela tiver sido prolatada por tribunal de exceção, dada a vedação constitucional.

O procedimento da homologação começa com a apresentação do pedido dirigido ao Presidente do STJ, ele mandará citar os interessados, por carta de ordem, quando domiciliados no Brasil; carta rogatória, quando domiciliados no exterior, ou por edital, quando em local desconhecido ou inacessível.

O pedido poderá ser contestado no prazo de 15 dias, mas evidentemente, não se poderá contestar aquilo que já foi decidido com trânsito em julgado pela justiça estrangeira. O Ministério Público será ouvido no prazo de dez dias. Se houver impugnação, o Presidente encaminhara o processo a julgamento da Corte Especial do STJ, cabendo ao relator instruir o pedido como for necessário. Se não houver, o Presidente examinará o pedido, cabendo recurso, o agravo regimental de sua decisão para a Corte Especial.

Após a homologação, a sentença estrangeira se tornará eficaz no Brasil, podendo ser executada, e gerando os efeitos da litispendência e coisa julgada. A sentença homologada é titulo executivo judicial (art. 475-N, VI do CPC) e deverá ser executada não perante o STJ, mas perante o juízo federal competente.

São requisitos indispensáveis para a homologação de sentença estrangeira no Brasil:

a)   Que tenha a sentença sido proferida por autoridade competente;

 b)   Terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia, faz se necessário que no processo estrangeiro onde foi prolatada a sentença, se tenha respeitado o contraditório;

 c)   Ter transitado em julgado. Só são homologáveis as sentenças definitivas, contra as quais não caiba mais recurso;

 d)  Estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

Importante saber que, é necessário um advogado para ingressar com o processo no STJ, pois como qualquer processo judicial, o processo de homologação de sentença estrangeira necessita ser feito por meio de uma petição assinada por advogado com registro profissional na Ordem dos Advogados do Brasil.

Competência Internacional Exclusiva

Uma vez tratada à base da competência internacional, passemos a uma análise da competência internacional exclusiva. Esta, conforme consta no art. 89 do nosso Código de Processo Civil, faz com que somente o juiz brasileiro seja competente nas causas mencionadas em seus incisos I e II, quais sejam:

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Assim, como ensina Cândido Rangel, nos casos supramencionados, a competência do magistrado brasileiro é exclusiva, impedindo a eficácia de julgados prolatados no exterior. E a homologação de sentença estrangeira que verse sobre quaisquer assuntos tratados na referida norma torna-se impossível, conforme já ressaltado.

Dinamarco ainda afirma que há o condicionamento da competência internacional do juiz brasileiro pelos requisitos dos arts. 88 e 89, bem como pelo requisito notadamente negativo, que seria a inexistência de lei no país em que se quer cumprir a sentença.

Ou seja, as delimitações do art. 89, antes de tudo, tem um caráter notoriamente estatal, pois foram elencadas no diploma legal a fim de atender os principais interesses do Estado. Dinamarco ainda cita como exemplo o emprego de sentença estrangeira que verse sobre imóveis situados em nosso território, que levaria a uma mutilação em nosso país. Independente se a demanda tiver tratando de um direito real ou pessoal, se versar sobre imóveis situados no Brasil, nossa lei explicitamente delimita como competência de nossos magistrados julgá-la, e somente ele.

O mesmo ocorre com os inventários e a partilha, cujo julgamento independe, inclusive, da nacionalidade do de cujus, levando somente em consideração se os bens objetos dos referidos procedimentos estão situados em solo brasileiro. Sendo tal condição atendida, a competência fica exclusivamente voltada ao juiz de nosso país.

Vale ressaltar que, sendo a incompetência internacional reconhecida no caso concreto, estando ele em julgamento perante determinada vara brasileira, conforme ensina Marcus Vinicius Rios Gonçalves, o processo será julgado extinto sem solução do mérito - diferente dos casos de reconhecimento de incompetência do juízo dentro do território nacional, em que haverá a remessa dos autos a uma vara competente sem prejuízos para o mérito da ação. [4]

No que concerne ao inciso do art. 89, o qual versa sobre o procedimento exclusivo do magistrado brasileiro em julgar casos referentes a inventário e partilha de bens situados em nosso território, Rios Gonçalves afirma que a lei, mesmo se dirigindo ao inventário, a regra se estende, por analogia, aos arrolamentos sumários e comuns.

Aliás, afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que a exclusividade da jurisdição de nossos julgadores, para proferir sentenças sobre imóveis em nossa delimitação territorial, já era prevista na Lei de Introdução ao Código Civil, posteriormente denominado Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, na qual, em seu parágrafo segundo do art. 12, já regulava a referida questão de competência exclusivamente voltada aos magistrados do Brasil.

 Inclusive, os mesmos autores aduzem ser impossível alterar este dispositivo doutrinário de nosso ordenamento jurídico, mesmo se as partes convencionarem diferente disso. Ou seja, é uma competência de caráter inderrogável, sendo tal posição, ainda de acordo com os mesmos autores, igual ao adotado pelo Código Modelo de Cooperação Inter jurisdicional para Ibero-América, em seu art. 8o.

Competência Internacional Concorrente

Trataremos adiante sobre a Competência Internacional do tipo concorrente, ou seja, da competência onde não se exclui o juiz estrangeiro, para isso analisaremos em primeiro lugar o dispositivo legal que versa sobre essa matéria, o art. 88 do nosso Código de Processo Civil.

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Diante disto, em todas as hipóteses acima referidas, pode-se tanto instaurar a ação no Brasil, deixando a cargo de julgamento de um juiz pátrio, como ser instaurada em um país estrangeiro deixando a cargo do juiz de onde for à ação demandada.

Importante mencionar que nestes casos, poderão os interessados propor a ação em território nacional como estrangeiro ao mesmo tempo, pois conforme dita o art. 90 do mesmo diploma legal, nestes casos não ocorrerá litispendência. Vejamos:

Art. 90. A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que Ihe são conexas.

Vejamos assim as lições de Luiz Rodrigues Wambier: “(...) O fato de certa ação estar em curso em país estrangeiro, nos casos de que acima se falou, não impende impede que a mesma ação seja intentada perante autoridade judiciaria brasileira, tendo validade a sentença que transitar em julgado em primeiro lugar. No que diz respeito à sentença estrangeira, esta só terá eficácia no Brasil quando for homologada pelo STJ”.[5]

Para que a sentença estrangeira seja aceita em nosso ordenamento jurídico terá ainda que preencher certos requisitos como bem elucida Celso Agrícola Barbi: “A sentença proferida em Estado estrangeiro é válida no Brasil; naturalmente, é preciso que ela se revista de certos requisitos, previstos nos arts. 15 e 17 da Lei nº 4.657 (hoje tratados na Lei 12.376/2010), isto é, houver sido proferida por juiz competente segundo a lei do país de origem, terem sido as partes citadas, ou haver-se legalmente verificado a revelia, ter passado em julgado e ser exequível no lugar onde proferida, não ofender a soberania brasileira, a ordem e os bons costumes”.[6] Estes requisitos estão previstos na Resolução 9, de 4 de maio de 2005, do STJ.



[1] CARNELUTTI, Limiti della giurisdizione del giudice italiano, Revista de processo civil, 1931, pag. 218 e segs.

[2] BARBI, Celso Agrícola; Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1 – 10ª edição; Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, pag. 294

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel; Instituições de Direito Processual Civil, vol. I – 6ª edição. revista e atualizada; São Paulo: Ed. Malheiros Editoriais, 2009. pág.345.

[4] GONÇALVEZ, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado – 2ª edição. Revista e atualizada; São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, pag. 65 e 66.

[5] WAMBIER, Luiz Rodrigues e Eduardo Talamini. Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1 – 11ª edição; São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, pag. 120.

[6] BARBI, Celso Agrícola; Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1 – 10ª edição; Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, pag. 295 e 296.