STJ DECIDE: JUIZADOS ESPECIAIS TÊM COMPETÊNCIA PARA CAUSAS ACIMA DE 40 SALÁRIOS MINIMOS


Há um dogma que envolve a competência do JESP. Não apenas os leigos, mas muitos operadores do direito e até mesmo aplicadores do direito ? leiam-se, juizes ? entendem que a competência dos Juizados Especiais Cíveis é limitada pelo valor de 40 salários mínimos, hoje R$ 21.800,00. Desde a implementação da Lei 9.099/95, que normatiza este seguimento do Poder Judiciário, jurisprudências esparsas e doutrinadores se manifestam contra esse entendimento equivocado e minimalista.
A extinta Lei 7.244/84, trazendo do direito americano um conceito moderno de acesso à justiça, implantou em nosso ordenamento o Juizado Especial de Pequenas Causas. Nesta lei a competência destas Casas restringia-se ao limite de 20 salários mínimos por força do artigo 3º. Com o advento da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, quatro anos após a Lei dos Juizados de Pequenas Causas, novas possibilidades foram acrescentadas. O artigo 24, X da CF manteve a competência pelo valor da causa, mas o artigo 98, I acrescenta à competência dos juizados as causas de menor complexidade. E, antes dos crentes em dogmas pararem de ler este artigo, pequeno valor e menor complexidade não são cumulativos, como veremos a seguir.
Em 1995, sete anos após a Constituição, foi promulgada a Lei 9.099, regulamentando a norma constitucional sobre Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A referida Lei, revogadora da 7.244, traz também em seu artigo 3º o limite valorativo da competência ampliado agora para 40 salários mínimos, mas restringe esta competência apenas ao primeiro item do referido artigo. Os itens seguintes, com exceção do IV ? ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo ? não se restringem ao limite estipulado por valor. Referem-se estes à matéria a ser discutida. Curioso é que, mesmo com o item II do artigo 3º da Lei 9.099 fazendo remissão a texto legal que diz: nas causas, qualquer que seja o valor; e, enumera estas causas, como por exemplo, acidente de trânsito, pensadores do direito e magistrados, não entendem desta forma e restringem a competência dos Juizados aos 40 salários mínimos, em notória afronta constitucional.
No exemplo do ilustre professor e Desembargador Alexandre Freitas Câmara, não seria justo que, um acidente de trânsito entre um Fusca e uma Brasília, com dano de R$1.000,00 fosse aceito no Juizado e um envolvendo uma Ferrari e uma Maserati em valores muito superiores aos 40 salários mínimos fosse excluído da seara deste rito celere.
Quisesse o legislador restringir a competência dos Juizados aos 40 salários mínimos, teria feito como na Lei dos Juizados Especiais Federais, que, também no artigo 3º, limita a competência de forma exclusiva ao valor de 60 salários mínimos, assim como ocorre na Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, artigo 2º.
Atualmente, doutrina e jurisprudência do Tribunais têm se pacificado no adequado entendimento das competências ratione valorem e ratione mateirae do JESP, a segunda, excluída pelos crentes em dogmas, que valorizam meias verdades, pessoas que interpretam o direito em tiras, que não lêem o texto jurídico até o final e, se o lêem, não têm o discernimento necessário para perceber sua amplitude.
Em 13 de outubro de 2010, esse adequado entendimento recebeu apoio consistente na seara jurisprudencial. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça ? STJ ? julgou Recurso Ordinário e decidiu que: O art. 3º da Lei 9.099/95 adota dois critérios distintos ? quantitativo (valor econômico da pretensão) e qualitativo (matéria envolvida) ? para definir o que são "causas cíveis de menor complexidade". Exige-se a presença de apenas um desses requisitos e não a sua cumulação, salvo na hipótese do art. 3º, IV, da Lei 9.099/95. Assim, em regra, o limite de 40 salários mínimos não se aplica quando a competência dos Juizados Especiais Cíveis é fixada com base na matéria.
Salienta-se que a decisão foi unânime da Terceira Turma do STJ, entendendo pela possibilidade da condenação de R$100.000,00 por acidente de trânsito e respondendo vários outros temas polêmicos, como o caso a possibilidade de perícia nos Juizados Especiais.
Certamente, os juizes de nossa cidade, estudiosos das novas vertentes jurídicas, estão preparados e atualizados para o adequado e modernamente fundamentado entendimento da norma em questão.
De Brasília para o resto do Brasil há uma longa distância, mas, muito em breve, as decisões judiciais contrárias a este entendimento constitucional serão raras e os cidadãos não terão mais seus direitos mitigados.


Lúcio Corrêa Cassilla
Advogado e Pedagogo
www.cassillaadvocacia.com
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