COMPETÊNCIA DO DETRAN PARA REGISTRAR CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS – NECESSIDADE DE LEI AUTOTIZATIVA

         

EMÍLIA TEIXEIRA LIMA EUFRASIO[1]

 

Conforme disposto no artigo 1.361 do Código Civil/ 2002, incumbe à repartição competente para o licenciamento a competência para o registro da propriedade fiduciária de veículos, a saber:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. (www.planalto.gov.br)

 

          Perante a regulamentação promovida pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, qual seja, a Resolução nº 320/2009, vê-se que os contratos de veículos com alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de compra e venda com reserva de domínio ou de penhor deverão ser registrados no órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal em que for registrado e licenciado o veículo.

Nesse trilhar, importante registrar que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece que:

Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

X - credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN; (www.denatran.gov.br)(Sem grifos no original).

 

Destarte, conclui-se que o artigo 1.361 do Código Civil de 2002, a Lei Federal nº 11.882 de 23 de dezembro de 2008, o art. 22 do Código de Trânsito Brasileiro e a Resolução 320 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) disciplinaram o registro dos contratos de financiamento junto aos DETRANS, obrigando, nos termos da Constituição Federal, a outorga da execução de referidos serviços a terceiros contratados na forma da lei (através de licitação).

          Não resta dúvida de que compete aos DETRANS toda a gerência sobre os contratos de financiamento de veículos com cláusula de alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de compra e venda com reserva de domínio ou de penhor, tal como exposto na legislação competente. Referida gerência pelo DETRAN proporciona segurança jurídica para as partes contratantes, bem como centraliza a competência para o registro do contrato e do veículo no mesmo órgão.

 

DA OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO POR LICITAÇÃO

Inicialmente importante ressaltar que a licitação é regida pela Lei 8.666/1993, que estabelece e institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e apresenta outras providências.

O conceituado doutrinador Hely Lopes Meireles entende que licitação é o procedimento administrativo pelo qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Sustenta que como procedimento, esta se desenvolve através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, propiciando igual oportunidade a todos os interessados.[2]

De modo geral, entende-se por licitação o método administrativo, de observância obrigatória pelas entidades governamentais, pelo qual a Administração Pública torna público aos interessados habilitados a possibilidade de contratar com a Administração, desde que observados os parâmetros legais vigentes.

Os artigos 37, inciso XXI, e 175, caput, da Constituição Federal/1988, determinam que nos momentos em que o Poder Público carecer de convencionar com a iniciativa privada determinada prestação de serviços, o fará através de licitação, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (www.planalto.gov.br) (Sem grifos no original).

E mais,

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos (www.planalto.gov.br) (Sem grifos no original).

 

          Os dispositivos acima elencados são regra geral. Portanto obrigatórios para a contração de obras, serviços, compras e alienações.  É a forma pela qual a Administração Pública poderá selecionar e aceitar a proposta mais conveniente, tendo por fito preservar os interesses público-coletivos.

A lei 8.666/93, por sua vez, determina que sejam necessariamente precedidas de licitação as contratações com terceiros de: obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações.

          Nesse sentido, Alexandrino e Paulo lecionam que:

No caso das licitações prévias à celebração de contratos de concessão e de permissão de serviços públicos, entretanto, existe regra específica, vazada no artigo 175 da Carta Política. Segundo a literalidade desse preceito constitucional, as concessões e permissões de serviço público devem sempre ser precedidas de licitação. Assim sendo, não tem aplicação às concessões e permissões de serviço público quaisquer normas legais que legitimem celebração de contratos administrativos sem licitação prévia, a exemplo dos arts. 24 e 25 da Lei 8.666/1993.[3]

         

Já Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que, in verbis:

É a própria Constituição que a impõe - a licitação – no artigo 37, XXI, cujos termos são os seguintes: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis á garantia do cumprimento das obrigações”. Tal dispositivo contém comandos que, (...), introduzem importantes balizamentos a quaisquer normas infraconstitucionais que regulem licitação e contratos administrativos no país.[4]

 

          Sendo assim, temos que a Constituição Federal determina que, salvo em casos especificados em lei, é obrigatório realizar licitação. Através do art. 37, inciso XXI, a Constituição Federal acrescentou aos demais princípios administrativos o Princípio da Obrigatoriedade de Licitação. A finalidade da norma em comento é inibir qualquer ultraje à gestão pública.

          A licitação tem por escopo garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais proveitosa para a Administração Pública, de maneira a assegurar oportunidade igual a todos os interessados e possibilitar o comparecimento de vários concorrentes ao certame.

          Partindo do exposto no tópico anterior (competência do DETRAN para registrar contratos de arrendamento), tem-se que o serviço a ser contratado por referido órgão não é inerente das atividades precípuas do mesmo. Deste modo, os serviços dispostos no artigo 2º da Resolução 320/CONTRAN (alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de compra e venda com reserva de domínio ou de penhor) deverão ser licitados, para que empresas privadas possam oferecer propostas vantajosas e convenientes à Administração Pública.

          Cumpre acentuar que se mencionados serviços forem prestados por particulares, ou seja, de forma indireta, será conferida à Administração Pública maior eficiência na execução dos serviços, menor custo, celeridade, dentre outras vantagens que o processo licitatório proporciona, tudo no intuito de atender os interesses coletivos.

          Deste modo, os DETRANs têm que considerar o processo licitatório como o meio legal mais eficiente para a prestação do serviço contido na Resolução 320/CONTRAN, quanto ao registro dos contratos de financiamento de veículos.

          Confira-se, a propósito, a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AOS TRIBUNAIS DE CONTAS MUNICIPAL E ESTADUAL. VÍCIO DE ATO ADMINISTRATIVO. INCOMPETÊNCIA PARA CELEBRAÇÃO DE CONTRATO EM NOME DE ENTE PÚBLICO DIVERSO. LEGITIMIDADE DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE. AUTOTUTELA. REGIME JURÍDICO DE DIREITO PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO. AUTONOMIA DE VONTADE. ELEMENTO ESSENCIAL DO NEGÓCIO JURÍDICO. ADJUDICAÇÃO. EXPECTATIVA DE DIREITO. NÃO OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. (RMS 31.046/BA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 13/10/2010)(www.stf.jus.br)

 

 

DESNECESSIDADE DE LEI AUTORIZATIVA PARA LICITAÇAO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

         

Em que pese a Constituição Federal dispor sobre as regras gerais para contratações pela a Administração Pública, algumas Leis vêm explicitar sobre determinados assuntos, tal como a Lei 9.074/95, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e confere outras providências.

          Mencionada Lei, precisamente em seu artigo 2º transcrito alhures, trás sério impasse quanto às contratações para concessão de serviço público pelas administrações indiretas, in casu, o DETRAN, pois condiciona as contratações à existência prévia de lei autorizativa.

          É fato que a necessidade de lei autorizativa em casos de concessões e permissões de serviço público é matéria controvertida no atual ordenamento jurídico. Há quem opine pela constitucionalidade da exigência de lei prévia, bem como existem doutrinadores e pensadores que defendem a inconstitucionalidade de referida exigência.

A Administração Pública, no exercício de suas atribuições (e quando necessário), firma contratos com terceiros qualificados para prestação de serviço público, com o propósito primordial de garantir o interesse coletivo. Trata-se, nesse caso, de ato praticado pelo poder Executivo.

Deste modo, a exigência de lei autorizativa induz a inviabilidade e complexidade de celebrar mencionados contratos, na medida em que os interesses dos contratantes estariam adstritos à vontade de órgão distinto como pressuposto para sua legitimidade.

Segundo disposto no artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”. Destarte, não há subordinação entre os poderes, mas uma cooperação de atividades administrativas.

Estabelecer que o ato do poder Executivo somente terá validade se houver lei prévia que o autorize caracteriza afronta ao princípio da separação dos poderes e agravo a independência do Poder Executivo quanto à gestão de seus atos, em especial, a gestão do contrato administrativo.

Pode-se perceber que se está diante de interferência indevida em atividade típica do Poder Executivo. Sendo assim, qualquer disposição em lei extravagante que exija tal autorização prévia há de ser considera inconstitucional.

A concessão dos serviços públicos nada mais é que forma de gestão administrativa, conseqüentemente, incapaz de se submeter a uma prévia atuação do Poder Legislativo. É de se considerar inadmissível, dentro dos parâmetros legais e constitucionais, a interferência de terceira pessoa alheia a esta relação contratual, in casu, o poder legislativo.

Nesse trilhar, cumpre registrar parte do Voto no Ministro Eros Grau, no julgamento da ADI nº 2733/ES, a saber:

A afronta ao princípio da harmonia entre os poderes é evidente, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos por este celebrados, introduzindo alterações unilaterais em contratos administrativos. Permiti-me sublinhar a circunstância de aqui aludir não a uma improvável e inconsistente “separação”--- que a doutrina atualizada sepultou há várias décadas --- mas à harmonia entre os poderes, na linha do que afirmei em meu voto na ADI n. 3.367” (ADI nº 2733 / ES. Min. Rel. Eros Grau).

 

Assim sendo, pode-se concluir que é desnecessária a existência prévia de lei que autorize o órgão administrativo a firmar contrato de concessão de serviço público, mesmo porque a exigência da mesma implicaria em afronta a Constituição Federal.

Defender a separação dos poderes, bem como a forma federativa do Estado Brasileiro é de suma importância, tanto que a própria Constituição Federal dispõe de cláusula pétrea que resguarda esse instituto:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II – (...)

III - a separação dos Poderes;

 

No caso do Detran, Autarquia integrante da administração indireta, este possui autonomia administrativa, ou seja auto-organização. Destarte, pode-se afirmar que poderá consolidar contratos de concessão de serviço público com terceiros, desde que observadas as normas legais quanto à forma de contratação (licitação), independentemente de lei autorizativa prévia que, como dito anteriormente, afronta o princípio da separação dos poderes, caso obstaculize os atos do poder Executivo.

Infere-se, pois, que condicionar atos do poder Executivo à prévia autorização do poder Legislativo ocasiona sério detrimento na estrutura do sistema, com evidente afronta ao princípio da tripartição dos poderes consagrados no artigo 2º da Constituição Federal. Tolerar mencionada afronta é permitir que o poder Legislativo se invista da competência do poder Executivo, passando até mesmo a deliberar sobre a legalidade dos atos que o atual sistema Constitucional conferiu ao Executivo.

Se a regra contida no artigo 175 da Constituição Federal para celebração de contratos de concessão dos serviços públicos é a licitação, basta que o poder Executivo atenda a este preceito legal no momento de suas contratações. Não há a necessidade de submeter seus atos ao crivo do poder Legislativo.

A lei autorizativa de que trata a Lei 9.074/95 limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe são conferidos pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder.

Nesse espeque, calham as lições do ilustre doutrinador Sergio Resende de Barros, a saber:

Como ocorre na federação para os entes federativos, igualmente na separação de poderes a competência básica de cada Poder é fixada pela ordem constitucional, integrada pelas constituições federal e estaduais e leis orgânicas municipais. Aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, compete o que a ordem constitucional lhes determina ou autoriza. Fixar competência dos Poderes constituídos, determinando-os ou autorizando-os, cabe ao Poder Constituinte no texto da constituição por ele elaborada. A ordem constitucional é que fixa as competências legislativa, executiva e judiciária.[5]

 

Destarte, se determinada lei altera ou determina o que é de competência da Constituição Federal o fazer, certo é que essa lei deva ser considerada inconstitucional, por afrontar a tripartição dos poderes.

De tal modo, verifica-se que no sistema atual de governo, o chefe do Poder Executivo ficou incumbido de estabelecer as políticas e diretrizes administrativas. Trata-se do exercício de suas funções típicas independentemente de qualquer influência de outro Poder. Esse regulamento advém do forçoso acatamento ao princípio da separação dos poderes, considerado cláusula pétrea como dito anteriormente, segundo disposto no artigo. 60, §4º, inciso III da Constituição Federal.

Vários Estados brasileiros impuseram a lei autorizativa para contratações pela Administração Pública. Ocorreu que em muitos a imposição da existência de lei prévia gerou a interposição de ações direitas de inconstitucionalidade. O importante a registrar no presente parecer é que foi declarada a inconstitucionalidade de leis Estaduais que se antepuseram às contratações por parte do Poder Executivo. Deste modo, cabe a transcrição de ementas orientadoras da inconstitucionalidade, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impugnação a três leis do Município de Santa Cruz, todas de 30 de junho de 2004, autorizativas de contratações temporárias.Violação dos artigos 8º, 19, IV e 20 da Constituição Estadual.AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70009539305, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Julgado em 01/08/2005). Constituição Estadual. (70009539305 RS. Relator: Cacildo de Andrade Xavier. Data de Julgamento: 01/08/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/10/2005).

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.Legislação que institui projetos sociais e autoriza a formação de frentes de trabalho, a contratação de mão-de-obra, por tempo determinado, para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, inciso IX, da CF/88. Inconstitucionalidade formal, em face da violação do princípio da separação dos poderes. Matéria de iniciativa privativa do Prefeito. Infração aos artigos 8º, 10, 60, II, a e d, e 82, II e VII, da Constituição Estadual.Ação julgada procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70007695539, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 04/10/2004). Constituição Estadual (70007695539 RS. Relator: Maria Berenice Dias, Data de Julgamento: 04/10/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia).

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N"2.048/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA, QUE AUTORIZA O EXECUTIVO A IMPLANTAR PROJETO PARA MELHORIA DA QUALIDADE E QUANTIDADE DE ÁGUAS - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL -VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 5", 24, § 2º, II, 25, 47, II, III, XI e XIV, 74, VI, 90, II e 144, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. AÇÃO PROCEDENTE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. A Lei Municipal, de iniciativa parlamentar,autorizou o Poder Executivo a implantar projeto para melhoria da qualidade e quantidade de águas do Município. Cuida-se de matéria tipicamente administrativa, pelo que caberia somente ao Prefeito deflagrar o respectivo processo legislativo. A iniciativa de lei que cria ou aumenta despesas é de competência exclusiva do Prefeito. Além disso, o gerenciamento dos serviços públicos municipais cabe à Administração Pública, a qual é dotada dos instrumentos e recursos para, mediante critérios de discricionariedade autorizados pela lei, analisar a conveniência e oportunidade de medidas como as que ora são discutidas. Não basta que a lei seja materialmente compatível com as normas e princípios constitucionais. Antes, deve observar as regras de competência e procedimento, de modo que a verificação de um só vício formal já é suficiente para atestar sua inconstitucionalidade". (994092262247 SP. Relator: Artur Marques. Data de Julgamento: 10/03/2010, Órgão Especial, Data de Publicação: 05/04/2010).

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR, VETADA PELO PREFEITO E COM VETO REJEITADO PELA CÂMARA, QUE A PROMULGA - INVASÃO DA ESFERA DE ATRIBUIÇÕES DO CHEFE DO EXECUTIVO - VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES- INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O PREFEITO A INSTITUIR SERVIÇO SOCIAL NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI AUTORIZATIVA - COMANDO NA VERDADE PROVIDO DE FORÇA COGENTE - INVASÃO DE ATRIBUIÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO - PREVISÃO DE DESPESA SEM PROVISÃO E SEM INDICAÇÃO DOS RECURSOS VULNERAÇÃO DOS ARTIGOS 5o, 25, 47, II, 144, 174, II E III E 176, I, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA2547II144174176CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. (685402320118260000 SP. 0068540-23.2011.8.26.0000, Relator: Renato Nalini. Data de Julgamento: 24/08/2011, Órgão Especial, Data de Publicação: 31/08/2011)

 

Lei nº 6.503, de 8 de junho de 2009, do Município de Guarulhos (A instituição do programa de ensino de música nas escolas municipais de educação infantil, de ensino fundamental, de educação especial e de educação de jovens e adultos). Arts. 3º e 6º do Diploma. Arguição de inconstitucionalidade: vício de iniciativa, falta de indicação dos recursos disponíveis e afronta ao princípio da independência e harmonia dos Poderes.Criação de prestação de serviço, cargos e faixas remuneratórias. Iniciativa exclusiva do Executivo. Vício de iniciativa configurado (art. 61, § Io, II, a, da CF, e número T,do § 2º, do art. 24, c.c. o art. 144, ambos da CE). Falta da indicação de recursos disponíveis para atender aos novos encargos criados. Violação ao art. 25 da Constituição Estadual.Afronta ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (art. 5º da CE). Lei "autorizativa" que não pode frustrar preceitos constitucionais. Ação direta de inconstitucionalidade: causa petendi e petitum abertos. Inconstitucionalidade que atinge todo o Diploma, não se limitando aos artigos vestibularmente invocados. Ação procedente. Constituição Estadual. (3781740420108260000 SP 0378174-04.2010.8.26.0000, Relator: Luiz Pantaleão. Data de Julgamento: 16/11/2011, Órgão Especial, Data de Publicação: 07/12/2011)

 

Por fim, compreende-se que qualquer legislação infraconstitucional que disponha sobre a necessidade de lei autorizativa prévia aos contratos de concessão de serviço público deverá ser considerada inconstitucional por colidir com o princípio constitucional da separação dos poderes (tripartição).

Existindo na legislação constitucional a regra de proceder com a licitação para contratações pela Administração pública, essa é a norma que deverá prevalecer, mesmo porque é ela que detém a legalidade em sua essência, sem deixar lacunas quanto a sua constitucionalidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

          Para se averiguar a importância do serviço público que a empresa vencedora de determinado certame exercerá, imperioso se faz citar o conceito de concessão de serviço público lecionado por Rocha Furtado: “a concessão sé uma delegação de serviço público, o que importa em dizer que por meio do contrato de concessão será transferida a um particular a incumbência da prestação do serviço público sem que isso importe, todavia, em transferência da titularidade do serviço”.[6]

          Deste modo, pode-se inferir que o serviço público é dotado de atos praticados pelo próprio Estado ou por particulares quando a estes outorgados os poderes. Tal como já dito no presente parecer, esse tipo de contratação de particulares será sempre feito através de licitação (art. 175, CF/88).

          No caso em comento, pode-se verificar por meio da ADI 2150, que a competência para atender as determinações oriundas do CONTRAN é do DETRAN. Sendo esse órgão da administração indireta, ligado ao poder executivo, não haveria que se falar em necessidade de submeter o processo licitatório ao crivo de lei autorizativa, uma vez que o que se pretende é cumprir com determinações legais (Res. 320/CONTRAN), que exigem o registro dos veículos nos DETRANs.

          Forçoso registrar que o Supremo Tribunal Federal tem entendimento firmado no sentido de serem inconstitucionais leis autorizativas que adentram na competência do Poder Executivo, por afronta direta ao princípio da separação dos poderes. Confira-se:[7]

DIREITO CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS: AUTORIZAÇÃO OU RATIFICAÇÃO POR ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO XXI DO ART. 54 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ, QUE DIZ:

"Compete, privativamente, à Assembléia legislativa:

XXI - autorizar convênios a serem celebrados pelo Governo do Estado, com entidades de direito público ou privado e ratificar os que, por motivo de urgência e de relevante interesse público, forem efetivados sem essa autorização, desde que encaminhados à Assembléia Legislativa, nos noventa dias subseqüentes à sua celebração".

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a regra que subordina a celebração de acordos ou convênios firmados por órgãos do Poder Executivo à autorização prévia ou ratificação da Assembléia Legislativa, fere o princípio da independência e harmonia dos poderes (art. 2 , da C.F.). Precedentes.

2. Ação Direta julgada procedente para a declaração de inconstitucionalidade do inciso XXI do art. 54 da Constituição do Estado do Paraná. (STF ADI 342-9 PR. RELATOR : MIN. SYDNEY SANCHES. DOU 30/04/2003)(Sem grifos no original)

 

CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE.

I. - Normas que subordinam convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade.

II. - Suspensão cautelar da Lei nº l0.865/98, do Estado de Santa Catarina. (STF ADI 1865 SC. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. DOU 12.03.1999). (Sem grifos no original)

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Constituição do Estado de Minas Gerais. Artigo 181, incisos I e II. Acordos e convênios celebrados entre Municípios e demais entes da Federação. Aprovação prévia da Câmara Municipal. Inconstitucionalidade. Art. 2º da Constituição Federal. Este Supremo Tribunal, por meio de reiteradas decisões, firmou o entendimento de que as normas que subordinam a celebração de convênios em geral, por órgãos do Executivo, à autorização prévia das Casas Legislativas Estaduais ou Municipais, ferem o princípio da independência dos Poderes, além de transgredir os limites do controle externo previsto na Constituição Federal. Precedentes: ADI nº 676/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso e ADI nº 165/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Ação direta que se julga procedente. (STF ADI 770 MG. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. DOU 20.09.2002) (Sem grifos no original)

Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Inconstitucionalidade de normas que subordinam convênios, ajustes, acordos, convenções e instrumentos congêneres firmados pelo Poder Executivo do Estado-membro, inclusive com a União, os outros Estados federados, o Distrito Federal e os Municípios, à apreciação e à aprovação da Assembleia Legislativa estadual. Precedentes do S.T.F. Ação direta que se julga procedente, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 20, do inciso III do artigo 40 e da expressão "ad referendum da Assembleia Legislativa" contida no inciso XIV do artigo 71, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina. (STF ADI 1857 SC. Relator(a): MOREIRA ALVES. DOU 07.03.2003) (Sem grifos no original)

 

          Diante de toda a consolidada jurisprudência da Corte Superior de Justiça, não restam dúvidas de que a exigência de Lei autorizativa antecedente ao processo licitatório do DETRAN é inconstitucional.

          Conforme exegese do artigo 3º, § 2, da Resolução nº 320/CONTRAN, o registro de contratos de veículos a que a resolução se refere, poderá ter sua execução exercida por terceiros na forma da Lei, a saber:

Art. 3º Para fins desta Resolução, considera-se registro de contrato de financiamento de veículo o armazenamento dos seguintes dados a serem fornecidos pelo credor da garantia real:

(...)

§ 2º Os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal deverão implementar o registro dos contratos no prazo de 30 (trinta) dias da data de publicação desta Resolução, cabendo-lhes a supervisão e o controle de todo o processo de registro dos contratos de forma privativa e intransferível, podendo sua execução ser contratada com terceiros na forma da Lei. (www.denatran.gov.br) (Sem grifos no original)

 

          Sendo assim, será perfeitamente correta a decisão do DETRAN que proceder com licitação para transferir a gestão e sistematização de processo para o registro de contratos de financiamento de veículos nos moldes da lei, independentemente de lei autorizativa, eis que se trata de órgão do Poder Executivo independente em sua gestão. Assinale-se que editais realizados na modalidade concorrência atendem os preceitos legais da Lei 8.666/93, de modo a não deixar vícios que inviabilizem os seus prosseguimentos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2010.

BARROS, Sérgio Resende de. Artigo: leis autorizativas. Disponível em <http://www.srbarros.com.br/pt/ leis-autorizativas.cont>. Acesso em 10 fev 2012.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.



[1] Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

[3] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2010.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

[5] BARROS, Sérgio Resende de. Artigo: leis autorizativas. Disponível em <http://www.srbarros.com.br/pt/
leis-autorizativas.cont>. Acesso em 16 mar 2012.

[6] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

[7] Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mar 2012.