P A R E C E R


I. OBJETO

A ASSOCIAÇÃO DOS MINERADORES DE OURO DO TAPAJÓS ? AMOT e o SINDICATO DOS MINERADORES DO OESTE DO PARÁ ? SIMIOSPA, entidades de representação do setor mineral paraense, solicitou parecer técnico-jurídico, com o fito de esclarecer questões de competência na expedição de licenças ambientais no âmbito da "APA DO TAPAJÓS".


II. PARECER

1 ? Legislação Pátria sobre o Meio Ambiente.

Nos incisos VI e VII do art. 23, a Constituição Federal atribui competência à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para proteger o meio ambiente.

Art. 23.- "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
Inciso VI.- "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas";
Inciso VII.- "preservar as florestas, a fauna e a flora";

E, no art. 225, proclama que:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".


2 ? As unidades de conservação.


No Inciso III do § 1º do art. 225, a Constituição explicita os meios a serem utilizados pelo Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, autorizando, entre outras providências, a definição, em todas as unidades da Federação, de "....... espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção ".

Destacam-se, entre tais espaços, os consistentes nas limitações impostas aos imóveis rurais (obs. Conforme Vocabulário Jurídico, de Plácido e Silva, Ed. Forense, 9ª edição, às fls. 156 ? RURAL: Do latim ruralis. De rus (campo), é empregado para designar ou se referir a tudo que pertence ao campo, é do campo ou da agricultura. Propriedade rural é aquela que se encontra no campo, fora dos limites urbanos ou suburbanos da cidade e das vilas) pelo Código Florestal de 1965, Lei nº 4771 como, dentre outras, as áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, e, já agora, as Unidades de Conservação instituídas pela Lei nº 9.985/00.

Dessa forma, esse último diploma normativo, regulamentando o inciso III do art. 225 da Constituição, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza ? SNUC e definiu unidade de conservação justamente como o "espaço territorial e seus recursos ambientais, com características relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivo de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção ".

As Unidades de Conservação têm por objetivo, além de resguardar paisagens de notável beleza cênica, manter e restaurar a biodiversidade, proteger espécies ameaçadas de extinção, bem como as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural e os recursos hídricos.

A referida Lei nº 9.985/00 dividiu as Unidades de Conservação em dois grupos: o das Unidades de Proteção Integral, em que os recursos naturais são utilizados apenas de forma indireta, isto é, sem envolver sua coleta e uso, ainda que não comercial; e o das Unidades de Uso Sustentável, em que é permitido compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, isto é, a exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais.

O primeiro grupo dessas unidades é composto das seguintes categorias: I ? Estação Ecológica; II ? Reserva Biológica; III ? Parque Nacional; IV ? Monumento Natural; e V ? Refúgio de Vida Silvestre.

Constituem o segundo, por sua vez, as seguintes espécies: I ? Área de Proteção Ambiental; II ? Área de Relevante Interesse Ecológico; III ? Floresta Nacional; IV ? Reserva Extrativista; V ? Reserva de Fauna; IV ? Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e VII ? Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Situam-se em áreas do domínio público: a Estação Ecológica, a Reserva Biológica, o Parque Nacional, a Floresta Nacional, a Reserva Extrativista e a Reserva de Fauna.

As primeiras unidades enumeradas são consideradas bens públicos de uso especial, razão pela qual, eventuais imóveis particulares existentes em seu interior, hão de ser desapropriados por interesse social (Lei nº 4.132/62).

Diversamente, podem conter áreas de domínio privado ? em decorrência, ora da flexibilidade do regime ambiental implantado, ora do caráter espontâneo de sua admissão pelo proprietário: o Monumento Natural, o Refúgio de Vida Silvestre, a Área de Proteção Ambiental, a Área de Relevante Interesse Ecológico, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável e a Reserva Particular do Patrimônio Natural.


3 ? Criação das Unidades de Conservação na Província Aurífera do Tapajós.

No dia 13 de fevereiro de 2006, conforme Decreto sem número, foi criada pelo senhor Presidente da República, a Área de Proteção Ambiental ? APA do Tapajós, localizada nos Municípios de Itaituba, Jacareacanga, Trairão e Novo Progresso, no Estado do Pará, com os objetivos básicos de proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais (art. 1º).

Os artigos 3º e 4º de referido decreto ainda estabelecem o seguinte:

"Art. 3º A propriedade das terras públicas da União inseridas na APA do Tapajós não será transferida a particular, a qualquer título, ressalvados os direitos dos ocupantes de terras públicas na data de publicação deste Decreto, em conformidade com a lei."

"Art. 4º Caberá ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ? IBAMA, com a participação do Governo do Estado do Pará, dos Governos municipais locais e da sociedade civil interessada, administrar a APA do Tapajós, adotando as medidas necessárias à sua efetiva implantação."

Como pode ser constatado da leitura do art. 3º, não foi alterada a questão dominial das terras inseridas na APA do Tapajós, ou seja, todos os ocupantes, a qualquer título, permaneceram com o status quo, anterior à edição do referido decreto de criação da APA do Tapajós.
Nesta mesma data foram criados o Parque Nacional do Rio Novo, localizado nos Municípios de Itaituba e Novo Progresso e o Parque Nacional do Jamanxim, localizado nos Municípios de Itaituba e Trairão, também através de Decretos Presidenciais sem número.

Ainda nesta data, foram criadas a Floresta Nacional do Amana, nos Municípios de Itaituba e Jacareacanga; a Floresta Nacional do Crepori, no Município de Jacareacanga; a Floresta Nacional do Jamanxim, no Município de Novo Progresso; e a Floresta Nacional do Trairão, nos Municípios de Rurópolis, Trairão e Itaituba.

Em todas as Flonas supracitadas, foi estabelecido em seus art. 5º e 6º (com exceção da FLONA do Trairão, onde a assertiva do art. 6º consta no art. 4º), que:

"Art. 5º Caberá ao IBAMA administrar a Floresta Nacional ..., adotando as medidas necessárias à sua efetiva proteção e implantação."

"Art. 6º Ficam declaradas de interesse social, para fins de desapropriação pelo IBAMA, os imóveis rurais privados existentes nos limites descritos no art. 2º deste Decreto, nos termos dos art. 5º, alínea ?K?, e do 6º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941."

E, ainda, o art. 6º do decreto de criação da FLONA do Amana, ao invés de declarar de interesse social, declara de utilidade pública os imóveis rurais privados existentes na mesma, conforme abaixo:

"Art. 6º Ficam declaradas de utilidade pública, para fins de desapropriação pelo IBAMA, os imóveis rurais privados existentes nos limites descritos no art. 2º deste Decreto, nos termos dos art. 5º, alínea ?K?, e do 6º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941."

Diferentemente do que ocorreu na APA do Tapajós, como pode ser constatado da leitura dos artigos 6º, dos decretos de criação das FLONAS (com exceção da Flona do Trairão, que está contido no art. 4º), foi alterada a questão dominial das terras inseridas nas FLONAS, ou seja, todas as terras foram desapropriadas em favor da União, modificando, desta forma, o status quo, anterior à edição dos referidos decretos de criação das FLONAS.

A APA do Tapajós está circundada pelos Parques e Flonas acima mencionados.

A competência para o licenciamento ambiental das atividades praticadas nas Flonas, já está determinada no art. 5º de respectivos decretos de criação, qual seja, o IBAMA, exclusivamente, uma vez que o domínio das terras é da União.

Com referência à APA do Tapajós, conforme o art. 4º do Decreto de criação, já citado, foi estabelecida a competência do IBAMA, com a participação do Governo do Estado do Pará e dos Governos municipais locais para administrá-la, adotando as medidas necessárias à sua efetiva implantação, necessitando, evidentemente, da outorga de licenças ambientais para tanto.

4 ? Da competência do Estado do Pará para o licenciamento ambiental das atividades na APA do Tapajós.

O licenciamento ambiental na área aonde hoje está implantada a APA do Tapajós, sempre foi de competência da SEMA, antiga SECTAM, que obedecia a previsão legal contida no DECRETO Nº 98.812, de 09 de janeiro de 1.990, que regulamentou a Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1.989, que assim determinou:

Art. 1º "O regime de Permissão de Lavra Garimpeira, instituído pelo art. 1º da Lei nº 7.805, de 18 de julho 1989, aplica-se ao aproveitamento imediato de jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possa ser lavrado, independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo critérios fixados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral ? DNPM".

Art. 2º "A Permissão de Lavra Garimpeira depende de prévio licenciamento concedido pelo órgão ambiental competente".

Parágrafo único ? Para os fins deste artigo, são competentes:

a) "o Instituto Brasileiro do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ? IBAMA, no caso de Permissão de Lavra Garimpeira que cause impacto ambiental de âmbito nacional:

b) o órgão definido na legislação estadual, nos demais casos".


A APA do Tapajós está localizada no médio e alto Tapajós, abrangendo os Municípios de Itaituba, Trairão, Novo Progresso e Jacareacanga, encravada nas áreas das diversas Flonas e Parques já citados, criadas simultaneamente com a mesma.

Todos os rios e igarapés localizados dentro da APA do Tapajós, são tributários do Rio Tapajós, que por sua vez é afluente do Rio Amazonas, tendo sua foz na cidade de Santarém ? Pa.

Todos os impactos ambientais produzidos por atividades desenvolvidas dentro da área da APA do Tapajós, são intermunicipais, à montante do Rio Tapajós.

Quanto à competência para o licenciamento ambiental, a Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, é clara quanto à competência do Estado do Pará para o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades desenvolvidas na APA do Tapajós, vez que prescreve em ser art. 5º o seguinte:

"Art. 5º Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I ? localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;
...
III ? cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;
... "

Do exposto acima, percebe-se claramente que as atividades minerárias desenvolvidas na APA do Tapajós se enquadram perfeitamente nos incisos I e III do art. 5º de referida Resolução, vez que estão localizadas em um ou mais Municípios dentro do Estado do Pará e, ainda, seus impactos ambientais não ultrapassam os limites territoriais estaduais, vez que, conforme já mencionado anteriormente, a APA do Tapajós está inserida no Alto Tapajós, ou seja, os impactos ambientais da atividades desenvolvidas em referida APA atingem somente o Estado do Pará, inclusive quando o Rio Tapajós deságua no Rio Amazonas, que percorre apenas o Estado do Pará até a sua foz no Oceano Atlântico.

Tanto é assim, que a Mineração da ALCOA, no Município de Juriti ? Pa, às margens do Rio Amazonas, foi licenciada pela SEMA, do Estado do Pará, sendo a questão da competência dirimida em decisão judicial do Juízo Federal de Santarém ? Pa, em ação movida pelo MP do Estado do Pará e Federal, ficando, claro, portanto, a competência estadual no caso, com a inteligência dos incisos I e III do art. 5º da Resolução CONAMA nº 237/97.

E, ainda, para dirimir ainda mais a questão, a própria Resolução 237/90 do CONAMA, prevê que as unidades de conservação serão licenciadas: pelo IBAMA, quando de domínio(obs. Conforme Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva, 9ª Edição, fls. 123, DOMÍNIO: "Derivado do latim dominium (propriedade, direito de propriedade), de dominus (senhor proprietário), significa, em linguagem corrente, segundo seu próprio sentido etimológico, a propriedade ou o direito de propriedade que se tem sobre bens imóveis" da União (art. 4º, I) e pelo órgão ambiental estadual, quando de domínio estadual ou do Distrito Federal (art. 5º, I), o que não é o caso da APA do Tapajós, vez que as terras existentes na mesma são tanto de domínio da União, quanto do Estado do Pará e, ainda privadas, mantidos o status quo anterior à criação da APA, ou seja, no caso específico da APA do Tapajós, a regra para se estabelecer a competência para o licenciamento ambiental será exclusivamente pela localização e/ou impacto ambiental, que como já vimos, insere-se na esfera de competência estadual.

Para ilustrar tal entendimento, foi publicado decreto em maio de 2009, no Diário Oficial da União, encerrando uma polêmica quanto ao conflito de competência para o licenciamento ambiental em APA criada no ano de 2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, no Distrito Federal, em que foi determinado que o governo local retome todos os processos ambientais relacionados à APA, ficando o Instituto Chico Mendes responsável pela administração e gestão ambiental da APA do Planalto Central, onde técnicos do instituto irão criar um conselho consultivo para apoiar a administração da área e para supervisionar o plano de manejo, ou seja, numa situação análoga à APA do Tapajós, ressaltando que a APA do Planalto Central, era a única APA existente no Brasil, cujo licenciamento ambiental era feito pelo IBAMA.

Diante de todo o exposto, restou claro que a competência para o licenciamento ambiental da atividade minerária na APA do Tapajós é ABSOLUTA do Estado do Pará, através da SEMA, orgão ambiental estadual competente para tanto.

Este é o parecer.

Itaituba (Pa), em 05 de novembro de 2009.




JOSÉ ANTUNES
OAB/PA 5.288-A
OAB/PR 8792