COMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA: (In)constitucionalidade do artigo 2º, §4º, da Lei 12.153/09.[1]

Anne Caroline C. Soares e

Virna Elise Berrêdo Martins[2].

 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Histórico dos Juizados Especiais. 2. Princípios norteadores do processo nos Juizados Especiais. 3. Aspectos relevantes da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: legitimidade processual, procedimento sumaríssimo, execução de sentença e tutelas de urgência. 4.(In)constitucionalidade da competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Conclusão.

 

 

 

RESUMO

O presente artigo tem como alvo principal o estudo do artigo 2º, §4º, da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, para o fim de examinar a possível inconstitucionalidade deste dispositivo, referente à imposição da competência absoluta desses juizados. Para isso pretende, primeiramente, a análise de toda a Lei 12.153/09 e seu histórico, relacionando-se sempre com a Lei dos Juizados Especiais Federais e dos Juizados Especiais Cíveis tal como um microssistema normativo.  Anseia, principalmente, o exame da competência absoluta que possui os Juizados Especiais da Fazenda Pública do ponto de vista constitucional da imposição legislativa. Posteriormente intenta a apreciação da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública estudando cada um de seus aspectos quais sejam, a legitimidade processual, o procedimento sumaríssimo, a execução das sentenças e tutelas de urgência, tendo sempre como ferramenta a interpretação crítica da mencionada lei.

 

PALAVRAS-CHAVE

 Juizados Especiais da Fazenda Pública. Inconstitucionalidade. Competência. Juizados Especiais. Microssistema normativo.

Introdução

Diante da demora que atacava o Judiciário brasileiro, o legislador viu-se obrigado a agir e legislar acerca da criação de Juizados para pequenas causas, direcionados à solução de pequenos litígios que são muitas vezes esquecidos em razão da demora e alto custo para ajuizamento de ação na justiça comum.

A criação dos Juizados Especiais veio a atender, de forma rápida e gratuita, os anseios da população, sobretudo a mais carente, de buscar a solvência de pequenos conflitos à prestação jurisdicional. Pôde-se levar ao Judiciário, pretensões que normalmente não seriam deduzidas em razão de seu valor irrisório, afirma Alexandre Câmara (2011, p. 5). Para isso foi criado o microssistema dos Juizados Especiais que abrange os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais, os Juizados Especiais Federais e finalmente os Juizados Especiais da Fazenda Pública, todos com o objetivo de ampliar o acesso à justiça, com um processo civil de resultados (Dinamarco, 1996, p. 55).

Com isso buscamos neste trabalho analisar todos os aspectos que norteiam os Juizados Especiais da Fazenda Pública, a priori, assim como relacionar a lei 12.153/09 com os demais diplomas normativos integrantes desse sistema, definindo seus contornos principais. Para isso, então, em primeiro plano aferem-se os princípios norteadores dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, tendo em vista a rápida satisfação do litígio. Posteriormente o exame dos principais pontos que formam a lei avaliando os procedimentos e atos processuais inerentes a este sistema normativo tais como seu legitimidade processual, sistema recursal, procedimento sumaríssimo, execução da sentença e as tutelas de urgência.

Por fim estudar, de modo crítico, a competência dos Juizados Especiais tema do artigo, sob a perspectiva constitucional, a fim de obter uma discussão, com base na jurisprudência e doutrina, em torno dos diversos entendimentos acerca da sua obrigatoriedade ou faculdade.

  1. 1.      Histórico dos Juizados Especiais

Por conta da morosidade e lentidão, características marcantes do Judiciário Brasileiro dos anos 70 e 80, passou-se a buscar novos meios de acelerar a máquina judiciária, tão antiquada e burocrática. A alternativa escolhida foi a criação dos “Juizados de pequenas causas”, pela lei nº 7.244 de 1984, destinado a resolver conflitos de menor complexidade. Anos mais tarde, em 1988, a Constituição prevê, em seu artigo 98, inciso I, os chamados agora, Juizados Especiais os quais devem ser

providos de juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimentos oral e sumaríssimo, permitindo, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas e juízos de primeiro grau (BRASIL, Constituição Federal, art. 98, inc. I).

A aceitação pela população foi plenamente positiva, permitindo à sociedade a entrada de uma demanda no Judiciário, ao invés de simplesmente deixar seu direito rechaçado. Era muito comum o sujeito desistir de acessar o Judiciário em razão dos custos altos, a burocracia e toda a demora processual que poderia levar a anos. Passou-se a ter certeza de que o litígio seria solucionado da forma mais rápida possível a partir da instalação e funcionamento dos Juizados Especiais, que possuem como fundamento os princípios processuais da oralidade, simplicidade, informalidade e economia processual, inquirindo, acima de tudo a conciliação e o término breve do litígio.

À época da criação do Estatuto dos Juizados Especiais foi dado o nome de era da descodificação, onde predominou a criação dos chamados Estatutos. De acordo com Alexandre Freitas Câmara (2010, p.3), foi nesse período que foram criados diplomas legislativos reservados a reger, de forma completa e autônoma ao código de processo civil, certos segmentos da sociedade. Nesse contexto surgiram o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor, este último possui características de estatuto, e não um código.

Em 1995 surgiu a Lei 9.099 que revogou a Lei 7.244/84, dos Juizados de Pequenas Causas, dispondo sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, regulando causas de até quarenta salários mínimos, as dispostas no art. 275, inc. II do CPC, as ações de despejo para uso próprio, ações possessórias de valor que não exceda quarenta salários mínimos em relação aos juizados especiais cíveis, além do poder de julgar infrações penais de menor potencial ofensivo quanto aos juizados especiais criminais.

Os Juizados Especiais Cíveis vieram acabar com algumas distorções sociais, facilitando a vida daqueles que tinham dificuldades financeiras para buscar a prestação jurisdicional e que hoje podem ter acesso a essa prestação, sem o ônus das custas processuais e sucumbência em honorários advocatícios, permitindo lhes propor e contestar as reclamações sem a necessidade de assistência de advogado quando o valor atribuído à causa não for superior a 20 salários mínimos. (SILVA, 1998, p. 01).

Apesar de toda a facilidade proporcionada pela lei 9.099 de 1995 percebe-se que ela alcançou pouco êxito em razão da falta de importância atribuída a norma, com  a inobservância de seus anseios políticos e sociais, como ensina Marcos Catalan (2002, p. 3).

Em 2009 deu-se o advento da Lei 12.153[3] mais conhecida como Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, tratando-se da mais recente inovação legislativa no âmbito dos Juizados Especiais. Com a lei preenche-se uma lacuna em meio aos Juizados Especiais dos Estados, qual seja a presença da Fazenda Pública[4].

No âmbito estadual, havia esta lacuna e o jurisdicionado que pretendesse reaver um pequeno valor em face da Fazenda Pública estadual ou municipal, teria que contratar um advogado, ingressar no juízo comum para tentar reaver um crédito que muitas vezes era de valor ínfimo. (CRUZ, 2010)

A partir da Lei 12.153/09 inaugurou-se, ao menos normativamente, o microssistema dos Juizados Especiais entre as leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09 com a redação do artigo 1º, parágrafo único da lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: “o sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizado Especial da Fazenda Pública”. O significado do termo sistema no âmbito jurídico pode ser entendido como o “conjunto de normas jurídicas interdependentes, reunidas segundo um princípio unificador (fim comum) que lhes dá unidade e coerência” (GAJARDONI, 2011, p.36). Esse fim comum, sem dúvidas, se trata da ampliação do acesso à justiça, por um sistema normativo que se comunica e se complementa a fim de resolver causas de pequena complexidade ou infrações penais de pequeno potencial ofensivo.

  1. 2.      Princípios norteadores do processo nos Juizados Especiais

No artigo 2º da lei dos Juizados Especiais Federais estão enumerados os princípios gerais que guiarão o processo de forma a atender o interesse social. “São, porém, assim como as regras, normas jurídicas dotadas de todas as características dessas, entre as quais a coercitividade” (Câmara, 2011, p. 6). A interpretação de todos os dispositivos da lei só será legitima se encararmos os princípios como orientadores de todos os atos processuais.

Os princípios informativos dos Juizados Especiais Cíveis são os da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Além destes, Alexandre Freitas Câmara inclui a autocomposição como vetor hermenêutico do Estatuto dos Juizados Especiais, ou seja, todo e qualquer ato praticado deve ter a busca de soluções consensuais como fundamento.

O princípio da oralidade implica em uma contraposição ao processo escrito, isto é, a maioria dos atos processuais devem se reger pela oralidade, prevalecendo a palavra falada em detrimento da escrita. Mas isso não quer dizer que não ocorre momentos no processo em que não há algo escrito, trata-se apenas da predominância de uma forma sobre a outra. Alexandre Câmara (2011, p. 8), citando Chiovenda, faz referência aos cinco postulados do modelo processual falado, que são: prevalência da palavra falada sobre a escrita; concentração dos atos processuais em audiência; imediatividade entre o juiz e a fonte da prova oral; identidade física do juiz; irrecobilidade em separado das decisões interlocutórias.

Simplicidade e informalidade formam o mesmo princípio, o qual se baseia na desformalização do processo nos Juizados Especiais. Não quer dizer que irá se abolir a forma pela qual ocorrem os atos processuais, bem como seus prazos e sua ordem de serem executados, o que se procura fazer é dar fim ao abuso formal. Como explica Alexandre Freitas Câmara (2011, p. 15), “a forma deve ser encarada apenas como instrumento destinado a assegurar a obtenção do resultado a que se dirige o ato jurídico. Sempre que o resultado for alcançado, deve o mesmo ser considerado válido, ainda que praticado de forma diversa da lei”. Dispõe o art. 154 do Código de Processo Civil que os atos processuais não dependem de forma determinada, exceto quando a lei o exigir. Pode-se concluir que a presença desse princípio tem como um dos principais objetivos o de aproximar as mazelas do órgão jurisdicional.

O princípio da economia processual inspira-se na tentativa de se extrair do processo o máximo de vantagem com o mínimo de desperdício de tempo. Não se trata de um instituto exclusivo do sistema de Juizados Especiais, norteia, sobretudo, todo o Judiciário a fim de dá solução mais rápida aos processos. Em determinados casos excepcionais, são aplicados mecanismos que funcionam para “aceleração da prestação jurisdicional, como a execução provisória e as tutelas jurisdicionais sumárias” (CÂMARA, 2011, p. 19).

Além dos princípios nomeados pelos Juizados Especiais, tem-se a autocomposição a qual busca soluções com base no consenso entre as partes, sem interferência de terceiros. A autocomposição, ou a justiça coexistencial chamada por Cappelletti, é incessante: logo que instaurado o processo as partes são convidadas a conciliar-se; não ocorrendo a autocomposição, o juiz retoma a conciliação no início da audiência de instrução e julgamento. O mesmo ocorre na execução da sentença.

  1. 3.      (In)Constitucionalidade da competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: artigo 2º §4º da Lei 12.153/09.

Determina o artigo 2º §4º da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública que “no foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência absoluta”. Significa dizer que “nos foros onde houver sido instalado um Juizado Especial da Fazenda Pública, não poderá o demandante optar entre ajuizar sua demanda no Juizado Especial ou em juízo federal comum” (CÂMARA, 2011, p. 203). A norma é considerada por muitos inconstitucional, entre os que consideram estão Cândido Dinamarco, Theotônio Negrão e Alexandre Freitas Câmara. Na obra “Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública” (2011), Alexandre Freitas Câmara delimita três argumentos principais que reforçam a inconstitucionalidade da norma citada: não cabimento de todos os recursos existentes no sistema processual comum; impossibilidade do uso de “ação rescisória”; limitação para produção de provas. Cada um dos argumentos serão, a seguir, melhor elucidados.

O legislador, ao idealizar os Juizados Especiais da Fazenda Pública, mitigou a possiblidade de interposição de recursos em prol da maior celeridade condizente com o procedimento sumaríssimo, característico do microssistema dos Juizados Especiais. Por mais que o juízo comum seja mais lento em relação aos Juizados, é certo que no primeiro as garantias são maiores, haja vista a possibilidade do uso de recursos, mesmo antes da sentença[5].  

No processo que se desenvolve perante os Juizados Especiais Cíveis não cabe recurso especial[6]. Isso significa que, embora os Juizados Especiais Cíveis apliquem a legislação federal, suas decisões não se submetem ao controle do Supremo Tribunal de Justiça, Corte que recebeu da Constituição da República a atribuição de estabelecer a correta interpretação de lei federal (...). Pode acontecer que uma decisão proferida (...) violar lei federal e tal decisão não fica sujeita a qualquer controle pelo STJ. (CÂMARA, 2011, p. 22).

Ação rescisória, nas palavras de Fredie Didier Jr (2010, p. 361), assume natureza de ação autônoma de impugnação, voltando-se contra a decisão de mérito transitada em julgado, quando presente pelo menos uma das hipóteses do art. 485 do CPC[7]. A impossibilidade de ajuizamento de ação rescisória pode causar graves injustiças uma vez que impede o direito de revisão da decisão. Alexandre Freitas Câmara exemplifica, com muita propriedade, o mal que pode causa a obrigatoriedade da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública:

“Imagine-se, pois, um acórdão transitado em julgado, proferidas pelo Juizado Especial da Fazenda Pública. Imagine-se que após o transito em julgado, descobre-se que um dos prolatores do voto vencedor cometera o crime de corrupção passiva, tendo recebido dinheiro para proferir seu voto. Tal decisão não é rescindível, não obstante proferida por juiz corrupto (art. 485, inc. I, CPC)” (CÂMARA, 2011, p. 22).

Um dos pré-requisitos para ajuizamento de ação nos Juizados Especiais da Fazenda Pública é que a causa versada seja de menor complexidade, ou seja, causa que desnecessite de exaustiva dilação probatória. Tendo a causa valor inferior a 60 salários mínimos e havendo um Juizado fazendário neste foro, é absoluta a competência do Juizado, mesmo a causa sendo “complexa” para os padrões desse sistema. Poderia ocorrer que o juiz, considerando a causa demasiada complexa, extinguisse o processo sem resolução de mérito (CÂMARA, 2011, p. 22), ou seja, o demandante, mesmo sabendo que o caso não se adequaria aos requisitos de admissão dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, deveria ajuizar primeiro no Juizado para só então ir ao juízo comum. Tudo isso em razão da imposição de utilizar os Juizados Especiais da Fazenda Pública, completamente desnecessária, fazendo com que a parte perca muito tempo antes de ver sua pretensão finalmente atendida.

Dentre essa discussão da constitucionalidade ou não do artigo 2º §4º da Lei 12.153 de 2009, o direito concedido ao cidadão de solucionar sua ação é cerceado porquanto a obrigatoriedade de demandar em um sistema processual que, por vezes, se mostra deficiente, violando garantias constitucionais como o contraditório e o princípio da isonomia.

O princípio do contraditório é afetado negativamente pela imposição da competência dos Juizados fazendários haja vista que, nas causas de maior complexidade, é necessária maior dilação probatória, incompatível com a modalidade deste sistema processual, quando o autor, por exemplo, não pode arrolar quatro testemunhas já que o máximo seria de três testemunhas (CÂMARA, 2011, p. 22). O direito de demonstrar a veracidade de suas alegações resta comprometido. O princípio da isonomia também é afetado, pois não há distinção alguma entre as matérias de direito material que podem ser ajuizadas no juízo comum e as dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. “Não há qualquer peculiaridade no direito material capaz de justificar a criação de procedimentos diferenciados para prestação da tutela jurisdicional. Nesses casos são razões de política legislativa que levam à criação desses modelos diferenciados” (CÂMARA, 2011, p. 23). Quer dizer que, as causas possíveis de serem submetidas aos Juizados fazendários são as mesmas que podem ser levadas ao juízo ordinário. O direito de escolher qual das vias pretende demandar perece, porquanto o abuso cometido pelo legislador.

A obrigatoriedade do ajuizamento de ação em um Juizado Especial da Fazenda Pública cerceia, de inúmeras formas, o princípio constitucional do acesso à justiça, em um sistema processual que é inábil para apresentar resultados satisfatórios. “Afirmar-se o caráter obrigatório dos Juizados Especiais da Fazenda Pública implicaria levar o demandante, inexoravelmente, à sucumbência” (CÂMARA, 2011, p. 22). Ora, o objetivo maior da lei 12.153/09 é justamente o de tornar possível a solução de pequenos conflitos em face de uma entidade pública, tendo como base o princípio do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa. Tais princípios se tornam de difícil aplicação em uma órbita que não permite o amplo uso dos meios de defesa possíveis em juízo comum. A competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, não resta dúvidas, é inconstitucional.

  1. 4.      Breves ponderações acerca dos aspectos relevantes da Lei 12.153/09 dos Juizados Especiais da Fazenda Púbica: legitimidade processual, procedimento sumaríssimo, execução da sentença e tutelas de urgência.

Legitimidade ou capacidade processual, na preleção de Didier Jr ( 2011, p. 220), é “a aptidão para praticar atos processuais independentemente de assistência e representação, pessoalmente, ou por pessoas indicadas pela lei, tais como síndico, administrador (...) etc”. Tal capacidade não se confunde com a legitimidade para a causa (ad causam), esta relacionada à titularidade de direito material. São legitimados ativos, de acordo com o artigo 5º da lei 12.153/09, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte definidas na lei complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Para legitimados passivos são aptos os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas. Cabe ressaltar que as demandas ajuizadas pelos legitimados do artigo 5º face à União, autarquia federal, fundação instituída pelo Poder Público Federal e empresas públicas federais devem ser dirigidas aos Juizados Especiais Federais, na lição de Alexandre Câmara (2011, p. 209).

Tomando como base o princípio da oralidade que norteia a atividade dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, todos os atos processuais devem ser executados em audiência, ou seja, um procedimento por audiências ou procedimento sumaríssimo[8]. Esse procedimento inicia-se com o ajuizamento da demanda, escrita ou verbalmente. Posteriormente ocorre a citação do ente público, devendo o lapso temporal entre a citação e a audiência de conciliação ser de, pelo menos, trinta dias. O juiz designa audiência de conciliação, não obtendo sucesso, realizará audiência de instrução e julgamento. “Na audiência de instrução e julgamento o juiz colherá a prova oral, ouvirá as partes e proferirá sentença (...) que pode não ser proferida na própria audiência, tendo o juiz prazo de dez dias para prolatá-la” (CÂMARA, 2011, p. 230). Esse procedimento mais célere que o comum se dá, em parte, em razão do valor da causa e de sua menor complexidade favorecendo uma rápida solução aos litigantes assegurando a garantia constitucional da duração razoável do processo.

O procedimento sumaríssimo é, porém, um procedimento de cognição exauriente. Em outros termos, embora extremamente concentrados os atos processuais, no procedimento sumaríssimo o juiz exerce sua cognição com o máximo de certeza, tornando certa a existência ou inexistência do direito substancial alegado pelo demandante. Por isso, é capaz de alcançar a autoridade da coisa julgada, do mesmo modo como se dá no procedimento ordinário. (CÂMARA,, 2011, p. 76)

Sentença é o ato processual que importa em uma das hipóteses dos artigos 267 e 269 do CPC, de acordo com a aula do Mestre Hugo Passos (2012). A execução de sentenças ocorre a partir do início da fase executiva que se desenvolve no mesmo processo onde foi declarada a sentença. Nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, a execução de sentença é regida pelo artigo 13 da lei 12.153/09[9]. A partir do instante em que a sentença começar a produzir suas consequências, o juiz decretará a intimação da entidade pública para que cumpra a sentença, explica Alexandre Câmara (2011, p. 251). O ofício é direcionado à autoridade citada para audiência para que cumpra obrigação de dar, fazer ou não fazer em determinado prazo, sob pena de multa diária, “para o caso de atraso ou descumprimento de ordem judicial, além de apuração de responsabilidade” (CERQUEIRA, 2011, p. 153).

A execução de sentença por quantia certa deve ocorrer no “prazo máximo de 60 dias” [10] após seu trânsito em julgado[11]. A execução se fará pela expedição de requisição do pagamento que deve ser dirigida “à autoridade citada para a causa”, como dispõe o art. 17 da Lei 12.153/09. Sendo impossível o cumprimento da obrigação, mesmo que por meios sub-rogatórios[12], sem prejuízo de multa cominatória, o exequente poderá promover a conversão em perdas e danos, expõe Luís Otávio de Cerqueira (2011, p. 157). De acordo com o artigo 38 da lei 9.099/95, de aplicação subsidiária por se tratar de um microssistema normativo, não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda que genérico o pedido.

Decorre da leitura do artigo 5º, inc. XXXV da CF/88[13], a possibilidade de deferimento de tutelas de urgência, também no âmbito dos Juizados Especiais. No caso dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, versa o artigo 3º da lei 12.153/09 que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias para evitar dano de difícil ou incerta reparação (fumus boni iuris e periculum in mora). Para Luiz Manoel Gomes Jr. (2011, p. 77), tendo como base a fungibilidade, é possível o deferimento de tutela cautelar ou daquelas de natureza antecipatória.

São dois os tipos de tutelas de urgência concebíveis nos Juizados Especiais da Fazenda Pública: tutela cautelar e tutela antecipada. A tutela cautelar, na visão de Fredie Didier Jr. (2011, p.462, 469), “visa assegurar uma futura satisfação, protegendo-a, não à satisfação de um direito(...). Trata-se de tutela definitiva embora de eficácia limitada”. Já a tutela antecipada ou tutela satisfativa antecipada, “é aquela capaz de proporcionar a realização prática do direito material – concedida antes do momento oportuno para a produção dos efeitos da sentença” (CÂMARA, 2011, p. 264). “É decisão provisória (sumária e precária) que antecipa os efeitos da tutela definitiva, satisfativa ou não” (DIDIER Jr, 2011, p. 269).

Conclusão

Ao criar os Juizados Especiais da Fazenda Pública, o legislador procurou, com a melhor das intenções, dar maior celeridade aos processos considerados de menor complexidade e com valor não superior a 60 salários mínimos, de modo a facilitar o acesso à justiça pelas mazelas. Assim, o Judiciário inaugura um momento novo de prestação jurisdicional gratuita e rápida, ao menos teoricamente, fomentando o exercício da democracia por toda a sociedade.

Entretanto, resta clara a desarmonia entre o artigo 2º §4º da lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e a Constituição da República. A cominação de uma obrigação, a competência absoluta desses Juizados, põe em perigo os princípios processuais da Isonomia, Devido Processo Legal e do Contraditório e Ampla Defesa.  Essa imposição do legislador, a princípio, buscou proporcionar maior celeridade às lides compatíveis com o sistema processual dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Entretanto, o que sobrevém é a imposição que poderia muito bem ser relativizada em razão da competência “valor da causa”,  ainda, o cerceamento do direito do indivíduo de postular sua demanda no juízo que melhor lhe convir, afetando a liberdade individual de decisão.

  

REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública – uma abordagem crítica. 7 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2011.

CATALAN, Marcos Jorge. Juizados Especiais Cíveis: Uma abordagem crítica à luz da sua principologia. Disponível em: <http://tj.pr.gov.br/download/je/DOUTRINA/Uma_abordagem_%20critica.pdf>. Acessado em 1 de maio de 2012.

CRUZ, Renato Brunetti. O processo após a Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2406, 1 fev. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14270>. Acesso em  20 de maio 2012.

DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo J. C. da. Curso de Direito Processual Civil. Vol .3. 7 ed. Salvador: Juspodivm, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 7º ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

GOMES Jr, Luiz; GAJARDONI, Fernando; CRUZ, Luana Pedrosa; CERQUEIRA, Luís O.. Comentários à Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública – lei 12.153/09. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

SILVA, Luiz Cláudio. Os juizados especiais cíveis na doutrina e na prática forense. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998



[1] Paper apresentado para obtenção de nota na disciplina de Processo de Conhecimento II.

[2] Alunas do 5º período noturno do Curso de Direito da UNDB.

[3] “A lei nasceu da propositura pelo Senador Antônio Carlos Valadares em 14/04/2005. Na comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, o projeto foi sorteado à Relatoria do Senador João Batista Mota, que apresentou a emenda ao PLS 118 de 2005. Em 18/05/2006 o PL foi encaminhado para revisão da Câmara dos Deputados onde ficou aproximadamente 3 anos para ser aprovado, tramitando como PLC 7.087/06. Na comissão de Constituição e Justiça foi apresentado substitutivo aprovado em 14/05/09 com importantes alterações, especialmente no tocante as leis que integravam os Juizados Especiais. Em sessão plenária de 01/12/09 o Senado Federal aprovou o substitutivo da Câmara que, encaminhado para sanção do Presidente da República, foi convertido na Lei 12.153/09”. (GAJARDONI, 2011, p. 31 e 32).

[4] Não inova em relação à presença da Fazenda Pública da União, pois a lei dos Juizados Especiais Federais já previa essa figura em um dos pólos da lide.

[5]“ Exceto nos casos do art. 3º, somente será admitido recurso contra  sentença”: Art. 4º, lei 12.153/09.

[6] “Não é cabível recurso especial no microssistema dos Juizados Especiais Cìveis porque a decisão proferida em grau de apelação emana da Turma Recursal, que não tem natureza de Tribunal” (CÂMARA, 2011, p. 246).

[7] Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar literal disposição de lei;

Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;

VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;

IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;

[8] Art 98, inc. I CF/98: A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[9] “O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia de sentença ou acórdão”.

[10] Art. 13 da Lei 12.153/09.

[11] “Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o transito em julgado da decisão” (art. 13 da Lei 12.153/09).

[12] Determinação do juiz do cumprimento de obrigação de dar, fazer ou não fazer, se não cumprida voluntariamente pelo ente público, à outrem, se possível, de acordo com o artigo 52, inciso V da Lei 9.099/95 .

[13] “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.