COMPENSAÇÃO COMO NEGOCIO JURÍDICO COMPLEXO:

Obrigações não compensáveis[1]

 

Clara Castroe Maura Bordalo2

 

 

Sumário: Introdução; 1 Conceito de compensação 1.1 Elementos históricos da Compensação 1.2 Espécies de Compensação; 2. Requisitos da compensação; 3.Obrigações não compensáveis; Conclusão; Referências.

 

Resumo:

Este trabalho fará uma abordagem acerca da compensação como negócio jurídico complexo, para assim, explanar as hipóteses de impossibilidade de compensação legal. Dessa forma, primeiramente será realizado um breve resumo dos elementos históricos da origem da compensação. O objetivo geral é, portanto, mostrar casos, presentes na legislação vigente, em que não é possível realizar a compensação, devido a ausêncoa de alguns requisitos que também serão explicados neste paper.  

PALAVRAS-CHAVES

Negocio jurídico complexo; compensação; obrigações incompensáveis.

 

 

INTRODUÇÃO

A compensação está prevista no artigo 368 do Código Civil "Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem". Gagliano diz: ‘’no campo do Direito das Obrigações, a compensação é uma forma de se extinguir uma obrigação em que os sujeitos da relação obrigacional são, ao mesmo tempo, credores e devedores’’[2].

O principal efeito da compensação é a extinção da obrigação, como no pagamento, ficando os credores reciprocamente satisfeitos após o acerto de débitos. No caso de várias dívidas compensáveis entre os dois sujeitos, observam-se as regras da imputação de pagamento[3].

Neste contexto, o presente paper apresentará as hipóteses de impossibilidade de compensação legal, exemplificando-as. Para tal feito, será necessário um breve resumo histórico e a explanação dos requisitos necessários para realização de uma compensação legal.

  1. 1.   CONCEITO DE COMPENSAÇÃO

A compensação é uma forma de extinguir as obrigações que tenha dois créditos recíprocos entre as mesmas partes. Se forem de igual valor a obrigação desaparece integralmente; se forem de valores diferentes, extingue-se até onde compensarem, ou seja, se A deve 100 reais à B e este deve 80, A continuará devendo 20 reais quando as dividas se compensarem, logo ainda haverá divida desse valor (20 reais).

Para Orlando Gomes:

“A compensação visa eliminar um circuito inútil. Se devo a alguém que me deve, não há motivo para exigir duas operações de pagamento. Na hipótese mais simples, pagaria ao meu credor e, como este é, ao mesmo tempo, meu devedor, me restituiria o que de mim recebera. Verificar-se ia deste modo dupla transferência de bens perfeitamente dispensável.” (GOMES, Orlando, 2002, pag. 129)

A principal característica da compensação é a manifestação da vontade. Porém para produzir um efeito legal, é necessário que ocorra um registro, que assegurará os efeitos de tal compensação e não provocará conflitos no futuro. Como todo negocio jurídico, a compensação também tem seus efeitos, que são especificados em clausulas negociais de acordo com o interesse das partes, mas de acordo com as leis do país em que se vive. Outro quesito importante é que não ocorre fluxo de dinheiro e sim uma anulação consequente das dividas serem semelhantes, pois não haverá pagamento ou entrega de bens, a dívida simplesmente extinguirá.

1.1                       ELEMENTOS HISTÓRICOS DE COMPENSAÇÃO

A ideia de compensação sempre existiu em Roma, no entanto ela nem sempre foi admitida judicialmente como meio de extinção de obrigações. Isso porque, segundo Silvio Rodrigues (p. 213, 2002) no processo das leges actiones não podia o juiz conhecer simultaneamente mais de uma questão. “O juiz conhecia o pedido do autor para aceitá-lo ou repeli-lo, sem poder atender qualquer pretensão que, por sua vez, tivesse o réu contra o demandante. Esta devia constituir objeto de nova lide.” (p. 213, 2002).

Foi no período do Império de Justiniano que se estabeleceram regras sobre a compensação. Segundo Silvio Rodrigues, o imperador decidiu, entre outras medidas: “que o crédito oposto em compensação devia ser liquido, de coisas fungíveis, do mesmo gênero e qualidade que o demandado; impediu fosse invocada pelo depositário ou por aquele a quem se reclama coisa tirada por violência, etc.” (p. 215, 2002)

1.2 ESPÉCIES DE COMPENSAÇÃO

A compensação é conhecida por 3 espécies: legal, judicial e contratual. A legal, é a que deriva da lei, não considerando a vontade das partes. Está contida no artigo 368 do Código Civil.

A compensação voluntaria ou convencional é baseada no principio da liberdade de contratar, origina-se da vontade das partes, e por esse motivo torna-se facultativa.

A judicial ou processual ocorre quando as dívidas recíprocas não são liquidas ou exigíveis, decorrendo assim da ordem de um juiz. Logo não depende da vontade das partes nem decorre da lei.

  1. 2.    REQUISITOS DE COMPENSAÇAO

Existem alguns requisitos para compensação legal que são:

a)                                                                             A homogeneidade ou fungibilidade das prestações, significando que as dívidas devem ser da mesma natureza. A compensação requer coisas do mesmo gênero.

b)   A liquidez, a certeza e a exigibilidade que é a possibilidade de exigência imediata do crédito face à sua certeza que será executado mesmo após seu vencimento.

c)   A existência e a validade do crédito compensante, pois se não houver débito não haverá compensação, e a divida é reestabelecida.

d)  A reciprocidade de créditos, que é a existência de créditos e débitos entre as duas partes. Não adianta a pessoa A dever B que deve C. Tem que ser A deve B e B deve A, logo exclui a obrigação de terceiros.

Para compensação judicial as dívidas devem ser homogêneas, recíprocas e vencidas. Porém o requisito da liquidez não é obrigatório, logo a compensação judicial visa supri-lo. Na compensação voluntária os requisitos liquidez e homogeneidade podem ser dispensados se ambas partes estiverem de acordo. O que não poderá faltar é a reciprocidade das dívidas, que sem ela não ocorrerá à compensação.

 3.OBRIGAÇÕES NÃO COMPENSÁVEIS

Em alguns casos especiais não se admite compensação. A exclusão pode ser convencional ou legal. No primeiro caso, de comum acordo credor e devedor excluem-na. Nesse caso, a exclusão será bilateral, permitida no artigo 375 do Código Civil que afirma: “Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas.” Admite-se, também, a renúncia unilateral. É necessário, porém que pelo menos um dos requisitos da compensação não esteja presente.

O legislador exclui do âmbito da compensação algumas espécies de relações obrigatórias, devido ao elemento ilícito que as originou, ou pela sua natureza ou o fato de o crédito ser impenhorável. Com efeito, dispõe o art. 373 do Código Civil.

Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: I- Se provier de esbulho, furto ou roubo; II- Se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos; III - Se uma for de coisa não suscetível de penhora.

Analisemos cada um dos incisos:

Na primeira hipótese, segundo Gagliano (p. 234, 2010) a ilicitude do fato gerador da dívida contamina sua validade, devido ao fato de que não sendo passível de cobrança, a dívida também não será de compensação. Portanto, a razão é de ordem moral.

De certo modo, Silvio Rodrigues (p. 220, 2002) afirma que a presença desse inciso no Código Civil é supérflua, visto que tais créditos não são reconhecidos como geradores de obrigações, devido ao caráter ilícito de sua fonte.

Para entender melhor: Se eu me aproprio de um bem do meu credor, não posso compensar minha dívida com a devolução da coisa apoderada;

No inciso II, o legislador deseja esclarecer que o comodato e o depósito são objeto de contratos com corpo certo e determinado, inexistindo, portanto, a fungibilidade entre si necessária à compensação ou homogeneidade das dívidas. Ademais, são contratos realizados através da ideia de confiança, somente se  admitindo o pagamento mediante restituição da própria coisa emprestada ou depositada.

Quanto às dívidas de alimento, segundo Gagliano (p. 234, 2010) por serem dirigidos à subsistência do individuo, admitir a sua compensação, seria negar a sua função alimentar. Ora, se pudesse o alimentante compensar sua dívida com algum crédito, a prestação alimentícia não seria fornecida, prejudicando-se a existência do beneficiado.

Exemplificando: se A deve R$1.000,00 (dívida de alimentos) a B, mesmo que este lhe deva a importância superior, não poderá fazer a compensação, pois o montante de dinheiro se destina à subsistência de B;

Por fim, não menos importante, o inciso III trata de coisas que não podem ir a comércio. O artigo 649 do Código de Processo Civil e a Lei n.8009, de 29-03-1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, declaram que coisas impenhoráveis são as que não podem ser tomadas para pagamento das dívidas de seu dono, devido a relevância do bem. Ou seja, são as coisas que não estão no comércio, ou aquelas que o legislador, a fim de proteger o devedor, afasta do alvo do exequente.

De acordo com Silvio Rodrigues (p. 221, 2002), se fosse possível compensar dívida de coisa impenhorável, estar-se-ia admitindo o pagamento, por meio da alienação, de uma coisa que a própria lei impede de alienar.

Também não se admite a compensação em prejuízo de terceiros, afirmação presente no art. 380 do Código Civil. Nesse caso, o devedor que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste último, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia.

Registre-se ainda, não como hipótese de obrigações incompensáveis de forma absoluta, mas sim de restrições à extinção direta das obrigações, o fato de que, em se tratando de dívidas pagáveis em locais diferentes, deve ser feita a dedução das despesas necessárias à operação, como previsto no art. 378 do Código Civil.

CONCLUSÃO

A compensação é um meio de extinção das obrigações e opera quando há reciprocidade de créditos de igual natureza, ou seja, os sujeitos da relação são ao mesmo tempo credores e devedores. Dessa forma, por ser uma modalidade de extinção de obrigações, a compensação gera os mesmos efeitos do pagamento e a ele se equipara. O principal objetivo desta operação é o cancelamento da obrigação pelo encontro dos débitos, ficando os credores reciprocamente satisfeitos.

Todavia, existem hipóteses em que é inadmissível a utilização de via compensatória para a extinção de relações obrigacionais, seja pela ilicitude da obrigação, seja pela natureza ou pela impenhorabilidade da coisa. Por isso, é de suma importância que se analise os requisitos para a compensação legal, pois sem estes a operação não pode ocorrer.  

Logo, elencar os requisitos e com isso esclarecer as hipóteses em que há impossibilidade de compensação evitará o desgaste do processo judiciário, pois, assim, as partes não moverão ação não permitida pelo legislador e procurarão outro meio de resolução do seu negócio jurídico.

REFERÊNCIAS

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. 6ª ed. Rio de Janeiro. Florence. 2011.

GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 4. Ed. São Paulo. Saraiva 2004. v, 3

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006.

GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª edição, Forense, Rio de Janeiro; 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito Civil, 12ª Edição, Forense, Rio de Janeiro, 2006.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Forense, Rio de Janeiro, 2004.

VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 5ª edição, Atlas, São Paulo, 2005

OLIVEIRA, Hudson Gilbert de. Compensação: conceito, forma e momento de se fazer. Jus Navigandi, Teresina, ano 16n. 27434 jan. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18199>. Acesso em: 18 maio 2012.

CASTRO, Pedro Paulo B. Bedran de. A compensação no Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7n. 561 abr. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2831>. Acesso em: 16 maio 2012.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral das Obrigações. Volume 2. 30º edição, Editoria Saraiva, São Paulo, 2002



[1] Paper apresentado à disciplina Direito das Obrigações, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

2Alunas do 3º Período do curso de Direito, da UNDB

3 Professor Orientador.

[2] Gagliano, 215.

[3] Venosa, 260.