COMO NOS PERDEMOS DE QUEM SOMOS.

Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu…

Alberto Caeiro PESSOA, F. O Guardador de Rebanhos, In Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática. 1946

 

Vivemos em um mundo que cada vez mais valoriza o externo, o problema vem de fora, a cura vem de fora e o “inferno são os outros”, cada vez menos nos responsabilizamos por nossas ações e cada vez ficamos mais longe de nosso mundo interno.

O modelo biomédico, que consiste basicamente em três premissas: o corpo é uma máquina, a doença é conseqüência de uma avaria em alguma de suas peças e a tarefa do médico é consertá-la, predomina hoje em praticamente todos os sistemas, inclusive na psicologia, com a terapia cognitivo comportamental vendendo um sistema terapêutico “breve e focado”, como tudo deve ser em nosso mundo líquido, foco no resultado, rapidez e liquidez.
Não é raro irmos ao médico e nos depararmos com um profissional que sequer te olha ou apalpa como se fazia antigamente, ele apenas escuta o sintoma e nos manda fazer exames clínicos para ter maior precisão no diagnóstico e receitar o remédio correto. Somente na Avenida Paulista temos mais máquinas de ressonância magnética do que em toda a França e esse sistema precisa ser alimentado.

Nas escolas temos o ensino voltado para o externo, matérias que nos fazem refletir sobre nós mesmos e a vida não interessam na grade curricular, aos poucos as crianças mais criativas e com atenção flutuante são consideradas doentes e medicadas com ritalina para prestarem atenção naquilo que não querem, pois essas crianças atrapalham o funcionamento da normose patológica da classe. A espontaneidade e a manifestação interna vão sendo tolhidas a essência vai se perdendo para o sistema, os diplomas são acumulados, somos treinados para falar de qualquer assunto logicamente mas não sabemos nada de nós mesmos.

Aos poucos o sistema vai se impondo e vencendo, aprendemos a conter as emoções, não ouvir nossa intuição, adormecer os instintos e com isso ficamos cada vez mais neuróticos, consumindo drogas de todos os tipos na intenção de aliviar nossa angústia, de fugir da vida que vivemos e evitar a realidade tão dolorosa.

Hoje vivemos um momento de crise mundial, política, econômica, de valores. Esse movimento depressivo faz-se necessário pois somente quando chegamos em um estágio profundo de crise é que temos a possibilidade de entrar em contato com esse “Eu” perdido, de ser guiado pelo inconsciente, de nos voltarmos para dentro para perceber que no fundo a resposta estava lá o tempo todo, mais perto de mim do que eu imaginava.

Se você se identificou com qualquer sintoma dessa matéria, talvez você precise de ajuda profissional, procure um psicólogo.

Autora: Danielle Vieira – Psicóloga em Bragança Paulista e São Paulo – SP, CRP 06/131376