COMO CRIAR FILHOS E MANTER ALUNOS MORALMENTE AUTÔNOMOS
Elisa Pinto de Moraes Melito
Pedagoga formada pela UNESP
Psicopedagoga Institucional formada pelo IASP
Coordenadora Pedagógica da Escola Adventista na cidade de Rio Claro.

Resumo: O presente texto trata de reflexões a respeito do desenvolvimento moral dos indivíduos com base na teoria Piagetiana. Argumenta-se sobre a importância da família e escola na construção de uma moral autônoma, tendo como hipótese que ambas as instituições possam desfrutar de um relacionamento entre os pares de respeito e harmonia. E propõe uma reflexão sobre o papel do Conselheiro familiar e educacional como mediador entre as duas instituições.

Palavras-chave: autonomia, anomia, família, escola, valores.

Abstract: This paper deals with reflections on the moral development of individuals based on Piaget?s theory. It talks about the importance of family and school in the building of a moral autonomy, under the hypothesis that both institutions can get along well in a relationship between pairs of respect and harmony. He proposes a reflection on the role of the familiar and education advisers as a mediator between the two institutions.

Keywords: autonomy, anomie, family, school, values.

Introdução

Como educadora, tenho observado as interações sociais no ambiente escolar, tendo como primazia o desenvolvimento moral dos pares, o que considero uma necessidade permanente do ser humano. Uma vez que toda sociedade deseja indivíduos moralmente éticos, solidários e autônomos.
No trabalho diário com as crianças, é comum a ocorrência de conflitos entre os pares que obrigam uma ação decisiva do educador. O mesmo encontra dificuldades em encontrar um consenso acerca daquilo que uma criança deve ou não fazer. A postura mais adotada é uma posição relativista em educação de valores. Pode, numa mesma escola, encontrar professores que incentivam a competição entre alunos ancorando-se no fato de que na sociedade atual predomina o "cada um por si" ou o "vence o mais forte", outros defendendo a cooperação e a solidariedade para a construção de uma sociedade melhor, e outros, ainda, completamente indiferentes a essas questões e que consideram a moral como um assunto particular. Apesar dos professores não sentirem-se seguros quanto ao julgamento de valores morais, a relação professor/aluno é permeada pelos valores morais.
Quando a escola precisa da interferência da família para adequar o aluno dentro das regras escolares, os tutores fazem um longo discurso sobre como funcionam as regras em casa, sobre o tempo que o trabalho lhes consome e como conseqüência falta tempo para os filhos, sobre a escolha da pessoa que cuida do filho na sua ausência, a cobrança que fazem para que os estudos e comportamentos sejam adequados, revelando um espanto que apesar de tudo que fazem o filho não corresponde ao comportamento esperado.
O objetivo deste artigo, não é discursar sobre escola versus família, mas, oferecer algumas reflexões sobre o desenvolvimento moral dos indivíduos com base na teoria Piagetiana, tendo como hipótese que ambas as instituições possam desfrutar de um relacionamento entre os pares de respeito e harmonia.

Os estágios evolutivos na construção das regras sociais

Desde o momento em que o ser humano começa a existir, tem início seu processo de interação com o meio e as pessoas que o rodeiam, o que o torna, aos poucos, um ser social. De um modo geral, o relacionamento interpessoal começa na família, depois na escola, sendo elas, família e escola, a base da adaptação social que interferirá diretamente na construção da personalidade dos sujeitos. De acordo com Piaget (1994), o desenvolvimento social-moral está relacionado ao desenvolvimento cognitivo e afetivo, constituindo-se em aspectos indissociáveis da ação.
Piaget (1994) compreende que a construção das regras se inicia por concepções elaboradas pelas crianças dentro de um processo contínuo e temporal. Não é uma transmissão que ocorre de forma mecânica, pelo meio exterior ou pelos adultos, ou simplesmente uma descoberta espontânea, mas resultado de uma interação social, cognitiva e afetiva. Os indivíduos mantêm relações interpessoais ao interagir com o meio físico e social, e, nesses contatos, diferentes interações os obrigam a uma posição de reflexão, de re-elaboração das regras existentes.
Em sua obra "O Juízo Moral na Criança", o autor (ano) conclui a existência de dois tipos de moral: a moral da coação, onde prevalece o respeito unilateral e a heteronomia, e a moral da cooperação, cuja base é o respeito mútuo, que conduz para uma moral autônoma. Os dois tipos de moralidade se opõem um sobre o outro e fazem parte de um processo psicogenético que está presente nas interações e vivências do sujeito, momentos estes caracterizados por trocas e reflexões, valorização e aceitação dos sentimentos alheios, respeito às diferenças e divergências.
A pesquisa de Piaget (1994, p.23) sobre o desenvolvimento da moralidade demonstra que "toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o individuo adquire por essas regras". O pesquisador inicia suas análises a partir das interações sociais entre crianças, propondo um jogo de bolinhas de gude que, a seu ver, se assemelha a uma vida social, onde as regras existentes são anteriores ao sujeito e impostas pelos mais velhos para serem respeitadas e obedecidas. A grande questão é como os sujeitos interpretam as regras, as assimilam ou modificam. Piaget (1994, p.75) explica que as características desse processo passam por estágios evolutivos, sendo que:

[...] os estágios devem ser concebidos como fases sucessivas de processos regulares, os quais se reproduzem como ritmos, nos planos superpostos do comportamento e da consciência. Um indivíduo estará, por exemplo, no estágio da autonomia no que se refere à prática de determinado grupo de regras, permanecendo a consciência dessas regras ainda mais eivada de heteronomia, da mesma forma que a prática de outras regras mais definidas. Portanto, não poderíamos falar de estágios globais caracterizados pela autonomia ou pela heteronomia, mas apenas de fases de heteronomia e de autonomia, definindo um processo que se repete a propósito de cada novo conjunto de regras ou de cada novo plano de consciência ou de reflexão.

O autor, ao desenvolver seu estudo sobre as regras do jogo de bolinhas de gude, identificou a existência da Prática e da Consciência da Regra. Relatou, a partir desta pesquisa, quatro estágios evolutivos para a Prática da Regra: motor e individual (0 a 2 anos); egocêntrico (2 a 6 anos); cooperação (7 a 12 anos) e codificação das regras (12 anos em diante). E na Consciência da Regra (11 anos em diante) identificou duas consciências anteriores: Consciência da Regularidade (0 a 4 anos) e Consciência da Obrigação/Obediência (5 a 9/10 anos).
Piaget (1994, p. 24) nos diz que a prática da regra é "a maneira pela qual as crianças de diferentes idades as aplicam efetivamente", e a consciência da regra "é a maneira pela qual às crianças de diferentes idades se apresentam o caráter obrigatório, sagrado ou decisório, a heteronomia ou autonomia inerente às regras do jogo.
No primeiro estágio, motor e individual (0 a 2 anos), a criança explora o meio que a cerca com atividades motoras centradas em si mesma: atira, amontoa, reúne e, durante a exploração do objeto, restringe-se à fantasia do momento. No fim do primeiro ano, essa fantasia caracteriza o inicio da simbolização; a criança inicia um processo de repetir um comportamento pormenorizado dentro de uma determinada seqüência, caracterizando a existência do ritual e do símbolo individual. Segundo Piaget (1994), o hábito de repetir ritualmente um determinado gesto conduz, pouco a pouco, à consciência de "fingir". Podemos citar o exemplo da criança que brinca de boneca; ela passa a ser o adulto e a boneca é quem necessita de cuidados. A criança refaz sua própria vida, corrigindo-a a sua maneira e revive todos os prazeres ou conflitos, resolvendo-os em função de satisfazer o seu "eu", transformando o real em função dos seus desejos. Portanto, o jogo simbólico não é uma negação do real, ao contrário, é uma assimilação deformada da realidade para acomodação do egocentrismo infantil. Posteriormente, com a conquista da linguagem, que permite ao sujeito contar suas ações, reconstituir o passado ou evocá-lo na ausência dos objetos, juntamente com a representação e os esquemas motores, o simbolismo torna-se objeto da própria ação, que leva à consciência da regularidade da regra. Porém, neste momento, a prática da regra é puramente motora, "permanecendo o jogo individual, ainda não se pode falar senão de regras motoras e não de regras propriamente coletivas" (PIAGET, 1968, p.33).
O segundo estágio da Prática da Regra caracteriza-se pelo fato da criança entender as regras advindas do adulto como certas e sagradas, pois ele já existia antes dela. Reconhece que é preciso obedecê-las, mas na prática segue-as adaptando-as às suas necessidades. As crianças recebem do exterior o exemplo e regras codificadas, e, mesmo imitando esses exemplos, a criança joga, seja sozinha, sem se preocupar em encontrar parceiros, seja com os outros, mas sem procurar vencê-los e nem uniformizar as diferentes maneiras de jogar. Em outros termos, as crianças desse estágio, mesmo quando juntas, jogam ainda cada uma para si (todas podem ganhar ao mesmo tempo). Piaget (1994, p.81) nos explica que:

O egocentrismo, na medida em que é confusão do eu com o mundo exterior, e o egocentrismo, na medida em que é falta de cooperação, constituem um único e mesmo fenômeno. Enquanto a criança não dissocia seu eu das sugestões do mundo físico e do mundo social, não pode cooperar, porque, para tanto, é preciso estar consciente de seu eu e situá-lo em relação ao pensamento comum. Ora, para tornar-se consciente de seu eu, é necessário, exatamente, libertar-se do pensamento e da vontade do outro.

A partir dos sete anos, encontra-se o terceiro nível evolutivo da Prática da Regra. Aqui a criança torna-se capaz de cooperar porque começa a se liberar de seu egocentrismo social e intelectual, tornando-se, então, capaz de novas coordenações entre os pares. Nesta etapa, a regra normatiza realmente as ações. Segundo Piaget (1994, p.47):

[...] ainda falta qualquer coisa de essencial para que o exercício da dedução se generalize e se torne assim completamente racional: que a criança chegue a raciocinar formalmente, isto é, que tome consciência das regras do raciocínio a ponto de aplicá-las não importa em que caso, também naqueles puramente hipotéticos (simples assunções).

Com o aparecimento da cooperação, "cada jogador procura, doravante, vencer seus vizinhos, donde o aparecimento da necessidade de controle mútuo e da unificação das regras". (PIAGET, 1994, p.33). Na medida em que a criança passa a lutar com seus parceiros, procurando vencer, se esforça para observar as regras comuns.
No quarto nível evolutivo da Prática da Regra, por volta dos onze ou doze anos, inicia-se o processo de codificação das regras, o código das regras a seguir agora é conhecido por toda a sociedade e o sujeito toma consciência do porquê da existência das regras. Segundo Piaget (1994, p. 64):


Modificando as regras, isto é, tornando-se legisladora e soberana nessa democracia que sucede, por volta dos doze, onze anos, à gerontocracia anterior, a criança toma consciência da razão de ser das leis. A regra torna-se, para ela, condição necessária do entendimento.

Nesse período, de posse do pensamento e da reflexão, o adolescente terá mais condições de se submeter às disciplinas autônomas e livremente construídas, visando à cooperação. Na adolescência, os espaços onde acontecem as interações sociais ampliam, ocorrendo o aumento do ajuntamento com o grupo de iguais e um decréscimo da referência à família.
No que se refere à Consciência da Regra, o pesquisador identificou o primeiro nível evolutivo, denominado como Consciência da Regularidade (0 a 4 anos), o qual abrange todo o primeiro estágio da Prática da Regra e avança até a metade do segundo estágio evolutivo, denominado como Egocêntrico. O autor (1994) enfatiza que nesse nível evolutivo a criança não dissocia o "ego do socius". O seu pensamento está no nível prático de suas ações; não consegue coordenar os pontos de vista diferentes dos seus pares, isto é, não consegue colocar-se sob a perspectiva do outro, sendo que "o egocentrismo infantil é então, em sua essência, uma indiferenciação entre o eu e o meio social" (idem, 1994, p.81). Nesse estágio, a criança não consegue desvencilhar seu pensamento da existência do outro; não se reconhece como indivíduo. O adulto, então, impõe-lhe regras, mantendo um respeito unilateral, de forma coercitiva. A criança, por sua vez, não sente a necessidade de segui-las à risca; basta imitar as regras, seguindo seu desejo ou necessidade. Isso fica claro nas palavras do pesquisador:

Prazer essencialmente motor, como no decorrer do estágio anterior, e não prazer social. O verdadeiro socius do jogador desse estágio não é parceiro em carne e osso, mas o mais velho, ideal e abstrato, que ele se esforça interiormente por imitar, e que reúne o conjunto de exemplos recebidos até esse dia. Conseqüentemente, pouco importa o que faz o vizinho, pois não se trata de lutar com ele. Pouco importa os pormenores das regras, pois não há contato real entre os jogadores. É por isso que, desde que saiba imitar, esquematicamente, o jogo dos grandes, o menino desse estágio está convencido de conhecer a verdade integral: cada um para si, e todos em comunhão com o Mais Velho; essa poderia ser a fórmula do jogo egocêntrico. (PIAGET, 1994, p. 43)

O egocentrismo, segundo Piaget (1994), não é avesso à socialização, apenas à cooperação. Neste estágio a criança absorve tudo o que o meio lhe proporciona, mas traduz de forma a centralizar os atos segundo os seus desejos, ou seja, para si própria. Ela não consegue diferenciar o eu do mundo social, pois o mundo, para a criança, é uma extensão da própria atividade.
O segundo estágio da Consciência da Regra se inicia no decorrer da fase egocêntrica (5 a 9 anos), terminando mais ou menos na metade do estágio de cooperação da prática da regra (9 ou 10 anos). Nele "a regra é considerada como sagrada e intangível, de origem adulta e de essência eterna; toda modificação proposta é considerada pela criança como uma transgressão." (idem, 1994, p. 34). Segundo Piaget (1994, p.38):

[...] esse elemento de obrigação ou, para nos limitarmos à questão da prática das regras, esse elemento de obediência intervém desde que haja sociedade, isto é, relação entre dois indivíduos, pelo menos. Desde que um ritual é imposto a uma criança pelos adultos ou pelos mais velhos respeitados por ela (Bovet), ou desde que acrescentemos um ritual que resulte da colaboração de duas crianças, adquire, para a consciência do indivíduo, um caráter novo que, precisamente, é aquele da regra. Esse caráter pode variar segundo o tipo de respeito que predomina (respeito pelo mais velho ou respeito mútuo), mas, em qualquer caso, intervém um elemento de submissão que não estava incluído no simples ritual.

Dessa forma, as regras para a criança são sagradas e intocáveis. Sendo assim, são seguidas ao pé da letra e seu interesse deixa de ser psicomotor para torna-se um interesse social, possibilitando o nascimento da cooperação, que no primeiro momento se encontra em estado de intenção:

Ora, desde o segundo estágio, isto é, desde que a criança se põe a imitar as regras dos outros, e qualquer que seja, na prática, o egocentrismo de seu jogo, considera as regras do mesmo como sagradas e intocáveis: recusa-se a mudar as regras do jogo e entende que toda modificação, mesmo aceita pela opinião geral, constituiria uma falta. (PIAGET, 1994, p. 53)

Ao transpor essas informações para as relações sociais, é possível entender as razões pelas quais a criança se submete às regras dos adultos, impostas de forma coativa. Piaget (1994, p.93) denomina essa característica de realismo moral, que para ele é a propensão da criança em considerar "os deveres e os valores a eles relacionados como subsistentes em si, independentemente da consciência e se impondo, obrigatoriamente, quaisquer que sejam as circunstâncias às quais o individuo está preso". Prosseguindo com a exposição de sua argumentação, o pesquisador esclarece que a criança vê o dever de forma heterônoma e acredita que a regra deve ser observada ao "pé da letra" e a sua transgressão não deve ser avaliada tendo como principio a intenção. Dessa forma, analisa as responsabilidades dos atos objetivamente, conforme os danos provocados: é o fenômeno da responsabilidade objetiva, fundamentada no respeito unilateral, a qual é reforçada pelos adultos no relacionamento cotidiano com os pequenos.
Geralmente os adultos são intolerantes com desajeitamentos infantis e julgam os danos materiais mais importantes do que a intenção. Assim, quanto maior for a falta cometida maior será a bronca ou o castigo aplicado, por isso a criança adota tal modelo como regra de julgamento dos atos de seus pares, e leva a aplicação da regra ao "pé da letra". O autor (1994, p. 108) conclui que:

[...] podemos, desde já, formular a hipótese de que as avaliações baseadas apenas no prejuízo material são um produto da coação adulta refratada através do respeito infantil, mais do que um fenômeno espontâneo da psicologia da criança. De modo geral, o adulto usa de muito rigor contra os desajeitamentos. À medida que os pais não sabem compreender as situações e se deixam levar pelo mau humor em função da materialidade do ato, a criança começa por adotar essa maneira de ver e aplicar ao pé da letra as regras, mesmo implícitas, assim impostas. Na proporção em que os pais sabem ser justos, e, principalmente, ao mesmo tempo em que, com a idade, a criança opõe às reações adultas seu próprio sentimento, a responsabilidade objetiva diminui de importância.

Para Piaget (1994, p. 147), o realismo moral parece "resultar da conjunção de duas séries de causas: uma própria ao pensamento da criança (o realismo infantil) e outra à coação exercida pelo adulto", sendo próprio do pensamento infantil apoiar seu julgamento dos atos no que vê e sente, lembrando que o egocentrismo ainda faz parte de sua vida. A criança é capaz de julgar seus próprios atos levando em conta a sua intenção, mas não consegue fazê-lo quando se trata do outro; seu pensamento, ainda egocêntrico, não permite que ela se coloque no lugar do "culpado", concentrando seu julgamento no dano material. Segundo o autor (1994, p. 145):

No que se refere a si mesma, consegue muito depressa (aproximadamente por volta dos três anos, quatro anos, no momento do desenvolvimento dos "porquês" e do interesse pela motivação) diferenciar as faltas intencionais e as infrações involuntárias ao código das regras morais. E, logo depois, aprende a se desculpar invocando o "feito não de propósito". Mas, no que se refere aos atos de seus semelhantes, as coisas se apresentam sob um prisma completamente diferente. De um modo geral, não é imprudente admitir que a criança -como nós - é mais severa para com os outros do que para consigo mesma. A razão é simples: a conduta alheia aparece-nos em sua materialidade; assim, somos levados a confrontar imediatamente esta materialidade com a regra estabelecida e julgar os atos segundo este critério essencialmente objetivo. É somente por um esforço contínuo de simpatia e de generosidade que resistimos a tal tendência e procuramos compreender as reações de outrem em função da intenção.

Conforme os adultos mantêm um relacionamento de cooperação e respeito mútuo em suas relações sociais de cooperação com as crianças, o que exige considerar as necessidades dos outros, combinar decisões, emitir opiniões, coordenar diferentes pontos de vista, a responsabilidade objetiva é traduzida pela responsabilidade subjetiva, pois o ato será julgado levando em conta a intenção.
Já no final do estágio de cooperação (9/10 anos) e durante todo o estágio de codificação das regras (12 anos em diante), "A regra é considerada como uma lei imposta pelo consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório, se deseja ser leal, permitindo-se, todavia, transformá-la à vontade, desde que haja o consenso geral". (PIAGET, 1994, p.34). Portanto, neste estágio, a consciência da regra altera-se, a criança que já é capaz de cooperar interpreta a regra não mais como exterior a ela, mas como conseqüência da cooperação e dos combinados coletivos com a concordância recíproca, tendo a possibilidade de ser transformada desde que haja uma consonância geral entre os pares.
Segundo Piaget (1994), as concepções de justiça aparecem em estágios, tais como outros elementos do desenvolvimento moral, o qual é paralelo ao desenvolvimento intelectual. Essas concepções são grandemente determinadas pelos tipos de relações sociais vividas pelas crianças. Piaget divide a noção de justiça em três aspectos: justiça imanente, justiça retributiva e justiça distributiva.
A justiça imanente (3 a 6 anos) é caracterizada pela crença infantil de que as sanções acontecem automaticamente e emanam da natureza física ou dos objetos inanimados. Assim, a criança compreende que se não for boazinha pode ser punida por alguém superior ou por objetos. Essa crença advém de dois fatores: a coação adulta na sua relação com a criança e o próprio egocentrismo infantil, que a prende à idéia de que tudo gira em torno de si. Segundo o autor (1994, p.195), "muitos pais aproveitam as menores coincidências entre os pequenos acidentes de que a criança é vitima e suas desobediências, para declarar com convicção: "Você vê, foi Deus que o puniu etc.". Ainda para o autor (1994, p.196):


Com efeito, para a criança, a natureza não é um sistema de forças regidas por leis mecânicas e agindo ao acaso. A natureza é um conjunto harmonioso, obedecendo a leis tanto morais como físicas, sobretudo impregnadas, até os pormenores, por uma finalidade antropocêntrica ou mesmo egocêntrica. Parece, assim, inteiramente natural aos pequenos que a noite chegue para fazer-nos dormir e que basta meter-se na cama para movimentar a grande nuvem negra que produz a escuridão. Parece-lhes inteiramente natural que seus movimentos comandem os dos astros (a Lua nos segue para ocupar-se conosco). Em suma, em tudo há intenção e vida. Então, por que as coisas não seriam cúmplices do adulto a ponto de garantir sanção, quando a vigilância dos pais pode ser burlada? Que dificuldade há para que uma ponte quebre sob um pequeno ladrão, quando tudo, na natureza, conspira para salvaguardar esta Ordem, ao mesmo tempo moral e física, da qual o adulto é o autor e a razão de ser?

A partir do momento em que a criança passa a viver relações de troca de pontos de vista entre iguais, a colaborar na elaboração das regras e compreender seus significados, quando sofrer injustiças por parte dos adultos, evidentemente acreditará menos numa justiça universal e automática. (PIAGET, 1994, p. 200). No estágio da justiça retributiva, a criança atribui a justiça à autoridade dos adultos ou das crianças mais velhas, havendo uma indiferenciação das noções de justo e de injusto com as noções de dever e de obediência: o justo é o que está de acordo com as ordens impostas pela autoridade adulta. A sanção pode ser expiatória, isto é, não existe relação entre o ato e a punição, ou por reciprocidade, onde existe uma proporção entre a punição e o ato cometido. Segundo Piaget (1994, p. 222):

A sanção adulta provoca no espírito da criança idéias de expiação. Uma mentira, uma insubordinação acarretam, por exemplo, a privação de um prazer ou um isolamento. A criança recebe esta punição como uma espécie de reposição em ordem, que suprime a falta, apaziguando a autoridade. Pelo menos, a punição só é considerada como "justa" na medida em que existem o sentimento de autoridade e o remorso de ter ofendido a autoridade.

Na justiça distributiva, a igualdade prevalece sobre a autoridade ou sobre a necessidade de sanção, característica da justiça retributiva. É considerado como injusto aquilo que quebra as regras de um jogo ou as condutas contrárias à igualdade. Acima de 12 anos, em média, a justiça igualitária passa a ser enriquecida pela noção de eqüidade. Assim, na justiça distributiva, não se trata de afirmar a lei igual para todos, mas de considerar as circunstâncias pessoais de cada um. A criança busca os direitos dos indivíduos com base na situação particular de cada um.

Metodologia

A pesquisa foi realizada de forma qualitativa, partindo de pesquisas bibliográficas que foram cuidadosamente selecionadas e deram o embasamento teórico para essa temática e relato de experiência do autor.

Considerações finais

A partir da reflexão da teoria de Piaget (1994) podemos compreender que o desenvolvimento moral da criança acontece em estágios que guardam certa coerência interna, que têm uma ordem de sucessão e são grandemente determinados pelos tipos de relações sociais vividas pelas crianças. Quando predominam relações de respeito unilateral, de coação do mais forte sobre o mais fraco, a moral possível é a da heteronomia. Ao contrário, se as crianças puderem viver relações entre iguais, relações de cooperação, há a possibilidade de surgir uma moral da autonomia.
Portanto, destacamos a importância do papel da escola e da família, que unidas devem ter como objetivo uma educação autônoma.
O Conselheiro Educacional e Familiar, pode realizar um trabalho de orientação entre essas duas instituições. Na instituição escolar propor atividades que colaborem para a formação indivíduos críticos, participativos, conhecedores de seus direitos e deveres. Além de proporcionar um ambiente diversificado e rico de cultura, costumes e valores diferentes, deve propiciar aos sujeitos o exercício de sua capacidade de reflexão e reconhecimento do outro como um ser com direitos e deveres.
Na instituição familiar orientar os tutores que uma educação não pode estar pautada na imposição de valores, por melhores que sejam, nem deixada à livre escolha de cada um. No entanto, a educação depende de uma troca mútua de conhecimentos, de uma interação entre os pares, da qual resultam a comunicação e apropriação das regras sociais já construídas historicamente e a construção de novas regras que se adaptem a novas situações vivenciadas. É assim que os indivíduos se transformam e desenvolvem para viver em sociedade.
È claro que ambas as instituições, também devem considerar que, não se ensina ou se aprende cooperação como um valor sem a prática da cooperação; não se ensina justiça sem a reflexão sobre modos equilibrados de se resolverem conflitos; não se ensina tolerância sem a prática do diálogo.
Deste modo, a construção de uma moral autônoma é um caminho que o próprio tutor ou educador tem que percorrer, antes mesmo de conceder espaços para o crescimento moral das crianças. Ele tem que investigar sobre a teoria do desenvolvimento moral das crianças; refletir sobre seu próprio trajeto de construção moral; organizar ações educativas que possibilitem a criação de um ambiente mais democrático, que considere as necessidades dos sujeitos, tendo como objetivo seu desenvolvimento moral. É preciso compreender que o desenvolvimento moral se dá nas relações interpessoais, as quais abrangem as relações familiares e escolares, entre outras, e dependerá do tutor ou educador determinar qual tipo de ser humano se quer formar: autônomo ou heterônomo.

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