Enquanto Descartes estava sob a direção de seus preceptores se questionava sobre a validade, ou veracidade do que até então lhe estava sendo ensinado. Tanto que assim que pôde se desvencilhar dos mesmos, ele deixou completamente o estudo das letras e se pôs a buscar, por si próprio, como ele mesmo afirma, o que poderia ser tido como uma verdade incontestável. Nesse ínterim, sendo acometido por uma “revelação”, ou iluminação intelectual, Descartes chegou à base de toda sua produção intelectual, a qual seria, segundo ele, o alicerce de uma ciência maravilhosa.

Em sua obra “O Discurso do método” ele expõe a tese do Cogito, onde a razão é priorizada em detrimento dos sentidos, sendo esta a fonte de todo conhecimento seguro, e que por sua vez poderia ser tida como a verdade absoluta. Com isso, Descarte inaugura a nova ciência moderna, a que prometia responder com absoluta certeza a todos os questionamentos da humanidade.

Pautada em uma reflexão matemática sobre tudo, a tese de Descartes propunha a racionalidade das idéias, principalmente quanto à demonstração das mesmas, conferindo-lhes valor na medida em que pudessem se impor como valores referenciais por sua universalidade, que por sua vez poderiam dar segurança ao se buscar a verdade.

“E eu sempre tive um enorme desejo de aprender a diferenciar o verdadeiro do falso, para ver claramente minhas ações e caminhar com segurança nesta vida. (...) e, dessa maneira, pouco a pouco, livrei-me de muitos enganos que ofuscam a nossa razão e nos tornar menos capazes de ouvir a razão.” (DESCARTES, P.5)

 

Dessa forma, observamos aqui que a principal ferramenta proposta por Descartes para se chegar à verdade era o princípio da dúvida, engendrada por um processo argumentativo muito bem elaborado, rejeitando tudo o que pudesse gerar qualquer dúvida, fazendo o processo inverso na busca da verdade universal, que poderia sim ser passível de análise por qualquer pessoa. Mesmo porque, tal conhecimento já havia sido previamente testado até a última instância possível, separando o verdadeiro do falso.

Descartes chega a tamanha radicalidade em sua dúvida que chega a se questionar até mesmo quanto a veracidade da matemática, base de sua tese, sobre se realmente haveria algo em que se pudesse acreditar com total certeza.

            Por fim, o filósofo chega à sua maior sentença, “Penso, logo existo”, verdade que acreditava estar imune a qualquer sombra de dúvida, se bem que é possível se duvidar até mesmo sobre o fato de se estar realmente pensando.

            Nesse caminho de investigação sobre a verdade temos ainda a contribuição de Tomas Kuhn, que ofereceu outra abordagem sobre o assunto. Acreditava ele que o ser humano está inserido em diferentes tipos e níveis de cultura, assim como as comunidades científicas, que por sua especificidade estão intimamente ligadas, cada qual a um paradigma específico, o que compromete definitivamente sua visão sobre o mundo e a realidade encontrada na natureza. De forma que, seus conceitos, fórmulas matemáticas, emoções, metáforas e imagens não passam de uma interpretação particular sobre um fato, impedindo a obtenção de uma verdade definitiva e absoluta sobre qualquer investigação.

            Outro argumento que reforça sua teoria é o fato de que o progresso científico demanda a superação de uma tese sobre outra, configurando uma sucessão de probabilidades que evidenciam o aspecto unidirecional e irreversível da ciência.  Concomitantemente a isso, observa-se que o desenvolvimento científico não se configura em um processo gradual em direção à verdade absoluta, pois não está em correspondência direta com a natureza, mas, como dissemos, são interpretações paradigmáticas e particulares da natureza.

 

“O trabalho da ciência normal, comparado à resolução de um quebra-cabeças, é o de articular, limpar, aperfeiçoar, elaborar o paradigma vigente. Tudo é feito para manter o paradigma, que se apresenta nesse momento como inatingível. Se algo errado, não previsto pela teoria, acontece (anomalia), a comunidade científica responsabilizará o cientista ou seu procedimento pelo erro, jamais as teorias ou a metodologia do paradigma.” (LIMA, 2010,p.53)

 

            Assim, segundo Kuhn deveria se abandonar a concepção de verdade absoluta, pois esta não passa de uma especulação redundante sobre a verdade. Adotando ao invés dessa uma postura um tanto relativista, dando maior importância a princípios como o de identidade e o de não contradição.

            Em suma, filósofo ressalta que os paradigmas enfraquecem a idéia de verdade absoluta, sendo ela mesma de difícil comparação quando referenciada a eles. Não existe “verdade”, mas várias verdades, tantas quantas abordagens científicas existirem com seus conceitos próprios, ou seja, os cientistas caminham assim para uma compreensão cada vez maior do que é o mundo em-si-mesmo, mas isso não quer dizer que seja possível se chegar à verdade última sobre ele.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESCARTES, R. – Discurso do Método, Traduzido por Enrico Corvisieri, Membros do grupo de discussão Acrópolis, Versão Eletrônica.

 

DESCARTES, R. – Discurso do Método, Coleção os Pensadores, Vol. 15, Traduzido dor J. Guinsburg e Bento Prado Junior, Editora Abriu Cultural, 1999.

 

VAZ, Alex – O Racionalismo – Idéias Claras e Distintas; Penso, Logo Existo, Portal Impacto, 2008.

 

KUHN, T. – A Estrutura das Revoluções Científicas – Editora Perspectiva, Tradução Beatriz Viana Boeira e Nelson Boeira, 9ª Edição, São Paulo, 2009.

 

LIMA, J. – GUIA DE ESTUDOS DA FILOSOFIA, “Karl Popper e Thomas Kuhn: uma introdução à filosofia da ciência contemporânea” (p. 49 a 54), UMESP, São Bernardo do Campo, 2010.