Mário Sérgio Rodrigues Ananias

Brasília
Out. 2010

Introdução
Há muito, os cidadãos escolarizados e com importante capacidade cognitiva esperam do Poder Legislativo brasileiro uma agenda que privilegie a opção pela ética - enquanto base para a formulação de suas diversas propostas; transparência ? representada pela pétrea tomada de posição em favor da accountability; dignidade ? através, minimamente, do honrar o cumprimento das responsabilidades assumidas frente aos diversos públicos, personalizados ou institucionais. Essa vontade popular - não popularesca - pretendida como reforma, vem sendo sistematicamente protelada por tantos quantos ascendem ao poder, pois a referida agenda acomodaria em seu escopo importante alteração no status quo dos ali instados, reduzindo o espectro de discricionariedades específicas e minimizando as possibilidades de desvios e malversações que historicamente perenizam na representatividade certos indivíduos ou clãs.
A despeito da necessária - apesar de pouco esclarecida - distinção entre a instituição Legislativo, o corpo de eleitos que o integra e a gama de servidores indispensáveis ao seu funcionamento, depreende-se, a partir da massiva cobrança envidada principalmente pela imprensa, um distanciamento entre o real propósito desse Poder e as entregas disponibilizadas aos seus diversos demandantes. A expectativa por resultados objetivos em favor do bem comum, do Estado e do cidadão - destinatário último dos esforços do poder democrático constituído - esbarra, não raro, no fisiologismo de personalidades ou grupos de interesses que se empenham não em servir à soberania popular, pressuposto da função para agentes públicos, mas em servir-se da democracia. Decorre dessa primeira percepção empírica algumas posições populares relativas ao Legislativo, como a má avaliação, a desconfiança, o desinteresse, a acomodação/indiferença e até a pura e simples aversão à política. Notadamente, tais conceitos se consolidam pela exposição, através dos meios de comunicação, da atividade parlamentar, mormente quando esta se mostra ignóbil, como nos recentes casos de corrupção, amplamente veiculados de forma a não diferenciar as estruturas - poder, agentes e servidores - que compõem o Legislativo.

Imagem
Um dos momentos mais tenebrosos em termos de escândalos de corrupção no Congresso Nacional, ocorrido em 2005, propiciou, conforme reportagem de Mauro Ceccherini para a Rádio Câmara(Ceccherini, 2005), a união de diversos partidos, mesmo aqueles de posicionamentos sabidamente antagônicos como PT, DEM e PSDB, em um grupo suprapartidário, denominado Pró-Congresso, com vistas a resgatar a imagem do Legislativo. As ações propostas incluíam uma agenda mínima de votações com fulcro em demonstrar a continuidade de funcionamento do Congresso mesmo sendo, diversos parlamentares naquele momento, alvos de inúmeras acusações de corrupção e subserviência ao Executivo e ao poder econômico. Nesta reportagem o deputado Rafael Guerra do PSDB mineiro entende que parte da agenda mínima do Congresso deveria comportar a reforma política, conjuntamente com o seu papel fiscal em relação às outras instituições nacionais, bem como ao Executivo. Reforça também a premência pela "(...) apuração completa e a punição dos responsáveis porque nós não podemos permitir que alguns comprometam o todo.(sic)"(Ceccherini,2005). Ao coro de indignados integra-se a voz do deputado baiano Walter Pinheiro, do Partido dos Trabalhadores, quando defende a necessidade de fazer, àquela época, com que o Congresso voltasse a funcionar efetivamente, mesmo sob a pecha de tantos escândalos: "Não se lê uma Casa Legislativa só a partir do que efetivamente ela vota. É lógico que ela tem obrigação de votar. (...). Então, a gente tem que botar para funcionar, para votar. (sic)" (Ceccherini,2005). Vê-se, portanto, clara mensagem de percepção do grau de deterioração na imagem do Congresso aos olhos do público interno e externo.

Reflexos
Os dados das pesquisas apresentados no artigo Quando a imagem vira caso de democracia: Aspectos da desconfiança no Congresso Nacional Brasileiro (Henrique,2010), consolidam, através de estudo, em um viés científico, aquilo que já se fez voz geral no que tange à visão que os diversos públicos têm do Legislativo, de seus agentes, os políticos, e de sua representatividade. A demonstração patente de que o Congresso Nacional fica muito aquém daquilo que dele se espera está no fato de que a falta de confiança é generalizada na população. O agravante, no entanto, reside no fato de que nos recortes sociais de maior renda (Henrique, 2010 ? p.18) e de maior escolaridade (ibid, p.15), o nível de desconfiança é significativamente maior. Não se trata, pois da tendência parapatológica da consciência de certos indivíduos desinformados em teorizar, sem qualquer conhecimento ou informação a respeito do assunto, expressando irresponsavelmente, então, um ponto de vista teórico ou suposições sobre o desempenho negativo do Congresso. As percepções expressadas por este grupo de pessoas, críticas/conscientes, com maior grau de balizamento ? conseqüência natural de maior escolarização; com importante nível de acesso à informação - decorrente de domicílio em localização geográfica privilegiada, como o sul/sudeste e os grandes centros; e com capacidade cognitiva mais elevada; qualificam as percepções negativas e justificam uma maior preocupação no empenho dos parlamentares pela melhoria dessa imagem. Ainda que as percepções das pessoas ou grupos menos abalizados se apresentem mais favoráveis e muito menos críticos e, ainda, que sejam tais grupos ou pessoas - em números absolutos - significativamente maior do que aqueles que compõem a parcela dos conscientes, pertencem a este último recorte os formadores de opinião. Estes, enquanto elementos mais bem informados, os connaisseur?s, têm maior probabilidade de conduzir aqueles às tomadas de posição frente às possibilidades que se lhes apresentem, portanto, sua percepção tende a encerrar maior impacto relativo na avaliação da confiabilidade negativa ou positiva do objeto de estudo.
Na condição, então, de repositório de insatisfações mais ou menos generalizada, dependendo do viés pelo qual se observe, o Congresso Nacional se vê às voltas com a necessidade, ou mesmo obrigatoriedade, de direcionar esforços no sentido do resguardo ou resgate da própria imagem arranhada pelo desvirtuamento da função parlamentar em escândalos diversos, responsabilização insuficiente para amealhar respeito, e em detrimento do tempo e da energia que deveria canalizar para a sua atividade fim.
Sobre a instituição máxima da democracia, como o Poder Legislativo é entendido, recai a pecha de telhado de vidro do regime democrático, alvo da maioria das queixas pelas insatisfações sociais, não só no Brasil, mas na quase totalidade dos países, como se constatou através dos trabalhos desenvolvidos e apresentados no primeiro semestre de 2010 pelos alunos do Curso de Gestão Pública Legislativa na disciplina Estudo Comparado do Parlamento do CEFOR, ainda inédito. A avaliação negativa do Legislativo, envidada por essa massa de cidadãos críticos, oriundos de uma maior acessibilidade à informação e à escolarização no período pós-segunda guerra mundial, promoveu uma mudança importantíssima na percepção das autoridades e instituições públicas: a aprovação, principalmente nas democracias mais antigas, decresceu, em trinta anos, de 75% para apenas 25%(Moisés,2005). Segundo o mesmo autor, a conceituação atual não prescinde de que a cidadania "está na importância atribuída à confiança dos cidadãos para o funcionamento das instituições democráticas" (Moisés,2005). Quando a confiança se perde, a cidadania também míngua e, com isso, a própria democracia se vê ameaçada. A apatia e o desinteresse pelas questões políticas transmudam o cidadão em um "analfabeto político", parafraseando o poeta e dramaturgo alemão Eugen Berthold Friedrich Brecht em sua célebre poesia de mesmo nome. Nessa condição dispõe-se aos aproveitadores, optantes pelo autoritarismo - como perceptivelmente começa a tomar corpo em alguns países latino-americanos - um vasto campo em que semeiam a insegurança, enquanto acenam aos incautos com o retrocesso transfigurado em oportunidade de mudança, cujo ardil reside na incapacidade do homem cínico em perceber que a troca o obriga a perdas irreparáveis, a princípio e inelutáveis, num segundo momento.

Consequencias
O Legislativo, por seu papel essencial à democracia, sua representatividade, tem irrenunciável responsabilidade para com a cidadania. A percepção da qualidade de suas posturas e ações, determina a possibilidade de tornar instável o regime de governo a que estamos sujeitos, no Brasil, quando sua imagem sucumbe ante a avalanche de denúncias de escárnio à coisa pública, de corrupção, de cooptação, acrescidos ao despreparo dos representantes em relação às demandas de seus representados. As pesquisas apresentadas (Henrique,2010), enfatizam que mesmo entre os menos aquinhoados, seja em termos de renda ou de escolarização, nas diversas faixas etárias, nos recortes de gênero e mesmo geográficos, subentende-se uma tendência de percepção negativa das Casas de Leis. Outro agravante para o quadro já adverso demonstrado nas pesquisas em referencia encontra-se no fato de que a busca pela erradicação do analfabetismo; a acessibilidade cada vez maior à informação, propiciada pela tecnologia; a transformação - hoje cada vez mais acelerada ? dos cidadãos cínicos em críticos; são fatores que tendem a empoderar as pessoas da sua qualidade de cidadãos, na acepção da palavra, capazes de exigir seus direitos e compreender seus deveres enquanto atores sociais na medida de sua cidadania. Desta forma, a qualidade do regime democrático visto pelo prisma da imagem do Legislativo - o mais importante liame entre o cidadão e o poder constituído ? representado pela Câmara dos Deputados, vê-se afetada positiva ou negativamente a partir de como esta mesma imagem se apresenta: obnubilada, deteriorando-a a mal da democracia; ou transparente, a bem da cidadania.


BIBLIOGRAFIA
CECCHERINI, Mauro. Rádio Câmara ? Reportagem: Grupo suprapartidário quer resgatar a imagem do Legislativo(2005). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/?selecao=MAT&Materia=28905.> Acesso em: 02 out.2010
HENRIQUE, Ana Lúcia. Quando a Imagem vira caso de Democracia: Aspectos da desconfiança no Congresso Nacional Brasileiro. Disponível em: <http://inseer.ibict.br/e- legis/index.php/e-legis/article/viewFile/37/41> Acesso em: 31 ago.2010
MOISÉS, José Álvaro. Cidadania, Confiança e Instituições Democráticas. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n65/a04n65.pdf> Acesso em: 02 out.2010