O conceito de educação musical como disciplina escolar inserida no currículo da educação básica apresenta-se diversificado. Para uns, a música não passa de um divertimento das festas e comemorações previstas no calendário escolar. Dentro dessa concepção, a música ocupa lugar secundário na hierarquia das disciplinas escolares e muitas vezes, é ministrada pelo professor de Educação Artística ou por um professor de outra disciplina que normalmente, encontra-se mais “disponível” ou possui maior “sensibilidade” para a música. Ensaiar algumas músicas para serem apresentadas é tarefa que qualquer professor tem condições de executar. Para outros, em que a educação é concebida como agente de transmissão e conservação de conhecimento acumulado, a educação musical obedece ao processo de seriação, fragmentação, reprodução e seleção de conteúdo. Nessas condições o trabalho está comprometido pela impossibilidade de diálogo e troca de experiências entre professor e aluno, impedindo a socialização do conhecimento musical e a sua apropriação de modo crítico e consciente.

No contexto de uma educação voltada para a transformação social, a educação musical centra-se na busca do equilíbrio entre o didático e o artístico, propiciando ao aluno a aquisição do conhecimento musical organizado e sistematizado, ao mesmo tempo em que favorece o desenvolvimento da criatividade, imaginação e sensibilidade, ou seja, uma educação musical inserida na formação integral do indivíduo. Cabem as Secretarias de Educação de cada Município estabelecer juntamente com os diretores das escolas a maneira pela qual será praticado o ensino musical na educação básica.

Em uma pesquisa realizada em escolas do interior do Estado do Pará (Altamira, Uruará e Placas) e na Região Metropolitana de Belém, pôde-se, identificar diretores com formação em diferentes áreas como: Pedagogia, Geografia, Matemática, Letras, História e Física, poucos foram os professores encontrados que possuem formação específica tanto em artes como em música para trabalhar com o ensino musical.

As análises da situação da gestão escolar frente ao ensino musical nas escolas de ensino regular foram feitas a partir de pesquisas realizadas em escolas da rede pública: estadual e municipal. Todas as escolas pesquisadas contam atualmente com mais de 800 alunos desde o ensino fundamental até o médio, funcionando nos três turnos, manhã, tarde e noite.

            Foram pesquisadas 12 escolas, (quatro no interior do estado - Transamazônica e oito na Região Metropolitana de Belém) apenas 3 escolas das 12 pesquisadas implantaram o conteúdo musical em sua grade curricular ( ainda de uma forma muito superficial), o diálogo de quase todos os diretores entrevistados tiveram falas parecidas em relação ao conteúdo de música: “ nós não temos profissional e nem estrutura para trabalhar com o ensino de música...’’  e por incrível que pareça alguns ainda desconheciam a obrigatoriedade do conteúdo de música na educação básica. Falas parecidas também foram feitas por professores que ministram artes sem possuir formação específica para disciplina e afirmam não possuir nenhum curso de capacitação  para trabalhar com música: “sem nenhum tipo de Curso de Capacitação sobre música fica muito difícil trabalhar com os alunos...’’

Tendo em vista a preservação da identidade, os integrantes da pesquisa foram assim identificados:

1. Professor (a) – 1, 2, 3 e 4.

2. Diretora – 1 e 2.

            A falta de esclarecimentos e formação sobre o ensino musical na educação básica não só no Estado do Pará mais em quase todos estados brasileiros deixa muitos diretores confusos, sem saber qual conteúdo os alunos irão aprender, de qual maneira deverão conduzir o ensino musical e como dar suporte ao professor que ficará responsável para ministrar essas aulas. Sobre a questão Swanwick (2010) faz uma avaliação sobre o ensino de música da educação básica no Brasil em uma entrevista cedida pela revista Nova Escola.

Acho que vocês têm alguns problemas: onde estão os professores que vão atender à demanda criada pela nova lei? Certamente há muitos profissionais ensinando música de qualidade, mas em geral eles estão em escolas de Música e não na rede de ensino. É preciso conceber formas de atrair essas pessoas para a escola ou melhorar a formação dos que já atuam. Talvez seja necessário um tempo para que se formem docentes prontos para cumprir a norma do governo.

            A pesquisa realizada pode comprovar a fala de Swanwick em relação à falta de profissionais que irão atender demanda do ensino musical, e nas poucas escolas onde se pôde encontrar um profissional com formação em música falta a parte de apoio da gestão escolar.

            Na fala de uma professora formada em Educação Artística com Habilitação em Música e já atua a mais de 10 anos em uma das escolas pesquisadas na Região Metropolitana de Belém com o ensino musical fica clara a falta de suporte que o profissional que trabalha com o conteúdo de música nas escolas recebe da gestão.

“Os diretores muitas vezes dizem: “há, eu acho legal o ensino da música, eu apoio”, mas o que é esse apoiar? Será que é só ir assistir as apresentações e aplaudir? (...) não programam junto, não dão suporte, porque precisa de um material, aí sou eu que tenho que ficar correndo atrás, tem as caixas as extensões, microfones, estantes e isso tudo sou eu que tenho que arrumar, esse material é todo eu que levo é todo meu. Enfim, a própria gestão não dá esse suporte. Então, qual o suporte que ela dá? Ela não atrapalha!” (Professora 1).

            Enquanto alguns professores que possuem formação para trabalhar com música na educação básica discutem a falta de suporte por parte dos gestores, muitos, ainda não sabem como vão trabalhar com ensino de música sendo que não foram preparados. A professora formada em Biologia que está ministrando aulas em artes a mais de dois anos em Belém resume o que foi dito por vários professores que estão na mesma situação:

“Posso garantir que o ensino de artes não recebe seu devido valor justamente pela falta de conhecimento por partes dos responsáveis pela educação no Brasil sobre o que realmente é a “ARTE.” (...) E no Brasil eles acabam aprovando muitas Leis e acabam esquecendo daquilo que eles mesmos aprovaram e não dá nenhuma formação pra ninguém, sem nenhum tipo de Curso de Capacitação sobre música fica muito difícil trabalhar com os alunos, agente não recebe nenhum tipo de orientação e aqui nem o diretor sabe o que devemos fazer.” (Professora 2).

A falta de estrutura e apoio por parte da gestão escolar pode ser explicada justamente pela falta de esclarecimentos sobre o ensino musical que os gestores ainda não receberam do Governo. É o que explica a diretora formada em Geografia e que está como diretora a três anos de uma escola da Região Metropolitana de Belém onde ainda não começaram a trabalhar com o ensino musical.

“Sabemos da obrigatoriedade do ensino musical na grade curricular no ensino básico mais ainda não começamos a trabalhar com música aqui ainda não. (...) Sem capacitação sobre o que será ofertado, qual o conteúdo, o material que vai ser utilizado fica difícil agente saber como preparar a escola e até mesmo os alunos, porque pra maioria dos alunos vai ser uma coisa nova não é mesmo? (...) Outra coisa, eu vejo assim, como questão musical, você tem que ter o dom, não sei se você analisa assim, mais como é que eles colocam a obrigatoriedade do ensino da música (e eu acho correto), mas e se os alunos não tiverem o dom? (...) Creio que não é só aqui nessa escola, penso que são poucas as escolas públicas que tem uma estrutura pra trabalhar com música e até agora não chegou ninguém da Secretaria de Educação ou de algum órgão responsável para disponibilizar alguma pessoa pra capacitar alguém, não tivemos nem um curso de capacitação em relação a isso ao ensino da música.” (Diretora 1).

Em relação à capacitação de professores, apenas uma das cidades pesquisadas ofereceu um curso de formação para os professores que atuam com a disciplina de artes. No Município de Uruará (município da Mesorregião Sudoeste do Pará, pertencente à Microrregião de Altamira, localizado ao longo da Rodovia Transamazônica) trinta professores que lecionam artes no ensino fundamental participaram de uma capacitação sobre o ensino musical com carga horária de 80hs. O curso foi oferecido pela Secretaria Municipal de Educação de Uruará em 3 módulos ministrados por um Professor Licenciado em Música (UEPA) cedido pela  Fundação Carlos Gomes da capital Belém – Pará (Instituição Estadual que atua especificamente com ensino musical nos níveis: Básico, Técnico e Superior em convênio com a UEPA).

Dos professores que participaram do curso, nenhum possuía formação em artes, mas pela falta de profissionais na área acabaram assumindo as turmas dessa disciplina praticamente sem domínio dos conteúdos que abrangem desde artes visuais, teatro, música e dança como diz uma das professoras que é formada em letras, mas que atua a três anos como professora de artes no ensino fundamental do Município de Uruará.

“Penso que não é só aqui no Município de Uruará mais em quase todos os municípios dos estados brasileiros que existem profissionais de outras áreas que ministram artes nas escolas de educação básica. (...) Foi por causa dessa falta de professores formados em artes que comecei a trabalhar como professora dessa disciplina e a dificuldade que tive e ainda tenho um pouco é porque a Educação Artística está sendo abordada de uma forma polivalente e no conteúdo específico da música fica mais difícil ainda. Só fui ter realmente noção do que passar para meus alunos depois que fiz o curso de capacitação, mas mesmo assim a carga horária ofertada foi pouca. (...) Espero que tenha mais cursos como este, porque acabei entendendo que o ensino musical é bem mais complexo do que imaginava e acabei descobrindo que a parte de percepção é muito importante, os alunos realmente aprendem a ouvir melhor e entender melhor as coisas não só na música mais em qualquer área do conhecimento.” (Professora 3).

              Dos professores que foram pesquisados, a maioria reclamou da polivalência que existe no ensino de artes que acaba prejudicando ainda mais o ensino da música. É o que pode ser analisado no diálogo de um dos professores formado em Educação Artística com Habilitação em Música que trabalha em Belém ministrando Artes desde 2009.

“Os diretores desconhecem o ensino de artes em relação o que diz os PCNs. (...) Lá está assim: Artes (música, artes visuais, teatro e dança) aí eles entendem que nós temos que ministrar aulas sobre todas essas linguagens, mais não é isso! Ou seja, eles cobram a polivalência do professor e isso é um engano, o professor não está preparado para dominar todas essas áreas para passar esses conhecimentos com qualidade para seus alunos. (...) e tem outra coisa, trabalhar com os alunos o ensino de música em apenas um bimestre é muito “desproveitoso”, o aluno não consegue “pegar” quase nada e acaba ficando um ensino superficial, por falta da apreciação, percepção e da criação.” (Professor 4).

            Em algumas escolas da rede estadual, principalmente da região metropolitana de Belém, apesar do conteúdo musical não fazer parte do currículo junto ao ensino de artes, o ensino musical acontece por meio de projetos como “Mais Educação” (Projeto do Governo Federal que visa à ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral, os alunos participam de atividades extraclasse no contraturno como: xadrez, vôlei, futsal e música. Também recebem reforços nos conteúdos de algumas disciplinas como: Português, Matemática, Química e Física). Neste projeto os alunos têm aulas de percussão, violão, teclado e flauta doce, as aulas são ministradas por estagiários do Curso de Música (UEPA e UFPA) que já se encontram matriculados a partir do 6º semestre.       A diretora de uma escola do Município de Ananindeua que é formada em Matemática e está na gestão a 4 anos explica como funciona o ensino de música na escola onde atua:                         

“Aqui, no ensino de artes ainda não foi implantado o conteúdo de música, exatamente porque o professor que está ministrando a disciplina é formado em letras e não possui domínio sobre o ensino musical. Estamos esperando uma resposta da Secretaria de Educação em relação a isso. (...) Temos um trabalho com música que vem sendo realizado por meio do Projeto Mais Educação que é do Governo Federal, e ai chegou instrumentos de fanfarra, violões e teclado. (...) Foi chamado um aluno do Curso de Música da UEPA para ficar responsável pelas aulas com esses instrumentos. (...) Por falta de sala adequada muitas vezes ele trabalha com os alunos no pátio, porque só veio mesmo os instrumentos mas não veio nenhuma uma verba para estruturar a escola.” (Diretora 2).

            O trabalho realizado na área de música reflete problemas que somam à ausência de profissionais habilitados e a pouca (ou nenhuma) informação musical que os gestores responsáveis pela educação básica recebem sobre o ensino musical. Reflete também, a necessidade de repensar a concepção enraizada, e muitas vezes ultrapassada que se tem de música, assim como a necessidade de conhecer e respeitar o processo de desenvolvimento musical de cada aluno.

            Para maioria dos gestores, a música é entendida como “algo pronto”, cabendo ao aluno apenas interpreta-la. Ensinar música, a partir dessa óptica, significa ensinar a reproduzir e interpretar músicas, desconsiderando a possibilidade de experimentar, improvisar, ouvir e compor, deixando de usar assim, ferramentas pedagógicas de fundamental importância no processo de construção do conhecimento musical e intelectual necessários para os alunos.