COMITÊ DA BASILEIA DE SUPERVISÃO BANCÁRIA:

ASPECTOS RELEVANTES RELATIVOS À REGULAMENTAÇÃO BANCÁRIA INTERNACIONAL

 

 

Lívia Azevedo de Carvalho

 

 

1.              INTRODUÇÃO

O presente texto, de caráter acadêmico, busca mostrar de maneira objetiva a intrínseca relação entre o aprimoramento das relações financeiras internacionais e a necessidade de um órgão bancário supervisor.  Neste contexto, surgiu o Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (Basle Committee on Banking Supervision), instituído através dos Presidentes dos bancos centrais dos países do G-10, em 1975.

O Comitê se constitui por representantes de autoridades de supervisão bancária e bancos centrais do Reino Unido, da Alemanha, da França, da Itália, da Holanda, da Suécia, da Bélgica, dos Estados Unidos da América, do Canadá, do Japão, de Luxemburgo e da Suíça. Conforme norma geral, a reunião ocorre no Banco de Compensações Internacionais, na Basiléia, Suíça, onde se localiza sua Secretaria permanente.

Em sua natureza, o Comitê de Basiléia não possui autoridade formal para supervisão supranacional, mas tem o objetivo de induzir comportamento nos países membros do G-10.

Desde seu surgimento, constituiu-se o Comitê em um fórum de discussão para o aprimoramento dos atos de supervisão bancária, buscando aperfeiçoar as ferramentas de fiscalização no cenário internacional. Embora não apresente autoridade para fazer cumprir suas recomendações, a maioria dos países, membros ou não, tendem a implementar as políticas ditadas pelo Comitê.

Apesar de não ser uma organização formal no âmbito do Direito Internacional, o Comitê da Basileia ocupa espaço e realidade de um fórum internacional permanente, desempenhando um papel catalisador para o surgimento de uma rede internacional de troca de informações e discussão de matérias relativas à supervisão preventiva.

As crises financeiras e os eventos relevantes serviram, neste contexto, de pano de fundo aos marcos de regulação, que buscam livrar o sistema dos efeitos de contaminação dessas ocorrências e promover um ambiente de gestão eficiente.

Um dos mais importantes resultados do esforço de regulamentação nesse contexto de crises econômicas mundiais é o Novo Acordo da Basiléia, divulgado em junho de 2004, que apresenta princípios, medidas e providências com vistas à maior adequação do requerimento.

Destaca-se ainda que a regulamentação bancária internacional é um fenômeno relativamente recente, nascida como resposta à crescente internacionalização do negócio bancário. Ainda que divergente em relação ao escopo da regulamentação nacional não difere quanto à sua natureza (regulamentação) e quanto aos fatores que a causam.

2.              O COMITÊ DE SUPERVISÃO BANCÁRIA DA BASILEIA

1.1   DISPOSIÇÕES INICIAIS

Inicialmente, por autoridades financeiras, entendem-se as organizações de supervisão ou de regulação do setor financeiro que possua responsabilidade na proteção do sistema financeiro e na manutenção da confiança do público nele. Isso inclui os órgãos supervisores de bancos, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, companhias de seguro e outras entidades que recebem depósitos, assim como agências de proteção do consumidor de serviços financeiros e autoridades com responsabilidade sobre bolsas de valores e de mercadorias. Bancos Centrais que não são supervisores também são considerados em sua capacidade de vigilantes de sistemas de pagamentos e de liquidação.

O Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia envolve representantes dos Bancos Centrais e autoridades de supervisão dos países integrantes do grupo dos Dez (Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos da América), acrescidos de Luxemburgo e Suíça, e se reúne na Basileia sob os auspícios do Banco de Compensações Internacionais (BCI).

O Comitê, cujo nome original era Comitê de Regulamentação Bancária e Práticas de Supervisão, foi fundado ao final de 1974 para motivas a cooperação na supervisão preventiva e negócios bancários internacionais.

Embora o Comitê atue como um fórum informal e suas decisões não terem força imperativa legal direta sobre os países-membros do G-10, ele representa de fato um órgão regulatório internacional. Um grande número de países, inclusive o Brasil, adotou várias resoluções e recomendações do Comitê, incorporando-as à sua legislação e regulamentação nacional.

O Comitê de Basileia, em seu trabalho de convergência regulatória, busca atingir segurança e solidez do sistema bancário internacional, aliado a políticas de promoção de competições justas entre os bancos internacionais a fim de trazer estabilidade ou diminuir as desigualdades competitivas.

Em quase três décadas de existência, o Comitê foi responsável pela condução de trabalhos na área de supervisão de estabelecimentos internacionais e adequação de capital, conforme se é possível observar.

2.1   EVOLUÇÃO DAS NORMAS DE SUPERVISÃO

Em setembro de 1975, face ao colapso, no ano anterior, do banco Alemão Bankhaus I.D. Herstatt e o do norte-americando Franklin National Bank, o Acordo da Basileia, enquanto guia de recomendação de boas práticas, dispôs sobre alguns princípios visando à supervisão de bancos internacionais através de agências (unidades legalmente dependentes), subsidiárias (unidade legalmente independentes) e joint ventures. O objetivo do Comitê era prevenir que as instituições internacionais dos bancos escapassem a uma adequada fiscalização.

A seguir, em linhas gerais, os aspectos mais relevantes do Acordo de 1975:

1)  A solvabilidade das agências é responsabilidade do supervisor no país de origem ou onde de situa a sede;

2)  A solvabilidade das subsidiárias e joint ventures é responsabilidade do supervisor no país local ou no país em constituição. No entanto, o país de origem deveria levar em consideração a exposição de subsidiárias estrangeiras de seus bancos domésticos e joint ventures devido ao compromisso moral da sede com relação a esses estabelecimentos estrangeiros;

3)  A liquidez das agências, subsidiárias e joint ventures é responsabilidade do supervisor do país local. O país de origem deve monitorar a liquidez de seus bancos internacionais.

Ocorre que esses princípios gerais para supervisão de bancos internacionais restaram prejudicados pelo enfoque doméstico face à regulamentação bancária, uma vez que dispuseram divisões de trabalhos na fiscalização de bancos internacionais entre autoridades nacionais separadas. Deste modo, a fiscalização, embora possuísse um pilar internacional, permaneceu nacional.

Em 1983, após o colapso, em 1982, do Grupo do Banco Ambrosiano, foi divulgado o Acordo Revisado de 1983 sob o título de “Princípios para supervisão de estabelecimentos estrangeiros de bancos” mediante orientações e recomendações sobre as melhores práticas para referência dos supervisores.

O relatório de 1983 priorizou dois princípios regulatórios: o enfoque de “duas chaves, em que as autoridades da matriz e agência examinam mutuamente a qualidade de sua fiscalização, e a necessidade de supervisão consolidada relativa à habilidade das autoridades da matriz em monitorar a exposição a riscos e adequação de capital de um banco ou grupo bancário com base na totalidade dos negócios conduzidos.

Ressalte-se que a supervisão consolidada pressupõe o acesso pelo país de origem a toda informação relevante sobre operações dos estabelecimentos estrangeiros dos bancos, entretanto, tal acesso é dificultado devido à presença de jurisdição com sigilo bancário. O acordo em questão reconhece esse ponto, mas não apresenta recomendações específicas sobre como sustar tal sigilo.

Desta forma, apesar de apresentar algumas “falhas” (como exemplo, a descrita acima), a formulação desse princípio de supervisão consolidada representa um primeiro passo conquistado rumo à harmonização, haja vista a natureza de superposição das responsabilidades de fiscalização entre as autoridades do país de origem e o hospedeiro.

Em 1990, o Comitê apresentou um aditivo ao documento de 1983 visando definir mais claramente como o acordo deveria ser o implemento de fato, ressaltando as recomendações sobre procedimentos de autorização, fluxo de informações, problemas com sigilo bancário e auditoria externa.

Apesar do enfoque da “dupla chave” do Acordo de 1983 visar reverter a tendência dos bancos a gravitar em direção à jurisdição menos regulada, a crise fornecida pelo fechamento do BCCI (Banco de Crédito e Comércio Internacional), em julho de 1991, demonstrou as limitações singulares daquele princípio.

Em julho de 1992, o Comitê da Basileia apresentou novas “regras” para a supervisão de operações bancárias internacionais, mediante um documento denominado Padrões Mínimos para Supervisão de Grupos Bancários Internacionais e seus Estabelecimentos Estrangeiros. Dada a relevância desses padrões, suas principais qualidades devem ser conhecidas integralmente:

1)  Todos os grupos bancários internacionais e bancos internacionais devem ser fiscalizados por uma autoridade do país de origem que desempenhe de forma capaz a supervisão consolidada;

2)  A criação de um estabelecimento bancário estrangeiro deveria obter consentimento prévio tanto da autoridade supervisora local quanto do banco, e, se for diferente, da autoridade supervisora na origem do grupo bancário;

3)  As autoridades supervisoras deveriam possuir o direito de reunir informações dos estabelecimentos bancários estrangeiros ou grupos bancários pelos quais são supervisores do país de origem;

4)  Se uma autoridade do país local determina que qualquer um dos padrões mínimos seguintes não satisfaz, aquela autoridade pode impor medidas restritivas com esses padrões mínimos, incluindo a proibição de criar estabelecimentos bancários.

Destaca-se que os padrões foram apresentados em termos genéricos que permitiram a flexibilidade de implementação para diferentes circunstâncias legais e estruturais através dos países.

Tem-se que os desdobramentos das normas bancárias internacionais serão geralmente limitados pelo seu caráter de remediação e pelo de prevenção.

Em janeiro de 1996, o documento “Amendment to the Capital Accord to Incorporate Market Risks” foi divulgado pelo Comitê, expondo a possibilidade de que as próprias instituições calculassem seus requerimentos de capital utilizando modelos internos que atendessem a requisitos mínimos capazes de conferir eficácia à gestão de riscos.

O risco de liquidez também faz parte do arcabouço de recomendações do Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia, que, em fevereiro de 2000, divulgou novo texto contendo orientações para a correta administração do risco de liquidez e estabelecendo 14 princípios para avaliar a adequação dessa prática pelos bancos.

Como resultado de intensos e continuados estudos liderados pelo Comitê de Supervisão Bancária de Basiléia, em conjunto com representantes de bancos centrais e órgãos de fiscalização, pesquisadores, estudiosos, acadêmicos e profissionais do mercado financeiro, o Acordo de 1988 foi totalmente revisado, culminando na publicação, em junho de 1999, para abertura a comentários públicos, da primeira versão do documento "Convergência Internacional de Mensuração e Padrões de Capital: Uma Estrutura Revisada", conhecido como “Novo Acordo de Capital” ou ainda como “Basiléia II”. O documento foi objeto de vários aprimoramentos, tendo crescido em sofisticação e complexidade, e a divulgação de sua versão finalse deu em 26 de junho de 2004.

2.2   BASILEIA II E BASILEIA III

Em junho de 2004, o Comitê de Basileia publicou o Novo Acordo de Capital, batizado de Basileia II, e apresentou, em linhas gerais, os seguintes objetivos:

  •  Promover a estabilidade financeira;
  •  Fortalecer a estrutura de capital das instituições;
  •  Favorecer a adoção das melhores práticas de gestão de riscos;
  •  Estimular maior transparência e disciplina de mercado.

A Basileia II estabelece, através de suas propostas, o conceito das melhores práticas de controle e de gestão dos riscos, apresentando a relevância de sua utilização nas instituições financeiras.

Sua estrutura é fundada em três pilares:

  • Pilar I – fortalecimento da estrutura de capitais das instituições, com estímulo à utilização de modelos internos para mensurar riscos; introdução da exigência de capital para cobertura do risco operacional e aprimoramento da discussão sobre o risco do crédito;
  • Pilar II – Reafirma e fortalece os princípios de supervisão bancária, considerando que os supervisores devem avaliar e monitorar as estratégias dos bancos, além de cobrar que operem acima das exigências de capital mínimo e intervir buscando ações rápidas, em caso de desenquadramento aos limites mínimos. Atribui responsabilidades à alta administração dos bancos pela estratégia de exposição aos riscos e pela compatibilização dos níveis de capital. Enfatiza que os bancos devem possuir volume de capital adequado para suportar todos os riscos envolvidos nos negócios.
  • Pilar III – redução da assimetria de informação e favorecimento da disciplina de mercado, por meio da divulgação de um conjunto mínimo de informações com vistas a aumentar a transparência das instituições. O objetivo deste pilar é complementar os requerimentos mínimos de capital do Pilar I e o processo de revisão da supervisão do Pilar II. Com o desenvolvimento de regras que estimulem e requeiram maior abertura de informações sobre o perfil de riscos e nível de capitalização dos bancos, os agentes devem se estimular a exercer a disciplina do mercado bancário. A transparência possibilitará reconhecer e habilitar uma instituição financeira em uma abordagem de mensuração de capital específica. Ao estimular a abertura de informações, o Novo Acordo procura potencializar o poder de avaliação e atuação dos participantes do mercado.

A importância operacional dessas premissas foi de enorme valia para o mercado financeiro internacional, no entanto, tais medidas se mostraram incapazes de prevenir novas crises mundiais, como a que ocorreu em meados de 2008.

Neste contexto de crise, em busca de segurança e de estabilidade no mercado financeiro internacional, o Comitê de Basileia promoveu uma série de reuniões, culminando com a publicação de uma nova proposta, batizada pelo mercado financeiro de Acordo de Basileia III.

A proposta de Basileia II parecia atender a boa parte dos requisitos essenciais à estabilidade do mercado financeiro e sua implantação indicava solidez, transparência e competitividade entre os agentes. Entretanto, a crise financeira dos anos 2008/2009 mostrou a existência de vulnerabilidades e evidenciaram o desconhecimento dos reais riscos envolvidos decorrentes da existência de outros instrumentos complexos, além da existência de estrutura de incentivos focada na geração de resultados de curto prazo e desprovida de uma governança corporativa em alguns processos de gestão de grandes instituições financeiras e seguradoras de grande importância no cenário mundial.

No 3º trimestre de 2010, o Comitê de Basileia para Supervisão Bancaria divulgou as propostas que foram apresentadas para aprovação na reunião do G20 em novembro/2010, em Seul. De uma forma simplificada, observa-se que essas novas propostas pretendem aumentar a qualidade do capital das instituições financeiras e promover a constituição de colchões adicionais de capital para serem usados em momentos de eventuais crises financeiras. Além dessas medidas, deve ocorrer a introdução de padrões mínimos de controle de liquidez.

Conforme divulgado pelo Comitê de Basileia, essas propostas estão previstas para serem implantadas de forma gradual a partir de janeiro de 2013 até janeiro de 2019.

3.               A INFLUÊNCIA DO COMITÊ DE BASILEIA NAS POLÍTICAS BANCÁRIAS DO BRASIL

Como se sabe, o Brasil não é membro do G-10, no entanto, diversas diligências têm sido envidadas, tanto pelo Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil, como também pelas próprias instituições financeiras, a fim de incorporar as propostas do Acordo ao cenário financeiro nacional, bem como de adotar e de aperfeiçoar metodologias de mensuração de risco e de medidas de requerimento de capital que fortaleçam a solidez do mercado.

Neste sentido, a implementação do Acordo de 1988 teve início oficial no Brasil com a divulgação da Resolução 2.099, de 17 de agosto de 1994, caracterizando o marco inicial do tratamento regulamentar da exposição ao risco das operações das instituições financeiras. Com a edição da Resolução 2.099, o Banco Central do Brasil introduziu a exigência de níveis de capital compatíveis com o grau de risco das operações ativas.

Em 29 de dezembro de 1994 foi editada a Resolução 2.139, com o objetivo de contemplar os riscos de crédito das operações de swap. Ainda sobre este risco, os normativos foram aprimorados, resultando na edição das Resoluções 2.262, de 28 de março de 1996, e 2.399, de 25 de junho de 1997.

Os procedimentos de fiscalização bancária também apresentaram transformações, direcionando maior foco na avaliação da gestão de riscos e de controles de um modo geral. Desta forma, o Brasil vem buscando adaptar-se aos princípios e orientações do Comitê da Basiléia, alinhando-se com as medidas adotadas pelas instituições que atuam internacionalmente, especialmente aquelas pertencentes aos países do G-10.

Naturalmente, como é típico de países em desenvolvimento, as medidas adotadas no Brasil assumem um caráter relativamente mais conservador do que aquelas inclusas no Acordo da Basiléia. O índice entre o capital e os ativos ponderados pelo risco de crédito (“índice da Basiléia”), por exemplo, no Brasil é de 11%, enquanto o Acordo de 1988 propõe 8%. Outra medida que eleva o requerimento de capital no Brasil refere-se às próprias faixas de risco: para segmentar as operações com distintos riscos de crédito, as regras inspiradas no Acordo de 1988 estabelecem faixas para ponderação dos ativos em uma escala que varia de 0% a 100%, no Brasil foi estabelecida uma faixa adicional de risco para créditos tributários, com ponderação de 300%.

Em relação ao requerimento de capital para risco de mercado, o Brasil também apresenta diferenças em relação às linhas recomendadas pelo Comitê de Basiléia em 1995 e 1996. A regulamentação a respeito foi inaugurada no Brasil com a edição da Resolução 2.606, em 27 de maio de 1999, abordando o risco de variação cambial, seguida pela Resolução 2.692, editada em 24 de fevereiro de 2000, que trata das operações com taxas prefixadas e denominadas em reais, restando ainda inalcançados pelo arcabouço regulamentar brasileiro, os riscos de cupom cambial, variações de preços de ações e commodities. Outras distinções existentes na regulamentação brasileira em relação ao Acordo da Basiléia, no que concerne a risco de mercado, dizem respeito modelos internos e operações classificadas no Trading Book. No Brasil, ainda não é permitido o uso de modelos internos para cálculo oficial do requerimento de capital, e na apuração do risco de mercado, não se faz distinção entre as operações classificadas no Trading Book das classificadas no Banking Book.

Ainda no ano de 2000, no mesmo ano da divulgação, pelo Comitê de Basiléia, de documento específico sobre risco de liquidez, o Banco Central do Brasil editou a Resolução 2.804, estabelecendo que as instituições financeiras mantenham sistemas de controle estruturados para acompanhamento das posições assumidas em todas as operações praticadas nos mercados financeiros e de capitais, de forma a evidenciar o risco de liquidez, objeto de fiscalização pelo órgão regulador.

Os desafios atuais concentram-se nos estudos sobre aperfeiçoamento das metodologias e tecnologias de gerenciamento, controle e mitigação de riscos, e, do ponto de vista do órgão regulador, sobre possíveis medidas para acompanhar os padrões internacionais de regulação e fiscalização do sistema financeiro, especialmente no sentido de contemplar todos os riscos abrangidos no Acordo de 1988 (cupom cambial, variações de preços de ações e commodities) e aceitar modelos internos para o cálculo do requerimento de capital, e ainda implementar os três pilares propostos no Novo Acordo de Basiléia, no que for adequado tanto ao fortalecimento do mercado financeiro brasileiro quanto ao incentivo à adoção das melhores práticas da indústria bancária.

A seguir parte do comunicado nº 019028, de 29 de Outubro de 2009, publicado pelo Banco Central do Brasil:

“A Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, tendo em conta as recomendações do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia contidas no documento "Convergência Internacional de Mensuração e Padrões de Capital: Uma Estrutura Revisada" (Basileia II), que trata do estabelecimento de critérios mais adequados ao nível de riscos associados às operações conduzidas pelas instituições financeiras para fins de requerimento de capital regulamentar, e objetivando observar tais recomendações, adaptadas às condições, às peculiaridades e ao estágio de desenvolvimento do mercado brasileiro, divulgou  os  Comunicados ns. 12.746, de 9 de  dezembro  de  2004,  e 16.137,  de 27 de setembro de 2007, contendo as diretrizes e cronograma para a implementação de Basileia II.”

Revela-se oportuno, portanto, o entendimento das peculiaridades do mercado doméstico, para uma avaliação efetiva e realista dos impactos das medidas que poderão ser adotadas para implementação das recomendações do Novo Acordo de Basiléia, preservando-se as necessárias adaptações.

Destaca-se que em meio à crise mundial iniciada em 2008, o sistema financeiro brasileiro mostrou-se sólido, bem regulado e com boa qualidade de supervisão bancária e foi visto como referência em várias partes do mundo. Assim, em 2009, o Brasil passou a fazer parte do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia.

4.              CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se observou, a atividade de supervisão das práticas bancárias está sempre em um processo de construção de melhoras propostas que se adéquam à globalização dos mercados financeiros. Entretanto, a partir do que se pode observar das crises mundiais recentes, a internacionalização dos negócios bancários está correndo com maior velocidade que a internacionalização da supervisão preventiva e regulamentação.

Os mercados financeiros nos últimos anos desenvolveram-se no âmbito internacional; a inovação financeira e novas tecnologias erodiram as barreiras geográficas. Entretanto, a regulamentação permanece baseada no nível nacional, limitada pelo domínio das jurisdições domésticas. Como as instituições financeiras movem-se livremente de mercado nacional para outro, e o volume de atividades internacionais cresce, torna-se mais evidente a necessidade de uma coordenação internacional das práticas de supervisão.

Os limites nebulosos entre os vários tipos de intermediários financeiros implicam a necessidade de uma cooperação mais próxima entre as diferentes autoridades reguladoras no nível internacional; supervisores bancários, reguladores do mercado de títulos e supervisores de seguros, de forma a atingir um campo equilibrado para atuarem em um novo ambiente competitivo de grupos financeiros complexos, assegurando a solvência das instituições envolvidas.

A regulamentação bancária internacional é causada ou inicializada após situações de crises, quando as limitações ou espaços vazios do sistema tornam-se mais evidentes. Entretanto, a lei bancária internacional não é livre do eterno problema do Direito Internacional: sua exequibilidade efetiva. As “regras” adotadas pelo Comitê da Basileia de Supervisão Bancária são somente vinculantes à medida que incorporadas à legislação nacional.

Assim, as instituições financeiras, a despeito das suas ambições globais e presença internacional, permanecem basicamente sujeitas ao controle das autoridades de supervisão nacional. Assim, diferenças constitucionais, hábitos nacionais e, às vezes, oligopólios nacionais podem obstruir a coordenação internacional, e podem comprometer outros esforços regionais, como coordenação supranacional dessas práticas bancárias de supervisão no nível de Comunidade Européia.

Quanto às novas diretrizes iniciadas pela Basileia II, é importante destacar que a sua estrutura apresenta um enfoque mais flexível para exigência de capital e mais abrangente com relação ao fortalecimento da supervisão bancária e ao estímulo para maior transparência na divulgação das informações ao mercado.

O Novo Acordo de Capital propõe de uma nova estrutura para requerimento de capital baseada em três pilares: o primeiro trata dos requerimentos de capitais com base nos riscos de mercado e de crédito; o segundo reforça a capacidade dos supervisores bancários para avaliar e adaptar os requerimentos de capital às condições individuais das instituições financeiras; e o terceiro atribui à transparência e à divulgação de informações um papel importante e relevante no fomento à disciplina de mercado.

Vale salientar que a Basiléia II não pretende impor às instituições financeiras uma alocação maior que apresente em Basiléia I; apenas que a framework de risco seja mais sensível e consiga capturar as reais exposições de cada instituição. Ou seja, que o conceito de upgrade seja adotado: não basta ter apenas capital, mas sua complementação com ações de gerenciamento eficazes, práticas de governança e divulgação plenamente aceitáveis.

Por fim, pode-se observar que, a partir do convite feito ao Brasil, em 2009, para integrar o Comitê de Basiléia para Supervisão Bancária, há um processo de atenção à proposta dos líderes do G-20 de ampliar o acesso a órgãos globais de regulação financeira, refletindo, sem dúvidas, a qualidade da supervisão bancária no Brasil.

5.              REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comunicado 16.137, Brasília, 27 de setembro de 2007.

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HIGH-LEVEL PRINCIPLES FOR BUSINESS CONTINUITY, disponível em www.bis.org;

LASTRA, Rosa Maria. Banco Central e Regulamentação Bancária. 1 Ed. Minas Gerais: DelRey, 2000.

 

Princípios Essenciais para uma Supervisão Bancária Eficaz, 2007, Tradução e editoração eletrônica: Jorge R. Carvalheira, disponível em  http://www.fgvsp.br/institucional/biblioteca/pe/1200300701.pdf;