1 ABORDAGENS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS, REGIMENTAIS E JURISPRUDENCIAIS SOBRE AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, NO BRASIL, APÓS A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988

Importante salientar que existem três modalidades de investigação parlamentar. A primeira categoria externa-se por meio dos intitulados inquéritos parlamentares administrativos, desenvolvidos internamente, a fim de obter a identificação do cometimento de faltas funcionais por parte de servidores do Parlamento.

A segunda categoria são os inquéritos parlamentares judiciais, nos quais promove-se a apuração de eventual quebra do dever de manutenção do decoro parlamentar.

Finalmente, a terceira modalidade reside nos inquéritos parlamentares em sentido estrito, objeto de estudo da presente monografia.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe a clara visão de que a evolução do instituto da CPI é diretamente proporcional ao fortalecimento da democracia e à consolidação do Poder Legislativo como poder autônomo. Obviamente, considerando-se que a legislação federal que rege a matéria é anterior a 1998, a sua interpretação deve encontrar compatibilidade com a nova Carta Magna, valendo o mesmo raciocínio para a aplicação ou elaboração dos regimentos internos das Casas Legislativas.

Um aspecto digno de importante destaque é a realidade de que o Poder Judiciário brasileiro, desde a promulgação da atual Constituição Federal, com suas sentenças e acórdãos, tem empenhado significativa participação para o processo de ampliação da compreensão da natureza jurídica e política das comissões parlamentares de inquérito.

Assim, será objetivo deste capítulo identificar os aspectos fundamentais das Comissões Parlamentares de Inquérito, tais como as disposições constitucionais, legais, regimentais e jurisprudenciais. Analisar-se-á, ainda, o estágio atual de evolução do instituto, na Constituição Federal de 1988 e na Constituição Estadual de 1989, do Estado do Rio Grande do Sul.

1.1 Análise das Comissões Parlamentares de Inquérito diante da Constituição Federal de 1988 e da Constituição Estadual de 1989, do Estado do Rio Grande do Sul

A base fundamental das Comissões Parlamentares de Inquérito está firmada no artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou ato de que resultar sua criação.

[...]

 §3º. As Comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Diante da leitura do texto constitucional suprarreferido, pode-se afirmar que as CPIs caracterizam-se como comissões temporárias, que objetivam investigar fato(s) certo(s) e determinado(s). Além disso, o requisito da subscrição por parte de apenas um terço dos parlamentares para a sua instalação deve ser fielmente observado pelo Presidente do Parlamento e pela respectiva Mesa Diretora, tendo em vista tratar-se de um direito público subjetivo das minorias.

Um relevante aspecto a ser considerado é a clareza com a qual a CF/1988 informa que as conclusões das investigações parlamentares serão encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores:

As CPIs não podem nunca impor penalidades ou condenações. Os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da CPI respectiva e a resolução que o aprovar aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou, ainda, às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência e, assim, existindo elementos, para que promovam a responsabilização civil, administrativa ou criminal dos infratores (LENZA, 2013, p. 556).

O instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito não é um instrumento adequado para imiscuir-se na vida privada dos cidadãos ou entidades, interferindo em fatos da vida particular. Ao contrário, seu exercício deve ficar rigorosamente limitado ao interesse público. Além disso, seja de forma expressa ou implícita, o caráter auxiliar das referidas comissões exige que elas se comportem no quadro de atribuições do Legislativo, ou seja, a competência legislativa do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais é parâmetro a ser observado na prática do instituto (BULOS, 2001).

Um dos aspectos dignos de intenso estudo, e ainda controverso na doutrina e jurisprudência, é o real significado da expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. Com apoio no raciocínio empregado por Bulos (2001), as comissões parlamentares de inquérito não foram investidas de todos os poderes das autoridades judiciais, mas apenas daqueles de investigação. Isso significa que, à semelhança dos juízos de instrução, as CPIs detêm poderes meramente instrutórios, não lhes cabendo julgar, decidir, aplicar o direito no caso concreto. O resultado dos seus trabalhos é formalizado através de um relatório final que, se concluir pela existência de irregularidades, será encaminhado ao Ministério Público, estadual ou federal, de acordo com os interesses afetados.

Portanto, a mencionada cláusula “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” não viabiliza a transformação das CPIs em organismos jurisdicionais, afinal, somente esses é que podem determinar medidas assecuratórias, as quais se incluem no poder geral de cautela dos juízes, tais como sequestro, arresto, hipoteca, indisponibilidade de bens, entre outros (TUCCI, 2012).

Percebe-se que a confusão produzida pela mencionada redação da CF/88 poderia ter sido evitada, pois se o complemento “das autoridades judiciais” não houvesse sido incluído junto à terminologia “poderes de investigação”, não existiria espaço para discussões. Um texto simples e objetivo evitaria a formação de audaciosas comissões parlamentares, que alicerçam sua atuação em uma injustificada e inconstitucional “competência jurisdicional”, praticando medidas inerentes ao Poder Judiciário (BULOS, 2001).

Consoante Bulos (2001), as medidas de fiscalização deflagradas pelas CPIs encontram limitações materiais nos direitos fundamentais inseridos na própria Constituição, tais como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), a honra (artigo 5º, X), a intimidade (artigo 5º, X), a vida privada (artigo 5º, X), a cláusula do devido processo legal, os princípios da isonomia (artigo 5º, caput e inciso I), do juiz e do promotor natural (artigo 5º, XXXVII e LIII), da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5º, XXXV), da ampla defesa (artigo 5º, LV), da obtenção de  prova ilícita (artigo 5º, LVI), da publicidade dos atos processuais (artigo 5º, LX, e 93, IX), da motivação das decisões dos órgãos públicos (artigo 93, IX), além de outros.

Evidente que, em ocorrendo violação a um desses direitos, por parte da Comissão Parlamentar, abre-se a possibilidade de questionar o ato na via judicial, não se impondo, pelo ordenamento jurídico, “a vetusta regra do direito inglês segundo a qual qualquer ato da Câmara dos Comuns não se mostra passível de revisão pelo Poder Judiciário” (CARAJELESCOV, 2007, p. 179).

Tucci (2012) aduz que, atualmente, apenas estão excluídos do crivo do Judiciário os atos políticos praticados por CPI, no âmbito de suas atribuições constitucionais, os quais se fundamentam na discricionariedade. Nas demais situações, ocorrendo violação à CF, à lei ou ao Regimento Interno do Parlamento, o controle é possível e necessário. Ironicamente, é de competência do próprio judiciário definir quais atos praticados por uma Comissão Parlamentar são interna corporis e, em razão disso, insuscetíveis de controle jurisdicional, e quais não são.

A verdade é que, ocorrendo afronta a um direito subjetivo público constitucional, viabiliza-se a impetração de Mandado de Segurança ou Habeas Corpus, dependendo do caso concreto.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXIX, dispõe que:

conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Na sequência, o inciso LXX do mesmo artigo estabelece a possibilidade de impetração de mandado de segurança coletivo, cuja regulamentação infraconstitucional, do mesmo modo da ação individual, encontra amparo na Lei Federal 12.016/2009.

A autoridade coatora será o Presidente da CPI, mesmo quando o ato impugnado emergir de deliberação do Plenário da comissão, a exemplo do que ocorre nas determinações de quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico. No que tange à competência para julgamento do remédio constitucional analisado, alerta-se que, se a autoridade coatora, presidente da comissão parlamentar, pertencer à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal, o mandamus será da competência originária do Supremo Tribunal Federal, em obediência à lógica imposta pela própria Carta Magna.

Carajelescov (2007) adverte que, no plano estadual, se assim fixada pela Constituição local, a competência para julgamento será do Tribunal de Justiça, em função da aplicação do princípio da simetria com a regra firmada no artigo 102, inciso I, alínea “d’, da Carta da República.

A conclusão acima é extraída da redação do texto constitucional, que, com clareza meridiana, informa que:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...]

§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

No âmbito municipal, o mesmo autor conclui que, como regra, a competência para processar e julgar os mandados de segurança impetrados contra ato praticado por comissão parlamentar de inquérito municipal será, em primeira instância, do juiz estadual cível ou da fazenda pública, nas comarcas em que existir esta especialização.

Outro remédio constitucional frequentemente utilizado em face de abusos perpetrados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito é o habeas corpus, que também possui abrigo constitucional, conforme se depreende abaixo:

Art. 5º. [...]

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Sua regulamentação infraconstitucional encontra-se nos artigos 647 ao 667 do Código de Processo Penal.

De fato, a atuação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e as consequências do pleno desenvolvimento dos seus trabalhos e atribuições pode, ao menos potencialmente, expor a risco a liberdade individual de locomoção dos envolvidos.

Para elucidar a questão, mostra-se válido o seguinte alerta:

É fato que o habeas corpus tem sido utilizado de forma tão frequente quanto inapropriada para o fim de afiançar o direito ao silêncio aos convocados a depor perante CPI, decorrente do privilege against self-incrimination. Essa, no entanto, é uma garantia posta à disposição do inquirido, independentemente de provimento jurisdicional assecuratório, razão pela qual falece interesse jurídico na obtenção do writ, eis que caberá ao depoente, no momento da inquirição e independentemente de ordem judicial, avaliar a conveniência de responder ou não, aos questionamentos formulados pelo órgão parlamentar sob o pálio da precitada garantia (CARAJELESCOV, 2007, p. 190-191).

Semelhantemente ao que ocorre no mandado de segurança, o habeas corpus terá como autoridade coatora o presidente da CPI, que praticou o ato carregado de ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõem os respectivos artigos que regulam a matéria no Código de Processo Penal.

Na mesma linha de raciocínio, partindo o ato atacado de CPI instalada na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, a competência para julgamento de eventual postulação judicial, em obediência ao artigo 102 da CF, será do Supremo Tribunal Federal. Se, por outro lado, a violação ao direito da liberdade de locomoção emanar de CPI estadual, a competência poderá ser da Corte de Justiça do Estado, caso exista essa previsão na Constituição Estadual, nos termos da interpretação que surge na aplicação do já referido princípio da simetria, encontrado no artigo 25 da Carta Magna.

Por fim, o habeas corpus ou mandado de segurança, no âmbito municipal, será impetrado perante o juiz de Direito, na primeira instância do juízo estadual, tendo em mente que autoridades legislativas municipais não possuem foro de prerrogativa de função.

É indispensável que se leia e interprete a CF/88 de maneira sistemática, a fim de que nenhum dos princípios nela expostos venha a sofrer lesão em detrimento de outros. No caso concreto, em situações de aparente conflito entre princípios constitucionais, deverá incidir uma criteriosa ponderação de valores, fazendo com que, eventualmente, determinado preceito sobreponha-se ao outro, mas nunca o sufoque a ponto de torná-lo inaplicável (LENZA, 2013).

Para que se alcance o objetivo específico do presente trabalho, a localização dos Estados-membros na atual conjuntura constitucional é tarefa de notável importância.    

Como se sabe, as unidades federativas, como entidades subnacionais autônomas, possuem personalidade jurídica de direito público interno, revelando-se como integrantes da União. Nessa qualidade, são possuidoras de autonomia administrativa e legislativa (autogoverno, autolegislação e autoarrecadação).

Costa (2012) leciona que os Estados têm autonomia para se organizar e se reger por meio de Constituições e leis estaduais, submetendo-se tal processo legislativo às regras estabelecidas para o processo federal, consoante dispõem os artigos 59 a 69 da Constituição Federal de 1988.  Além disso, determinou-se que, na Federação, as competências expressas seriam da União e dos Municípios, enquanto aos Estados estaria reservada a competência residual, tendo como meta adequar a legislação aos interesses regionais, que são diversos dos interesses federal e municipal.

Pode-se afirmar que a Constituição estadual traduz, no âmbito estadual, a expressão mais elevada da autonomia dos entes federados, que, conforme já alertado, não é absoluta, tendo em vista que encontra limitações na própria Constituição Federal.

Entre os limites, evidencia-se o conteúdo do artigo 25 da Carta Maior, que impõe a observância ao princípio da simetria. Nesse ponto, deve-se lembrar de que o referido princípio faz com que os requisitos, prerrogativas e limites das Comissões Parlamentares de Inquérito, arrolados na Carta Magna, devam ser observados pelos Estados-membros e pelos municípios. Ou seja, são de reprodução obrigatória.

Portanto, no ato de elaboração da Constituição Estadual, o Parlamento tem o dever de estar atento a diversos princípios e limitações que se revelam como normas de observância obrigatória pelos entes federados. A primeira categoria de princípios está elencada no artigo 34, inciso VII, da CRFB/88, e são conhecidos como princípios sensíveis, tendo em mente que são indispensáveis para garantir certo equilíbrio e autonomia aos entes federados.

A segunda classe é conhecida como princípios estabelecidos, pois reúnem um conjunto de normas que a Constituição da República impõe às Constituições estaduais. Tais imposições são apresentadas de forma expressa nos artigos 19, 93 e 127, e de forma implícita nos artigos 21, 22 e 153. Por outro lado, os princípios extensíveis têm como missão manter a estrutura do próprio Estado e da Federação, sendo indispensáveis para o modelo de Estado idealizado pelo Constituinte originário. Identificam-se, essas normas, nos artigos 27, 28, 37 e 58, parágrafo 3º.

Feita essa análise, conclui-se que o artigo da Carta Magna que disciplina o instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito revela-se como um princípio extensível, sendo obrigatória a sua reprodução, tanto no âmbito estadual quanto no municipal. Nesse sentido, em paráfrase às ideias mais relevantes do relatório elaborado pelo Ministro Eros Grau, na ADI 3.619, percebe-se que o poder democrático é exercido, fundamentalmente, pelo Poder Legislativo, conferindo-se à minoria parlamentar a missão de controlar a correta aplicação dos recursos públicos. Inviabilizar o trabalho da minoria, que é representada pelo terço de membros do Congresso, mostra-se, inegavelmente, como uma afronta à própria democracia, por ausência de controle do poder público.

Ainda, de acordo com as valiosas informações constantes no texto da referida ADI, a previsão constitucional do artigo 58, parágrafo 3º, garante a eficácia da base democrática, e, por consequência, da representação de todos os segmentos da sociedade. Isso significa que as atuações da maioria e da minoria parlamentar se completam, revelando que a democracia deve ser interpretada não somente como o poder da maioria, mas do povo em geral, incluindo, nesse aspecto, a minoria.

Nesse sentido, entende-se que a Constituição Estadual de 1989, do Estado do Rio Grande do Sul, conforma-se, integralmente, com o texto da CF/1988, elencando, em detalhes, a forma de exercício das prerrogativas do instituto em análise, o que, por sinal, apenas têm o objetivo de tornar mais claro o sentido que a CF quis atribuir às CPIs, tais como o direito de receber petições, reclamações ou representações contra atos ou omissões de autoridades públicas ou entidades públicas; direito de solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão para prestar informações; prazo para envio das conclusões ao Ministério Público etc.

As comissões subdividem-se em permanentes e temporárias (especiais):

As comissões podem ser permanentes ou especiais, sendo as primeiras aquelas que a Câmara ou o Senado instituírem em seu regimento interno, como órgãos internos e especializados da própria instituição, para o fim de examinar e emitir parecer prévio a respeito das proposições que devam ser deliberadas pelo Plenário. O número de comissões permanentes deve ser fixado no regimento, para atender às especificidades locais (COSTA, 2012, p. 263).

Por outro lado, as comissões temporárias, conforme dispõe a própria Carta Magna, são constituídas, precisamente, para estudos, para representação social ou, ainda, para investigação ou inquérito. Neste último caso, as conclusões da comissão só têm valor de informação para eventuais processos que resultem do trabalho de investigação parlamentar. Não obstante tal caráter meramente informativo, verificado o envolvimento ilícito de algum parlamentar no(s) objetos(s) de investigação da CPI, nada impede que a respectiva Casa promova, imediatamente, a punição, inclusive, através da cassação do mandato.

A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul faz referência expressa às Comissões Parlamentares de Inquérito, coadunando suas disposições com a Constituição Federal, conforme o que segue:

Art. 56. A Assembleia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas nesta Constituição, no seu Regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 1.º Na constituição de cada comissão será assegurada, quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares.

§ 4.º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento, serão criadas para apuração de fato determinado e por prazo certo, mediante requerimento de um terço dos Deputados.

§ 5.º As conclusões das comissões parlamentares de inquérito serão encaminhadas, se for o caso, no prazo de trinta dias, ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores.

Portanto, válido salientar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no âmbito estadual (Assembleia Legislativa) encontra respaldo no suprarreferido artigo da Constituição gaúcha, além do amparo procedimental especificado no Regimento Interno do Parlamento, que será um dos objetos de análise nos próximos parágrafos.

1.2 Legislação federal e Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

Infraconstitucionalmente, além das disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal, regulam a matéria a Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952; a Lei nº 10.001, de 04 de setembro de 2000, dispondo sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos a respeito das conclusões das comissões parlamentares de inquérito, e, por fim, a Lei Complementar nº 105/2001 (§ 2º do art. 4º), oportunizando às CPIs, perante as instituições financeiras, informações privilegiadas, que, em outras ocasiões, somente seriam viabilizadas por meio de autorização judicial. Os diplomas legais acima mencionados têm aplicação nas duas Casas do Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Portanto, mais do que leis federais, são leis nacionais, que incidem sobre todos os níveis federativos.

É válido o destaque de que, até a edição da Lei nº 1.579, recepcionada, em suas linhas gerais, pela manifestação originária de 1988, “as Constituições Federais e os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal eram os únicos instrumentos jurídicos que cuidavam de estabelecer regras às Comissões” (ZOUAIN, 2011, p. 13).

Entretanto, não há como tecer uma cuidadosa abordagem do instituto sem informar que existem doutrinadores e operadores jurídicos que sustentam a tese de que a Lei nº 1.579/52 não foi recepcionada pela Constituição de 1988.

Analisando os variados entendimentos doutrinários, da Silva (2011) sustenta a tese de que a Lei nº 1.579/52 não possui elementos para ser recepcionada, pois o artigo 58 da Carta Magna não a menciona em momento algum. Pelo contrário, a recomendação do texto constitucional é de que a complementação necessária à operacionalização das CPIs esteja prevista nos Regimentos Internos das respectivas Casas Legislativas que as instaurarem.

Outro aspecto analisado pelo autor supracitado é que legislação semelhante não poderia ser editada no âmbito estadual, pois, nos termos do que estabelece o artigo 22 da CF/88, é da competência exclusiva da União legislar sobre matéria de direito penal.

De acordo com o princípio da recepção, as normas jurídicas elaboradas na vigência do ordenamento jurídico anterior são recebidas e adaptadas ao novo ordenamento. O referido princípio estabelece a exigência de que o direito anterior seja, necessariamente, compatível, total ou parcialmente, com o novo texto constitucional editado. Qualquer antinomia é expurgada em razão da supremacia da Carta Federal. Trata-se, em verdade, do efeito ab-rogatório proveniente da força inerente dos preceitos constitucionais, que invalidam todas as normas e atos normativos que lhes forem contrários, direta ou indiretamente (BULOS, 2001, p. 193).

A Lei nº 10.001/00 está intimamente relacionada às conclusões das CPIs, visando a obtenção da máxima eficácia do trabalho investigatório do parlamento, a fim de que haja perfeita sincronia entre o Poder Legislativo e as providências tomadas pelo MP, alcançando-se, desse modo, os elevados propósitos do instituto.

Nessa lógica:

O mencionado diploma normativo procurou priorizar os procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público, bem como por outros órgãos do Estado, a fim de que as conclusões das CPIs tenham executoriedade. É que o término dos inquéritos parlamentares sempre foi alvo de observações maledicentes, sob o adágio de que sempre terminam em pizza (BULOS, 2001, p. 196).

Com efeito, a Lei nº 10.001/00 é clara ao dispor que os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado ou do Congresso Nacional devem encaminhar o relatório da investigação parlamentar, juntamente com o projeto de resolução que o aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou, ainda, às autoridades administrativas competentes.

De acordo com o artigo 2º da legislação supramencionada, a partir do recebimento do relatório final, a respectiva autoridade terá o prazo de trinta dias para informar ao remetente as providências a serem tomadas. Na sequência, o parágrafo único do mesmo diploma legal exige comunicação semestral, por parte da autoridade competente, sobre a fase em que se encontra o processo judicial ou o procedimento administrativo, até a sua finalização. A lei 10.001/00, em seu artigo 3º, também dispõe que essas medidas terão prioridade sobre qualquer outra, com exceção dos pedidos de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança.

Além dos poderes destinados ao desenvolvimento da atividade de instrução, as comissões parlamentares de inquérito possuem outros, indicados nos regimentos das Casas Legislativas.

Assim:

O objetivo dos regimentos internos é dispor sobre matérias intrínsecas ao Parlamento. São adjetivados de internos porque criados para vigorar no interior das respectivas Casas Legislativas, e não fora delas. O espectro dos preceitos regimentais não engloba os cidadãos em geral, visto que existem para reger a vida interna corporis do Legislativo. A função dos regimentos internos é complementar o Texto Supremo, pois ele próprio assim determinou (§ 3º do art. 58). Complementar a Lex Mater significa suprir-lhe os vazios, preencher-lhe os claros, por meio das prescrições materiais do regimento interno (BULOS, 2001, p. 209).       

Então, lógica é a conclusão de que as leis ordinárias, leis complementares e emendas à Constituição posicionam-se num patamar de hierarquia superior aos regimentos internos. Qualquer raciocínio diverso do ensinamento supracitado caracterizar-se-á como uma frontal violação à supremacia da Carta Política e do pórtico da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II, da CF/88.

Diante disso, percebe-se que os regimentos internos, de quaisquer das Casas do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas ou das Câmaras de Vereadores deverão observar, além das normas da Constituição Federal, os preceitos registrados no Código de Processo Penal, no Código Penal, na Lei 1.579/52, e outros diplomas legais que venham a regular o tema CPI.

O doutrinador acima referido faz outra interessante reflexão sobre o assunto:

E os preceptivos regimentais poderão suplementar matérias  que não foram recepcionadas pela Constituição, e pelas leis, complementando, assim, possíveis vazios normativos pertinentes ao exercício dos poderes investigatórios das CPIs? Preceitos de regimentos que não foram recepcionados pelas normas constitucionais e legais em nenhuma hipótese servirão de fonte supletiva para possíveis vácuos normativos (BULOS, 2001, p. 210).

Na sequência, o autor esclarece os motivos de tal conclusão, expondo os riscos que afetariam o Estado Democrático de Direito se o entendimento não fosse esse:

Do contrário, seria conceder ao Parlamento uma competência injustificada, abrindo-lhe a possibilidade de controlar toda e qualquer matéria, por intermédio de simples disposições regimentais, que, conforme já dissemos, existem para reger a vida interna corporis do Legislativo, e não para disciplinar a conduta dos cidadãos na sociedade. Como o parlamento, no exercício do inquérito parlamentar, deve seguir um procedimento jurídico-constitucional, sua postura deve pautar-se na legalidade. Só assim será lícito o seu mister de controlar os negócios em geral (BULOS, 2001, p. 210).

Conforme Lenza (2013), em razão do equilíbrio no pacto federativo e do princípio da separação de poderes, que torna indispensável o desenvolvimento da atividade de fiscalização, é possível a criação de CPIs nos âmbitos estadual, distrital e municipal.

O Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul é o diploma legal que regula, nos artigos 83 e seguintes, com detalhes, como se proceder à operacionalização da CPI, sendo que todos os princípios já delineados pela Constituição Federal deverão ser rigorosamente observados, tais como os da proporcionalidade, publicidade, colegialidade etc.

No início da década de cinquenta, não havia base legislativa para regular, em nível infraconstitucional, o procedimento das comissões parlamentares de inquérito. Os únicos diplomas jurídicos que cuidavam da espécie, além da Constituição de 1946, eram os Regimentos Internos das Casas legislativas (BULOS, 2001).

Por esse motivo, em diversos artigos do Regimento Interno do Parlamento gaúcho, o conteúdo previsto na Carta Magna é, simplesmente, repetido. Evidentemente, o campo de discricionariedade reside na fixação dos direitos e deveres dos parlamentares e dos partidos que compõem o Parlamento, na forma de composição da comissão, nas normas de funcionamento da Casa para condução dos trabalhos investigativos, nas atribuições da Mesa Diretora, na tramitação das proposições, na organização das sessões, das audiências públicas, entre outros aspectos de cunho meramente organizacional.

Por isso, uma das utilidades do regimento interno é a fixação de um prazo para a conclusão dos trabalhos de investigação, pois, diferentemente das comissões permanentes, que subsistem através das legislaturas, as comissões temporárias extinguem-se, naturalmente, ao término do mandato legislativo, ou antes, pela ocorrência do preenchimento das finalidades a que se destinam (ZOUAIN, 2011).

Afirmar que os regimentos internos deverão limitar-se a questões meramente organizacionais significa dizer que deverá ser declarada inconstitucional qualquer pretensão das Casas Legislativas que venha a promover a elaboração de normas internas colidentes com as disposições constitucionais.

1.3 A influência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF)

Em todos os ramos do direito, a análise das orientações jurisprudenciais é uma medida fundamental. Os juristas ainda não formaram um consenso a respeito da caracterização da jurisprudência como fonte do direito, pois subsiste significativo debate acerca da sua correta definição.

Cada país confere relevância distinta às diversas fontes do direito. O Brasil, por exemplo, cujo modelo jurídico é marcado pela tradição romano-germânica, considera a lei como a principal fonte do Direito, relegando às demais uma mera função de fonte secundária. Por outro lado, isso não ocorre nos países cujo sistema adotado é o Common Law, pois, nessas nações, a jurisprudência possui rica interferência no estudo e aplicação do direito, por analogia de casos passados.

No Brasil, com o sistema da Civil Law, excetuando a figura da súmula vinculante, em regra, as consultas de jurisprudência possuem o condão de, meramente, convencer o magistrado no ato de proferir o seu voto ou decisão judicial.

No entanto, a prática forense vem revelando que a simples aplicação da lei aos casos concretos é insuficiente para conduzir a lúcidas decisões. O instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito é um bom exemplo para a compreensão desse cenário, tendo em vista que a dinamicidade das investigações parlamentares e a própria lógica democrática transbordam os limitados contornos legais, exigindo, frequentemente, novas respostas por parte do Poder Judiciário.

Com efeito, se a legislação possuísse autossuficiência e perfeição, a análise dos casos concretos poderia ser subsumida através de programas de computação, com funcionários técnicos em localização de normas aplicáveis às situações apresentadas. Entretanto, as relações humanas possuem graus de complexidade inimagináveis, tornando a atividade do magistrado, atualmente, indispensável. Nesse cenário, não há como pensar na aplicação do direito sem o emprego do raciocínio, da bagagem moral, cultural e da experiência de vida daquele que julga.

Um assunto que chegou em diversas oportunidades ao campo de debate do Supremo Tribunal Federal diz respeito aos requisitos para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

A Constituição Federal fixa como requisitos à regular deflagração de uma investigação parlamentar a subscrição de um requerimento por parte de, no mínimo, um terço dos deputados ou senadores, a imprescindibilidade da determinação de um ou mais fatos e o estabelecimento de um prazo para a conclusão dos trabalhos.

Não obstante o cumprimento desses três requisitos constitucionais, algumas Casas Legislativas submetem o requerimento de constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito à deliberação do plenário, obstaculizando o livre desempenho das atribuições destinadas aos grupos minoritários.

Diante de situações semelhantes à narrada, o Supremo Tribunal já teve a oportunidade para se manifestar:

MANDADO DE SEGURANÇA - QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS - PRETENDIDA INCOGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO MANDAMENTAL, PORQUE DE NATUREZA "INTERNA CORPORIS" O ATO IMPUGNADO - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DE CARÁTER POLÍTICO, SEMPRE QUE SUSCITADA QUESTÃO DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO PROCESSO DOCUMENTAL E A NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DA LIQUIDEZ DOS FATOS SUBJACENTES À PRETENSÃO MANDAMENTAL - COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES - EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI - IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO ÂMBITO DE QUALQUER DAS CASAS DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES: A PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O EXERCÍCIO DO PODER. (Mandado de Segurança Nº 26441, Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 25/04/2007, publicado 17/12/2009).

A decisão analisada lembrou que, no direito brasileiro, há um estatuto constitucional das minorias parlamentares, onde suas prerrogativas – incluído o direito de fiscalizar e investigar – precisam ser respeitadas, caso contrário, ao Poder Judiciário é que caberá a proteção ao direito de oposição.

Raciocínio diverso revelar-se-ia como uma transparente afronta à prática republicana, inerente ao Poder Legislativo e ao próprio Estado Democrático de Direito. A concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar não pode apresentar-se como requisito à participação ativa e integral dos interesses da minoria presente no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas ou, ainda, nas Câmaras de Vereadores. 

Portanto, a referida decisão não promoveu nada além do que a garantia do direito público subjetivo das minorias de exercitarem, de um modo pleno, as suas atribuições, especialmente o que lhes é assegurado pelo artigo 58, § 3º, da Constituição Federal.

A decisão abaixo colacionada analisou importante questão a respeito da imposição legal de prioridade nos procedimentos adotados por órgãos como o Ministério Público e Tribunal de Contas, no que tange às conclusões das Comissões Parlamentares de Inquérito:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 2º, 3º E 4º DA LEI 11.727/2002 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE DISPÕE SOBRE “A PRIORIDADE, NOS PROCEDIMENTOS A SEREM ADOTADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, TRIBUNAL DE CONTAS E POR OUTROS ÓRGÃOS A RESPEITO DAS CONCLUSÕES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO”. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 22, I E 127, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3041, Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 10/11/2011, publicado em 31/12/2012).

A lei nº 11.727/2002 do Estado do RS impunha obrigações ao Ministério Público, Tribunal de Contas e outros órgãos, no sentido de impeli-los a prestar informações e a dar prioridade na tramitação processual, além de prever sanções no caso de seu descumprimento.

Essa legislação, portanto, que regulou matéria de natureza processual, foi declarada inconstitucional, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3041.

Incontestável é o fato de que a referida legislação estadual, ao prever sanções no caso de seu descumprimento, violou a previsão constante no artigo 22, I, da CF/88, que refere as matérias de competência privativa da União.

 

Além disso, a decisão do Supremo Tribunal Federal salientou que a exigência legal de que o Parquet informe ao Parlamento local as medidas adotadas em relação às conclusões que lhe forem enviadas configura uma clara ingerência do Poder Legislativo, em vilipêndio ao princípio da autonomia funcional do Ministério Público.

Outro aspecto alertado pela decisão é a possibilidade de que as investigações levadas a efeito pelo Parlamento deságuem na descoberta de crimes cuja promoção da responsabilidade civil ou criminal esteja no campo de competência do Ministério Público Federal. Nessa hipótese, numa absurda afronta ao modelo federativo, o Ministério Público Federal teria que prestar contas à Assembleia Legislativa gaúcha. 

A seguir, promover-se-á a análise de uma jurisprudência cujo objeto da decisão, proferida pelo STF, permanece suscitando acaloradas discussões políticas e jurídicas. Tratam-se dos poderes e limites das CPIs, conforme consta abaixo:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - VALIDADE - EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTO PENAL EM CURSO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO LOCAL - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO, SOBRE FATOS CONEXOS AO EVENTO DELITUOSO, DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. (Mandado de Segurança Nº 23639, Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 16/11/2000, publicado em 16/02/2001).

A impetração do mandado de segurança acima destacado oportunizou à Suprema Corte manifestar-se sobre a (im)possibilidade de uma CPI promover, sem a intervenção do Poder Judiciário, a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico.

O relator esclareceu que tais providências, se acompanhadas de razoável fundamentação, são possíveis, tendo em mente que a cláusula de reserva jurisdicional não alcança o tema da quebra de sigilo, por expressa reverência ao famigerado artigo 58, § 3º, da CF/88.

O voto do relator foi de distinta lucidez ao reafirmar que, sempre que o debate referir-se às investigações parlamentares, o princípio constitucional da reserva de jurisdição só poderá ser invocado nas hipóteses de busca domiciliar (art. 5º, XI, CF), interceptação telefônica (art. 5º, XII, CF) e decretação da prisão, com exceção, obviamente, dos casos de flagrância penal (art. 5º, LXI, CF).

A fim de concluir o raciocínio exposto na decisão suprarreferida, é imprescindível que não passe despercebida a diferença existente entre a quebra do sigilo telefônico e a interceptação telefônica:

A jurisprudência do STF estabeleceu distinção entre a determinação de interceptação de comunicações telefônicas, submetida à cláusula de reserva de jurisdição (cf.art. 5º, inc. XII, da CF), e a quebra do sigilo dos dados telefônicos, por meio da obtenção dos registros de telefonemas, não submetida à cláusula de reserva de jurisdição e, portanto, passível de ser determinada por comissão parlamentar de inquérito (CARAJELESCOV, 2007, pg. 152).

O último alerta a ser feito é que os registros de telefonemas acessíveis sem a moderação do Poder Judiciário limitam-se às informações contidas nos arquivos das companhias telefônicas, tais com a data, duração, horário, quantidade de chamadas, custo das mesmas, mas não ao conteúdo comunicado, cujo acesso depende, em qualquer hipótese, do aval de um magistrado.

Como se percebe, a Constituição Federal, as leis e os regimentos internos não são suficientes para prever as lacunas que se formam, na medida em que os casos concretos vão surgindo.

São as decisões judiciais, em especial os entendimentos jurisprudenciais consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, que vão determinando a dinâmica de inúmeras CPIs, pois sempre haverá espaço para discutir eventual abuso de direito, seja por parte da própria comissão, seja por parte das pessoas e entidades públicas ou privadas submetidas ao procedimento de investigação parlamentar.

Esse capítulo, portanto, objetivou descrever as informações teóricas mais relevantes do instituto analisado, com o escopo de viabilizar a conclusão que será exposta na próxima seção.