RESENHA DE LEITURA E COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO “VERDADE E MENTIRA DO SENTIDO EXTRA- MORAL[1]

 

Texto de 1873, de Friedrich Wilhelm Nietzsche que se encontram às paginas 530-541 da coleção de textos organizada por Jairo Marçal. [2]

 

Por Werner Leber

 

  1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

Nietzsche é uma voz única na filosofia ocidental do século XIX, e da filosofia como um todo. Mais inventou do que se preocupou com as escolas filosóficas acadêmicas. Nada nele é sistemático, e não tinha qualquer preocupação em seguir determinada escola ou determinada doutrina filosófica. Não se sentia tributário de quem que fosse. Inventava sua própria virtude e foi um solitário que lutava com as palavras, às vezes, desesperadamente. Achava que era dinamite para derrubar velhas tábuas. Sentia-se um grego em Tróia.  Detestava sistemas, organizações, conceitografias, exercícios laborais, exegeses. Tudo isso lhe cheira a mofo, a academicismo, a esterilidade, a falta de criatividade. Nietzsche quis reinventar a filosofia. E, em meu modesto ver, foi aí que deixou um traço original. Fez da filosofia uma obra livre, literária, um escopo de sabedoria e não um protocolo da ciência. Foi um inventor de determinada maneira de escrever e filosofar. Sentia-se sozinho e procurava o exílio para poder dizer o que pensa. Escreveu por aforismos. No que me diz respeito, acho esse seu maior mérito.

Nietzsche é filho da derrota iluminista que não cumpriu sua profecia de libertar a razão de suas amarras. É filho do cientificismo de Darwin, que enclausurava a vida em dimensões técnicas e escalonadas. Nietzsche, conforme nota-se, não descreve de modo técnico quais serias essas amarras. Sabe, porém, que são muitas. Sente-se preso e seu Zaratustra não é mais que um grito para sair do sufoco em que a filosofia, a arte e a música haviam ficado reféns. Entre essas amarras, incluiu o critério de verdade com o qual a filosofia se erigiu no Ocidente. Atacou impiedosamente a tradição judeu-cristã como a culpada pelo ressentimento, pela covardia, e chamava o cristianismo zombeteiramente de “espírito de rebanho”, de “moral de escravos”. A nosso ver, há exageros em Nietzsche nesse aspecto. Mas não nos compete entrar nessa arena agora. 

No texto abaixo, seguimos as pegadas de Nietzsche em um texto de 1873 no qual ele discorre sobre a verdade e a mentira, e procura desvendar os equívocos que, segundo ele, a verdade filosófica contém. Tenho uma avaliação bastante pessoal de Nietzsche, e a expresso aqui em nota.[3]  

Que metafísica está obra de Nietzsche? Uma metafísica que defende o valor da vida e a transvaloração de todos os valores. Nietzsche nunca perdoou Sócrates pelo desprezo que este, segundo ele, nutria pela vida. Para Sócrates, e para Platão também, a vida era menos que a alma. A vida era passagem, uma espécie de ponte entre a provisoriedade da existência e a essencialidade da alma.  Isso Nietzsche não perdoava. Considerar a vida assim só pode ser doença, covardia, tagarelice de quem nunca soube viver. Sobre a morte de Sócrates, Nietzsche escreveu: “[...] eu gostaria que também no último instante de sua vida tivesse ficado calado – talvez pertencesse então a uma ordem ainda mais elevada de espíritos” (NIETZSCHE, 1983, p. 208).

 

 

  1. NIETZSCHE: A VERDADE É UMA METÁFORA DA QUAL SE ESQUECEU O QUE ELA FOI EM SUA ORIGEM.

 

De onde vem a verdade? Para Nietzsche, a tradição ocidental falseou as coisas. A verdade sempre foi luta e não conceito teórico sobre o que posso ser “a verdade”, conceito enclausurado em castelos sapienciais, em academias onde os profissionais do saber se comportam como vigias, conceitos sobre os quais só os especialistas teriam a palavra final. Por que mentir, falsear ludibriar no homem é quase uma norma, indaga Nietzsche? E Nietzsche ataca os filósofos: “[...] e como todo transportador de carga quer seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens, o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre seu agir e seu pensar” (MARÇAL, 2009, p. 531). Deixemos Nietzsche falar:

 

O que é a verdade, portanto? Um batalhão de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam a efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas. (NIETZSCHE, 1983, p. 48).

 

Para Nietzsche, a soberba e a prepotência inventaram a necessidade de “verdade” que temos. Afinal, por que desejamos a verdade? O homem é dissimulado e está constituído por uma consciência orgulhosa e charlatã.[4] Questão importante: desejamos as consequências da verdade, que julgamos boas; já a mentira, julgamos má.[5] Mas de onde pode vir isso se tanto a verdade e a mentira têm uma mesma raiz? Essa é a questão nietzscheana que precisa ser melhor delineada. A resposta surge só na página 535 da Coletânea de Marçal (2009), (ou página 48, conforme citação acima). – a metáfora da moeda, citada acima. Mas antes disso Nietzsche nos diz que a linguagem é enganosa, feiticeira, ludibriadora e nos levou a enganos terríveis.[6] Nietzsche, assim afigura, quer uma nova gramática para interpretar os problemas entre Verdade e Mentira. O mentiroso é sumariamente excluído do horizonte.[7] A mentira é má, para os orgulhosos que se acham detentores de grandes verdades. A mentira, todavia, pode ser só um jogo de palavras. Os orgulhosos e arrogantes ignoram as armadilhas da linguagem.[8] Os conceitos com os quais nosso saber está arquitetado surgiram por razões que foram esquecidas. Quem então é mentiroso? Essa é a questão em Nietzsche. Para ele, a filosofia está entorpecida por conceitos acadêmicos que ofuscam o óbvio: a linguagem é um dilema que não pode ficar adormecido. A tarefa da razão é estar alerta e sempre crítica frente às tentativas de enclausurar a vida em conceitos estreitos e injustos. Nenhum conceito é eterno. As relações ser humano/mundo são o pano de fundo desta imensa arena chamada vida, e que não pode ser encapsulada pela metodologia pragmática e servil de discursos interesseiros e de uma filosofia estéril, ou seja, uma filosofia que excluiu toda potencialidade criadora da vida. 

O homem cria conceitos para a sua situação Relação/Mundo. Em cada época, as pessoas criam definições (que Nietzsche chama CONCEITO) para lidar com as situações complicadas dos sistemas de vida. Nietzsche diz que tais situações tornaram-se metáforas gastas; as metáforas são o “avô de todo conceito”, conforme ele mesmo diz (MARÇAL, 2009, p. 537). O que Nietzsche está a nos dizer? Seria Nietzsche um defensor de mentiras, um apologeta de engodos e de falcatruas? Não, jamais. Nietzsche é sábio. Está a discutir fundação, princípios filosóficos de nossa tradição. Está a nos dizer que a verdade e a mentira é um edifício construído por metáforas de certa linguagem. Nietzsche é, de certo modo, um naturalista e um voluntarista e um exegeta também.[9] Vejam as páginas finas do texto. Ali se resolve o problema. Nietzsche luta contra os especialismos técnicos do século XIX que transformaram o ser humano é uma “coisa” e tiraram dele a condição de ser humano. “O homem é a medida de todas as coisas”, afirma, repetindo um termo que gerou polêmica entre Platão e os sofistas.[10] Essa frase, como sabemos, é de Protágoras, o sofista de Atenas, inimigo de Sócrates e Platão. Seria Nietzsche um sofista moderno? Pode ser. Nietzsche afirma que o ser humano erra ao acreditar que tem diante de si aquilo que os conceitos denotam. Palavras não são coisas, se é que entendo bem nosso autor nesse aspecto. A linguagem é ardilosa e nos confunde constantemente. Cabe ao intérprete, ao vivente, não renunciar à vida e suas manifestações. Não há um modo certo e justo de viver. Não há moral certa. A vida é um valor que não pode avaliado. É uma dádiva, uma grandeza que não permite que religiões, legisladores e cientistas a encerrem em padrões morais construídos sobre uma linguagem torta, precária, cujas raízes foram esquecidas. Buscar essas origens é o projeto de Nietzsche.

Todavia, o texto que analisamos, não permite notar a presença do autor que de uma certa maneira “salvou” Nietzsche: Arthur Schopenhauer. Foi esse alemão nascido em Danzing (na Prússia alemã), hoje Guidanski, na Polônia, que despertou em Nietzsche a imaginação e a coragem de dizer o que pensava. A ligação de Schopenhauer com a cultura oriental, com a sabedoria. Schopenhauer incorporou elementos budistas em sua filosofia, como se pode ver em “Aforismo para a sabedoria de vida”, mas foi sua obra capital, “O Mundo como Vontade e Representação”, que levou Nietzsche a fazer da vontade, do desejo, do instinto um traço central de seu pensamento. É, portanto, justo afirmar que a presença de Schopenhauer deixou marcas indeléveis na filosofia Nietzscheana. A própria de ideia de tempo e história, transforma o pensamento de Nietzsche. Vejamos essa passagem, em que Schopenhauer fala da percepção espaço e tempo em termos vivenciais:

 

Cada instante da duração, por exemplo, só existe com a condição de destruir o precedente que o engendrou, para ser também, em breve, por sua vez anulado; o passado e o futuro, abstração feita das consequências possíveis daquilo eles contém, são coisas tão vãs como o mais vão dos sonhos, e o mesmo se pode dizer do presente, limite sem extensão e sem duração entre os dois (SCHOPENHAUER, 2011, p. 13).

 

Essa provisoriedade marca o pensamento de Nietzsche. Ao final da página 537 do texto organizado por Marçal (2009), que citei diversas vezes aqui, Nietzsche fala outra vez do erro daquele que busca a verdade como se ela fosse algo pronto deixada em algum lugar. Como se verdade fosse um objeto pronto a ser contemplado, como se diante dela (da verdade) houvesse-se que prostrar-se de joelhos. Essa é, certamente, a visão Platônica, depois incorporada pela tradição cristã por meio do estoicismo. Tudo isso Nietzsche abominava.

As questões em Nietzsche se resolvem na linguagem e nas invenções, que nada mais são do que convenções. O problema é quando se apaga o rastro, a provisoriedade das convenções, e se transforma-as e Leis, e Códigos, e Preceitos inquestionáveis, como se fosse Deus mesmo que tivesse descido à Terra e as institucionalizadas. O homem primitivo teve na arte, no teatro, nas representações dramáticas da vida a representações com que suportava sua tristeza e falava de suas glórias.[11] Nietzsche amava as tragédias porque elas expressam a grandeza e a dramaticidade da existência. De um modo amplo, o Mito e a Arte (cf. id. ibid., p. 538) são os problemas que nos levaram a enganos terríveis. O homem antigo era intuitivo, ligado à natureza, que amava com toda a sua força, com volúpia, com desejo infinito. Ser intuitivo é ser racional, para Nietzsche. Nietzsche ataca os estoicos. Eles, que foram importantes para a criação da teologia cristã, seriam também responsáveis pelo falseamento, pelo apagamento do rastro, pelo desprezo à dor, pela criação dos confortos conceituais para livrar o ser humano de um mundo cheio de sofrimento e de desgraças. A diferença é que o homem primitivo gritava de dor, mas não fazia dos conceitos as suas concepções de mundo. O homem primitivo não fez do sofrimento e das dificuldades uma autoridade e uma religião legisladora. Com o tempo tudo se perdeu. O que eram lamentos, representações, elementos mitológicos, crenças de uma época, foram transformados em verdades, em conceitos (Sócrates, Platão) e de lá para adiante transformados em substratos de nossa ciência ocidental e universal. A teologia cristã, para Nietzsche, é justamente o que transformou a existência em uma ponte de passagem, vendo no sofrimento o pecado, a desgraça dos pais, enfim, decretando o ser humano culpado, colocando sobre seus ombros o ressentimento e a necessidade da salvação. De que o ser humano precisa ser salvo? Por que ele está condenado? Só mentes covardes pensam assim. Só mentes que acreditam em verdades eternas precisam de clérigos que os guie à “verdade”.[12] Para Nietzsche, as religiões são inimigas da vida. E o cristianismo é por excelência a tradição mestre em divulgar credos que só aprisionam pessoas, impedindo-as de viver intensamente.

Foi o medo da intuição que fez surgir o estoico, o filósofo, o cientista “sério”.[13] O que hoje se assume como verdade, portanto, nada mais é que uma metáfora do passado. Nada mais é que uma situação intuitiva, afastada de sua condição original, por conveniência ou por ignorância, e que, por isso mesmo, é aceita como conceito verdadeiro, como lei universal, como critério para avaliar “bons” e “maus”, isto é, quem serve e que não serve; ou, quem será salvo e quem será condenado.

 

 

  1. REFERÊNCIAS

 

MARÇAL, Jairo (org.) Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: Secretaria da Educação e Desporto - SEED – PR, 2009. - 736 p.

 

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).

 

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. 4ª reimpressão com tradução de M. F. Sá Correia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.

 

[1] Em português atual se escreve “extramoral”. Em alemão: “Über Wahrheit und Lüge in aussenmoralischen Sinne”. Traduzindo literalmente: “Sobre verdade e mentira em sentido externo da moral”.

[2] MARÇAL, Jairo (org.) Antologia de Textos Filosóficos, 2009. Nessa coletânea há textos de autores como Maurice Merleau-Ponty, Santo Agostinho, Descartes, Kant entre outros, e também de Nietzsche. O texto de Nietzsche encontra-se às páginas 530- 541 da Antologia. Portanto, as páginas que mencionamos em nosso resumo acima referem-se às desta Coletânea. O organizador extraiu o texto da seguinte tradução brasileira: NIETZSCHE, F. Obras incompletas. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os Pensadores). O mesmo texto consta também em uma edição mais antiga, de 1983, que nós citamos aqui como (NIETZSCHE, 1983), em que esse mesmo texto traduzido por Rubens Rodrigues Torres Filho consta nas páginas 43-52.

 

 

[3] O que segue são palavras sobre esse pensador singular; odiado por muitos e amado por outros tantos também. O texto abaixo deveria se chamar: “como não se deve opinar sobre problemas filosóficos”. Tenho dificuldades de falar de Nietzsche. Acho que ele é o único filósofo europeu do qual eu li todos os escritos...ou quase todos. Decorei quase o Primeiro Livro de "Assim falava Zaratustra" (Also sprach Zarathustra). A Gaia Ciência (Die Fröhliche Wissenschaft – a tradução correta seria “A ciência alegre”; ou “ciência esplendorosa”) foi um delírio; a Genealogia da Moral é sua obra mais sistemática em minha visão torta de leitor amador, posto que Nietzsche detestava sistemas. De onde vem a "vontade de potência" em Nietzsche? Essa resposta Nietzsche levou para o seu túmulo. Tudo que podemos deduzir de seus escritos não nos revelam de onde teria vindo. Schopenhauer pode ter contribuído, mas Nietzsche vê a vida como potência...como única, "a vida é o único valor que não pode ser avaliado”, costuma dizer. Dizer que veio de sua antipatia pelo cristianismo (por quem sabidamente nutria grande desprezo) é pouco. O Eterno Retorno...o Niilismo, tudo em Nietzsche ficou inacabado. Vejo Nietzsche, em parte como vejo Roland Barthes: pensadores de parcelas, de coisas esquecidas; pensadores que funcionam como luz em meio ao mofo acadêmico. Eles não valem pelas "verdades" que apresentam. Mas pelos abalos que provocam nas verdades canonizadas. E Nietzsche sempre afirmou: "sou dinamite; derrubar ídolos faz parte de meu ofício". Isso mesmo, Nietzsche não queria verdades novas; só queria derrubar as velhas tábuas; queria nos livrar do peso de ter de carregar a verdade - cuja origem pode ser mentirosa. A meu ver, ele foi cedo demais. Tendo vivido só 56 incompletos (nasceu em 1844), teve lucidez até 1887-88; depois veio a doença e seus últimos dez anos de vida não podem ser contados por conta da loucura, dos delírios, possivelmente causada por sífilis ou por um tumor cerebral. Para mim Nietzsche escreveu sempre sobre ele mesmo. Toda a sua filosofia, escrita por aforismos, é um exercício de invenção filosófica. Para mim, o mais belo escritor de temas filosóficos já havido. Alguém que só era violento nas palavras, mas era pacífico. Nietzsche era tímido, reservado, não gostava de discussões. Seu "Zaratustra" contém uma das mais belas lições de filosofia e vale muito para os nossos dias. Cito do que lembro: “Vossos ouvidos não têm necessidades de minhas palavras; cheguei cedo demais; alguns já nascem póstumos”. A tarefa da filosofia é chegar cedo...e só muito tardiamente a humanidade se volta àqueles temas. Filósofos verdadeiros são pessoas solitárias. Não compartilham das mesmices, das modas, daquilo que corriqueiramente se chama “senso comum”. Filósofos, via de regra, não discutem “verdades”, mas a irrespondível questão de estar vivo em um mundo cujo sentido é só e sempre uma busca.

 

[4] Apresento sucintamente o que se encontra em MARÇAL, 2009, p. 531-532.

[5] Cf, op., cit., p. 532.

[6] Cf. id. ibid, p. 534-535

[7] Nietzsche não está fazendo uma apologia da mentira em sentido comum, como enganar, trapacear, ser antiético. Nietzsche refere-se à linguagem e suas representações. De onde se pode concluir que a Dor é má e o Amor é Bom, por exemplo? Desejar o prazer e querer evitar a dor, é humano, é da vida, da intensidade do viver. Mas não transforma um em Bom e o outro em Mal ou pecado. Bem e Mal foram forjados a partir de perspectivas de conhecimento que não condizem com os valores mais profundos da vida instintiva e intuitiva, que Nietzsche julga corretos. Bem e Mal são construções religiosas, metafisicas, falseamentos da metáfora original, assentadas em bases morais que não fazem sentido diante da imponderabilidade do viver. Nietzsche então desenvolverá sua teoria segundo a qual os gregos, interpretados pelos estoicos e judeus, e seu posterior encontro com o cristianismo, produziu uma cultura nefasta, covarde, negadora dos valores vitais da existência: a intuição e o instinto.

[8] Id. ibid., p. 536

[9] A formação universitária de Nietzsche era em Filologia.

[10] MARÇAL, 2009, p. 537.

[11] Nas páginas 538-541 Nietzsche mostra todo seu apego aos pré-socráticos, os verdadeiros filósofos gregos, para ele. Com Sócrates e Platão e, posteriormente, com os Estoicos no período de Alexandre Magno, toda a beleza dos pré-socráticos é travestida e apagada pelo antropocentrismo moralista de Sócrates e todas as mazelas que o socratismo, na voz de Platão gerou. O encontro do platonismo helênico (sobretudo o dos estoicos) com o judeu-cristianismo, foi a instauração da moral de escravos, da moral de covardes que se recusam a viver plenamente. Inventou-se pecados para dominar e mandar. Em outras obras Nietzsche chama a isso de “espirito de rebanho”.

[12] Atacar a religião, sobretudo a judaico-cristã, era marca registrada dos filósofos iluministas dos séculos XVIII, cuja presença se fazia ainda muito forte no século XIX, como se pode ver em Nietzsche mesmo, mas também em Karl Marx, Ludwig Feuerbach e muitos outros.

[13] Conforme delineamento em MARÇAL, 2009, p. 540. Nota-se a presença da ironia, uma marca em Nietzsche,  com que ele trata essa questão.