O primeiro envolvimento do engenheiro-sertanejo, morador de Carolina, homem contemporâneo e amigo de Buell Quain, se faz através de uma escrita subjetiva e verdadeira que se entrelaça a uma chegada esperada de um antigo ‘‘amante-amigo’’ de Quain. O engenheiro-sertanejo revela um direcionamento através de passagens como: “Isto é para quando você vier” (CARVALHO,2006,pg.05), esse suspense se faz presente e leva o leitor a enxergar a personalidade de um destinatário particular e afastado do lugar, esse espaço que poderia ser ocupado mostra um expectativa em cima de algo que estava guardado e a espera de um homem que apresenta um conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir. Quem seria? Quando viria? A carta fica a espera e quem sabe o destinatário a encontre.

       A carta é sinuosa e alusiva,remete a fatos não conhecidos ou simplesmente imaginados: “O que agora lhe conto é a combinação do que ele me contou e da minha imaginação ao longo de nove noites”  (CARVALHO,2006,pg.07). Foram nove noites, que passaram por um intervalo de cinco meses, desde o ultimo dia em quem os dois se conheceram e estiveram na aldeia Krahô. Essas nove noites revelam fatos e passagem importantes, fortes, nutridas e desnutridas, brutas, tensos e  nervosos.

      Através do olhar ou da imaginação o engenheiro-sertanejo deixa explicita a intimidade de Quain e a sua cumplicidade através de uma relação que envolve parceria, confiança e apoio nas mais diversas decisões a serem tomadas. A ausência do destinatário não é empecilho para uma cumplicidade, o que as palavras fazem? Elas são poderosas diante de tais vontades e necessidades, essa necessidade revela um ato de escrever que expõe o que foi dito, exposto, sentido em todos os sentidos como um folha delicada que está em suas mãos e que para não perde-la o único meio e segurá-la a fim de sentir seus passos.

       O trabalho de pesquisa e a investigação estão nos braços do narrador- repórter e este está disposto descobrir aquilo que está intimamente ligado a tudo que é sincero, a tudo aquilo que envolve os acontecimentos, determinado e focado seus passos investigativos se tornam fixados no pés da realidade. A verdade sobre Buell Quain é o núcleo investigativo e este narrador-repórter não poupa esforços na busca incessante através de cartas perdidas, fotos ,jornais, depoimentos de contemporâneos, tudo pode conduzi-lo a um desfecho, esse homem investigador visita o Xingu, se mistura com os índios  em busca de informações preciosas acerca do convívio de Quain com os índios Krahô, índios que possuem um poder místico intenso e que constroem casas  como as sertanejas ,sem janelas, formando um circulo, casa dispostas lado a lado em cada índio sai por um caminho até o centro, esse caminho único revela que na cultura de um povo há diferenças.

       O narrador-jornalista viaja até para os Estados Unidos na tentativa de achar parentes e mais verdades sobre o suicida, verdades que estão escondidas cruas e expostas ,implorando uma sincera verdade. Não há um desfecho para o suicídio de Quain, diante de relatos e informações, a ficção chama o investigador através da sua força para ser exposta através de palavras e dentro de uma obra, ou seja, esse narrador toma a amedrontada decisão  de transformar todos os materiais coletados em uma obra ficcional.

         O romance articula-se através de uma escrita que se inicia a partir do encontro de duas narrativas: a investigação (poço de suposição não comprovada) feita pelo narrador-jornalista e a carta-testamento (escrita pelo sertanejo Manoel Perna).

        O texto apresenta um relato do narrador sertanejo através da carta testamento, este personagem informa e expõe que Quain , morreu no dia 2 de agosto de 1939 ,aos vinte e sete anos. Quain cometeu suicídio, sua morte deixou marcas profundas marcadas por uma violência assustadora, cometida em si mesmo, pelas suas próprias mãos, ele se cortou e se enforcou, sem explicações, sem vozes, sem exposições ,sem gritos ,sem sentimento por si.

        Diante do sangue ,do horror os índios que ali tinham uma cultura diferente, vozes diferentes, movimentos diferentes, todos ao verem Quain morto, fugiram da aldeia apavorados, o que fazer ? Um homem estrangeiro que era acompanhado por dois índios na sua jornada de volta da aldeia para Carolina, se enforca sem explicações, sua face muda, o rosa se torna cinza de repente.

       Quain deixou impressionantes cartas ,mas que nada explicam, as palavras apesar de estarem saltando aos olhos não esclarecem o motivo. O que se sabe é que aconteceu um acabar sem eco, como um papel sendo rasgado ,seco que nem foi escrito ,assim Quain deixou a vida antes que os amigos, índios e outros pudessem decifrar ,ao menos ,ao menos isso...Ele já não dizia...me amo . Assim ele deixou a terra e se deixou ir sem cofiar num traço retorcido ou reto de um caminho, foi pisando sem os pés fincados no chão, foi rindo talvez de sua esbatida miragem. Feriu-se no próprio corpo e neste morreu. Em seu peito as punhaladas não decifradas, sem marca ou voz ,sem revelações, com sangue, se foi até sem dor, ele morria e ele se matou.

      Quain foi chamado de tresloucado e infeliz, era  desconfiado e incrédulo, o dia  de sua chegada a cidade (chamada de morta nas cartas),em maio de 1939,quando o avião chegou ,todos os moradores daquele local correram para o rio, o etnólogo foi fotografado ao lado dos habitantes vestido com trajes impróprios para o lugar, com chapéu branco, bombachas e botas ,isso chamou a atenção de todos .

       O humilde sertanejo ,que era amigo dos índios apresentou Quain para a tribo, o narrador já via nos olhos de Quain o desespero que dissimulava ,o silêncio do sertanejo era como um prova de amizade a fim de conquistar Quain, o narrador conviveu com os índios desde criança e era chamado de louco ,na verdade todos os brancos daquela região eram chamados de loucos pelos índios .

        A mesma amizade o sertanejo dedicou a Buell, pois os índios e ele estavam desamparados, o narrador expressa um profundo sentir sobre com a morte Quain, o sertanejo era defensor dos índios e havia conquistado isso  com a ajuda de Quain. Após o suicídio, o sertanejo-narrador lamenta o massacre da aldeia de Cabeceira Grossa que poderia ter sido interrompida por Quain. O narrador no momento em que a comitiva de vinte índios chega na cidade, mostra-se emotivo e triste diante de tal bagagem e entre sapatos, roupas, livros  e uma bíblia ele encontra um envelope com fotos, retratos, mas não de sua família ,nem mãe ,nem pai, nem irmão.

     

          Segundo o narrador a carta não era destinada a ninguém da família de Buell, nem para missionário ,nem para outro antropólogo. O antropólogo Buell, emitira cartas para um destinatário oculto e esperava por um resposta ansioso, os índios relataram que depois da ultima correspondência, Quain foi dominado por uma profunda tristeza ,por um profundo abatimento e queimou algumas cartas, ele se deixou abater pela tristeza ,todas a dores começavam ,o tempo não foi aguardado por ele ,suas mãos estavam vazias de bálsamo, não havia alívio, a ação do tempo passou a ser falha e não o guiou pelo caminho do certo, não aliviou as dores e nem a brisa leve abrandou seu calor, tudo foi mais depressa  do que a suposição ,ele não teve resposta ,nem a consolação que necessitava, chorando muito, escreveu as cartas que deixou, antes de se suicidar no meio da noite.

        As más notícias foram expostas por Quain como núcleo das cartas recebidas por ele, assim, comunicou aos índios sua decisão de não ficar mais na aldeia, para o índios ele não falou nada ,mas para o brancos falou sobre uma doença e pediu para que desinfetassem as cartas antes de lê-las.Os ilustres homens convidaram Quain para a festa de fundação da casa Humberto de Campos, Buell era um homem constrangido pela multidão e atormentado, sua expressão segundo o narrador era  sempre perturbadora. Perturbação que consumia o peito  entre o sonhar ,mas o acordar sempre errava em trilhos caprichosos que eram encerrados pelo destino. Nada era o que parecia em nada que fosse perfeito, Quain ia sempre tentar cortar direito as curvas duvidosas da vida, mas caia por terra ,não existia para ele asas que o amparassem ,a dor o ferrrava e a tristeza dava a ele o título de derradeiro eleito. Assim, ele tinha a alma sempre girando sem sair do mesmo ponto, havia uma rotação alegre ,mas ele chorava, tudo concedia em linhas retais de intensidade ,o confundindo numa fatídica e rotativa ansiedade, quando de repente voltou do tempo e sua alegria foi devorada.  

        Buell Quain mal falava a língua dos índios e não entendia as relações de parentesco e organização social da aldeia, assim, os índios roubavam sua roupas ,como proteção contra mosquitos ele improvisou trajes, a violência física na aldeia não era permitida ,Buell caiu em comoção social quando ao bater na mão de um menino que lhe roubava farinha, o menino sentia a fome, a miséria, a desnutrição, o menino chorou a angústia ,o desprezo, a solidão, o menino correu da violência ,da maldade ,da incompreensão, o menino sonhou com a união ,com o carinho ,mas ele sofreu as consequências de seu país sem coração. Buell Quain, de volta a Cuiabá, sofreu um ataque de malária. Em sua convivência com os Trumai, o antropólogo relata: “Toda morte é assas- sínio. Ninguém espera passar da próxima estação das chuvas. Não é raro haver ataques imaginários.’’ (CARVALHO,2006,pg. 54). 

       O narrador faz reflexões sobre o Xingu, sobre o período em que levou Quain até os índios e através da busca de informações sobre os índios,o narrador parte para Carolina e chegando lá começa a conversar com o velho Diniz  “o único Krahô vivo que conhecera Quain, quando ainda era menino, e que podia me falar sobre o local em que o etnólogo fora enterrado.”(CARVALHO,2006,pg.74)

       Através do depoimento de Raimunda ,filha mais velha de Manoel Perna, que vivia em Miracema do Tocantins, a razão do suicídio de Quain estaria ligada à descoberta de que a suposta mulher o teria traído com o cunhado.

       Ao se matar o etnólogo deixou cartas e entre elas havia uma para o marido da irmã e nenhuma mensagem para sua mãe. O narrador relata dentre algumas citações que teria uma desconfiança que Quain tivera uma ambígua relação com a irmã.

       O narrador ficou hospedado na casa de um Krahô,chamado José Maria Teinõ.O narrador se sentiu ingênuo e constrangido, amedrontado e tímido diante dos hábitos dos mesmos, o narrador não tinha uma convivência nada harmônica com os costumes alimentares  ,com os rituais ,ele chegou a seguinte conclusão: “Se para mim, com todo o terror, foi difícil não me afeiçoar a eles em apenas três dias, fico pensando no que deve ter sentido Quain ao logo de quase cinco meses sozinho entre os Krahô.”(CARVALHO,2006,pg.74)

       Quain não gostava da ideia de se tornar nativo,o narrador da mesma forma tentava resistir aos rituais e à cultura dos índios.Manoel Perna morreu afogado quando tentava salvar a neta, em 1946.O engenheiro de Carolina Manoel da Nóbrega, não deixou papel algum sobre Quain. Assim ,o narrador imaginou uma oitava carta ,ele relata  a morte de seu pai  no inicio dos anos 90.

      Ao ler o nome do etnólogo em um jornal ,ele parte para uma investigação , passando a enviar cartas para um fotografo, chamado Andrew Parsonsa fim de saber se ele tinha amizade com Quain, suas correspondências não tiveram êxito, o narrador vai para Nova York na tentativa de transformar suas pesquisas. Já em Nova York, o narrador em contato com Schlomo Parsons (filho do fotógrafo) observa diversas fotos do Brasil nos anos 50 e 60: “Ele me mostrou os retratos de alguns índios. Pareciam Krahô, mas podia ser de qualquer outra tribo. ‘Meu pai era fotógrafo. Passou a vida no Brasil. São índios brasileiros. Você não os reconhece?” Diante disso o narrador vê que não há ligação alguma entre o fotógrafo e Quain.  

       O narrador relata a vivencia de uma experiência que possibilitou a escuta de uma história e outra onde os índios eram suspeitos de um crime presumido de auto defesa ou vingança, direcionando o assunto para uma terceira pessoa o narrador desabafa e diz que não poderia compreender como um país poderia ser gerido pela desconfiança, nesse momento pede desculpas, tudo que queria era descobrir a verdade, ao menos uma. Para ele a mentira e a verdade não faziam sentido com o que Quain veio fazer aqui. Segundo o narrador, os índios temiam ser acusados, embora nada tenham feito. Se os índios temiam tanto ser acusados, não era certamente porque o mataram, mas porque podiam ter razões para tanto.  Embora nada tenham feito e ele tenha sido bastante enfático e magnânimo para deixar isso bem claro. Ele se matou para que não pairassem dúvidas sobre a sua morte.  E para inocentá-los, porque só a sua existência — e a sua presença na aldeia — já os incriminava. Foi o que terminou por entender na sua loucura.